"Todos queremos que esta seja uma solução duradoura"

Mariana Mortágua preferia que tivesse sido assinado um só acordo, pelos quatro partidos de esquerda. E garante que não se sente condicionada, “um milímetro” que seja, na sua actividade de fiscalização de um eventual Governo liderado por António Costa.

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Mariana Mortágua Nuno Ferreira Santos

Mariana Mortágua, 29 anos, interrompe a reunião que está a ter na Assembleia da República para receber o PÚBLICO. “Quanto tempo demora a entrevista?” Têm sido dias atarefados no Palácio de São Bento. A deputada fala connosco um dia depois de o Governo de direita ter sido derrubado. Foi um momento histórico, reconhece. Ainda assim, nessa noite Mariana Mortágua foi para casa cedo. Não foi festejar? A deputada ri-se. O Bloco sente entusiasmo por a esquerda ter conseguido chegar a um entendimento, mas também diz sentir responsabilidade. Restituir os salários e as pensões às pessoas é devolver-lhes o que é delas, afirma. E a economista não tem dúvidas: isso é possível.

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Mariana Mortágua, 29 anos, interrompe a reunião que está a ter na Assembleia da República para receber o PÚBLICO. “Quanto tempo demora a entrevista?” Têm sido dias atarefados no Palácio de São Bento. A deputada fala connosco um dia depois de o Governo de direita ter sido derrubado. Foi um momento histórico, reconhece. Ainda assim, nessa noite Mariana Mortágua foi para casa cedo. Não foi festejar? A deputada ri-se. O Bloco sente entusiasmo por a esquerda ter conseguido chegar a um entendimento, mas também diz sentir responsabilidade. Restituir os salários e as pensões às pessoas é devolver-lhes o que é delas, afirma. E a economista não tem dúvidas: isso é possível.

Como viveu o dia do acordo?
O dia do acordo foi muito importante para várias pessoas, provavelmente por diferentes razões. Foi importante para as pessoas que rejeitaram a teoria do voto útil e da inevitabilidade do centrão e viram o resultado do seu voto à esquerda do PS.

Acordou com muita expectativa na terça-feira? Nervosa?
Não, não… (Risos) Com expectativa sim. Sentia-se no plenário uma tensão correspondente à importância do momento. Isso era visível em todos os deputados e deputadas.

Foi um momento inédito? Histórico?
Teve esse simbolismo, para muitas pessoas. Para além das diferenças ideológicas e políticas que existem entre o Bloco, o PCP e o PS, e elas existem, uma das coisas que mais ouvimos na rua durante a última campanha foi: “Entendam-se!” É um apelo e, sem dúvida, uma das grandes preocupações das pessoas de esquerda. As pessoas sentiam que uma falta de entendimento entre as forças de esquerda permitia um reforço da direita que é possível evitar. Para essas pessoas foi muito importante ver que estes três partidos, para além das suas diferenças, foram capazes de se entender no mais importante.

O que era o mais importante?
O mais importante, ao contrário do que dizem, não é apenas derrubar a direita. É sobretudo construir uma solução contra o empobrecimento. Estou satisfeita que isto tenha sido possível, mas consciente da responsabilidade que temos pela frente. Quem fez este acordo, e falo pelo BE, não o fez de ânimo leve. Estamos conscientes da responsabilidade, das expectativas que criámos às pessoas e temos muito claros os objectivos.

Durante a campanha, o Bloco teceu duras críticas ao PS. Catarina Martins disse que o PS era a desilusão destas eleições. Mariana Mortágua usou a metáfora do jogo das crianças no qual têm de escolher entre dois males para falar da opção entre a direita e o PS. Qual o grau de confiança que têm agora no PS para firmar este acordo?
O Bloco não deixa de ter críticas a fazer ao PS. Discordamos de várias coisas. Mas isso não nos impede de identificar prioridades. E foi precisamente essa crítica ao bloco central que permitiu ao BE ter a força pós-eleitoral para alterar as propostas do PS que criticávamos. Sempre criticámos, com muita clareza, desde o início da campanha, três pontos concretos: a facilitação dos despedimentos, o congelamento das pensões, a baixa da TSU para os patrões. Por termos assumido essa crítica clara, tivemos a força que nos permitiu depois aproximar do programa do PS.

Depois houve um longo processo negocial longe dos olhares das pessoas. Como correu?
Correu como devia. Avançámos, fizemos progressos, houve capacidade de diálogo, percebemos até onde podíamos ir e, sobretudo, houve um grande consenso sobre o que se pretendia com este acordo. Acho que ninguém tem expectativas desajustadas. Estamos todos, os partidos, conscientes do que estamos a fazer, de quais são os limites, mas também da responsabilidade que temos nos ombros… Este é um processo novo. É preciso que seja feito com toda a calma e com a capacidade de perceber que é sólido. A preocupação de todos os partidos é que este seja um acordo sólido.

Há quem considere este acordo frágil. Vai ser uma solução sólida e duradoura?
Ouvi Paulo Portas criticar este acordo. Dizia que, por não ser uma coligação, não apresentava garantias de solidez. Depois, logo a seguir, disse que esta é uma coligação radical… Sobre este acordo é dito tudo e o seu contrário, numa tentativa de o descredibilizar.

Isso não resulta também do facto de haver três acordos em vez de um?
Aquilo que une os partidos neste acordo é uma questão política que não se faz, ou desfaz, consoante a sua forma. O anterior Governo era uma coligação e isso não o impediu de ter uma crise política a que todos assistimos e que teve impactos financeiros…

Mas essa coligação chegou, pela primeira vez na história, ao fim da legislatura…
Mas não esteve isenta de crises. Aquilo que protege uma coligação ou um acordo da existência de crises são, precisamente, os parâmetros políticos e não a forma. Todos queremos que esta seja uma solução duradoura. Ninguém quer trazer instabilidade ao país. Ninguém é irresponsável a esse ponto.

Foi por falta de tempo que não chegaram a um acordo único assinado por todos?
Acho que não foi só por falta de tempo. O BE teve 10% dos votos e faz parte desta maioria parlamentar, mas cabia ao PS, o partido mais votado, liderar o processo e formar o Governo. Aquilo que permite um acordo com estas características, mas não permite uma coligação de Governo diz respeito àquilo que nos diferencia. Estou a falar das questões europeias, do Tratado Orçamental, da dívida.

Reformulo: Seria um sinal de convergência maior terem chegado a um acordo único?
Sempre defendi, aliás sempre defendemos, que deveria haver um texto único assinado por todos. Mas foi esta a fórmula encontrada.

Por que não foram estes acordos apresentados publicamente pelos líderes?
Entendeu-se que esta era a melhor forma. Mas, para além das questões de forma, o que conta é o que está escrito.

Não é um anti-clímax que um acordo apresentado como inédito entre quatro partidos de esquerda seja assinado numa sala, à porta fechada, sobrando apenas umas fotografias?
A importância política deste acordo é haver quatro partidos que se põem de acordo para viabilizar um Governo e uma alternativa. Se alguém preferia que fosse feita uma conferência de imprensa ou não, isso não me parece o essencial. O importante é que o acordo seja cumprido.

Este entendimento não vai ser posto em causa pela forma como o Bloco e o PCP olham para a Europa, para a renegociação da dívida, para o Tratado Orçamental, em contraste com um partido europeísta como o PS?
Se este entendimento pudesse ser posto em causa por essas questões, elas constariam do acordo. Houve muita honestidade a negociar. Isso prova que ninguém está neste acordo disposto a “roer a corda”. Se fosse essa a intenção, alguém teria posto neste acordo um ponto desses. Os partidos perceberam os limites da sua convergência e aceitaram negociar dentro desses limites, respeitando o partido mais votado. Por isso, as negociações foram mantidas dentro desse quadro. O Bloco não abdica das suas ideias, mas apoia um Governo que, não coincidindo com as suas ideias sobre a dívida, repõe salários e pensões e está disponível para trabalhar numa alternativa.

Catarina Martins já assumiu que os resultados das negociações não foram tão longe quanto desejaria. Até onde queria ir o Bloco e que obstáculos encontrou?
O acordo não foi tão longe por uma razão clara. Basta ler o programa do BE para se perceber que o acordo não é o programa do BE. É uma aproximação sobre propostas que podem melhorar a vida das pessoas. Há propostas importantes para nós, como a atribuição do subsídio social de desemprego para todos os desempregados, que não estão neste acordo, porque têm como ponto de partida para a sua viabilização, a reestruturação da dívida. Por isso o acordo não foi tão longe como gostaríamos.

É por isso que o Bloco não vai para o Governo?
É também isso que determina que o BE não pode fazer parte deste Governo. Julgo que as pessoas entendem. Não é nada de estranho.

O BE só podia assumir pastas no Governo se o acordo fosse mais aproximado ao seu programa?
Claro. Acho que não há nada como falar com clareza. Concordámos com medidas muito importantes neste momento para tirar o país de uma situação de emergência. Isto é uma condição de estabilidade. Não haverá surpresas. Todos sabemos ao que vamos.

Espera que o BE seja consultado sobre a formação do Governo?
Não. O PS fará o seu processo. Mas julgo que ainda é muito cedo, porque ainda falta saber o que Cavaco Silva fará.

O BE acha que o Presidente não tem outra hipótese se não indigitar António Costa como primeiro-ministro?Acho que não. Seria um desrespeito demasiado visível, até escabroso, pela maioria parlamentar. A alternativa seria indigitar um Governo de gestão que teria, constantemente, no Parlamento, uma maioria contrária. Hoje em dia ouvimos tudo… Mas uma maioria no Parlamento ainda me parece um critério democrático demasiado importante para ser ignorado pelo Presidente.

Um dos pontos mais debatidos tem sido o da legitimidade de António Costa. Para o BE não tem razão de ser o argumento de que a legitimidade de Costa está ferida por ter perdido as eleições?
A coligação mais votada foi a do PSD com o CDS. Tinham legitimidade para formar Governo. Mas não conseguiram… A partir do momento em que não conseguem, o segundo maior partido é chamado a tentar, e dispõe da legitimidade da maioria da Assembleia da República. A questão resolve-se por si mesma. Quem confere legitimidade a um Governo é a maioria dos deputados eleitos. Seria mais legítimo um Governo que não tem a maioria na Assembleia da República? Não acho que isso faça muito sentido.

No acordo não há medidas que se dirijam a desempregados?
Há. O alargamento do acesso à tarifa social da electricidade vai beneficiar os desempregados. E uma das tarefas do grupo de trabalho das questões da pobreza e da precariedade também será essa.

Não há margem orçamental para mais?
Nós sempre dissemos que as nossas propostas eram neutras do ponto de vista do efeito orçamental. Ainda não fiz as contas ao saldo final do acordo. Mas as nossas propostas tiveram a preocupação de fazer propostas dentro dos constrangimentos existentes. Isso exigiu alguma criatividade.

E há margem no acordo para “surpresas” desagradáveis? Uma crise bancária? Um choque externo? Um défice maior herdado do actual Governo?
Claro que sim. É uma questão de prudência. Na realidade há imprevistos. Havia a noção desde o início de que pode haver um imprevisto. Tem de haver uma estreita cooperação entre os partidos que apoiam o Governo. O compromisso é esse.

Numa frase: este acordo continua enquanto não forem tocados os rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas, aconteça o que acontecer?
Exactamente. É um acordo de melhoria dos rendimentos e de salvaguarda do Estado Social.

Qual é o melhor adjectivo para o definir? É um acordo mínimo? De esquerda? O possível?
Não sei. Qualquer adjectivo que possa dar pode jogar contra mim (risos). É um acordo que procura responder às necessidades das pessoas. É um acordo para travar o empobrecimento.

Enquanto deputada, a Mariana Mortágua é reconhecida pelo seu papel de fiscalização da actividade do Governo. Esse papel é mais difícil agora?
É tão necessário como era anteriormente. Não me sinto um milímetro diminuída nos meus deveres por ter um acordo com o PS. Sinto-me livre para exercer os meus deveres. Não me sinto constrangida.

O BE tem centrado muita da sua actividade parlamentar na fiscalização dos abusos da relação do Estado com privados, nas nomeações políticas. Isso vai continuar a merecer a vossa atenção?
Se não continuar a merecer a nossa atenção, eu própria vou criticar o BE. É lógico que o BE não vai mudar a sua forma de estar na política por ter feito um acordo com o PS para melhorar a vida das pessoas. A fiscalização vai continuar. Não vamos fechar os olhos. Porque essas coisas prejudicam o Estado Social, prejudicam a relação do Estado com os cidadãos.

Por que não se comprometem em não apresentar moções de censura ao Governo do PS?
Porque é redundante. Se pensarmos apresentar uma moção de censura é porque o acordo acabou…

O resultado ideal deste acordo seria a sua revalidação, ao fim de quatro anos?
O resultado ideal seria chegar ao final desta legislatura com um Estado Social reforçado, com uma economia mais sólida, com as pessoas a recuperarem os rendimentos que perderam, e parando a sangria na Administração Pública. Seria travar uma mudança ideológica profunda que não sei se a maioria das pessoas se aperceberam… O Estado Social foi entregue à peça a interesses privados: Saúde, Educação, prestações sociais. Isso afastou a direita do compromisso constitucional que existia e era um património conjunto.

Há alguma razão para temer um novo resgate, ou uma evolução da situação como na Grécia?
Claro que não. Os argumentos usados pela direita para atacar este acordo são a razão por que isto é tão importante. Uma direita que acha que só ela pode dirigir o país prova por que não deve ser ela  a governar. Não, não está em causa a saída do euro. Qualquer pessoa que leia este acordo ficará descansada. Quem defende o Estado Social não defende um Estado mais gordo, ou mais ineficiente, ou mais motoristas. Eu quero um Estado mais eficiente. A comparação entre o que se está a passar aqui e o que se passou na Grécia não faz sentido. São propostas completamente diferentes. Comparar o que não é comparável só cria medo.

Mas o medo existe…
Tenho consciência que o discurso de apelo ao medo existe. E há uma enorme polarização no país, que só se reverte quando as pessoas virem os resultados do acordo. O enorme medo da direita é que se prove que afinal havia alternativas. Isto não é o PREC… É um acordo para reverter medidas de austeridade. Temos de ter um bocadinho de bom senso.

O que é que justifica que nos últimos tempos tenha havido por parte de comentadores como Pedro Arroja uma crítica digamos, marialva, às dirigentes do BE? E no seu caso, até uma petição pública para se despir para a Playboy?
O que está na base de tudo isso é o machismo e o sexismo, enraizados na sociedade portuguesa. As mulheres do Bloco tiveram uma visibilidade pouco habitual nos últimos tempos. Portugal não está habituado a ter um partido em que as principais protagonistas são mulheres. Isso gera reacções. Muitas foram positivas, de identificação, no eleitorado feminino. Mas também despertou o marialvismo bem ou mal escondido na sociedade portuguesa. E é agravado pela ofensiva conservadora que existe perante o actual momento político. Eles acham que todos os argumentos são válidos e, por isso, não se limitam a atacar politicamente o acordo, atacam os seus protagonistas. A questão da Playboy é diferente. Embora revele, da mesma forma, o sexismo – não se faria isso a um homem – porque não se consegue diferenciar, numa mulher, o desempenho político do desempenho estético, ou seja lá o que for. Embora aí o objectivo não seja criticar politicamente.

Riu-se da petição? Viu-a com bonomia?
Não vejo com bonomia nenhuma o sexismo. Embora, obviamente, tenha uma maior antipatia por ataques claramente misóginos, sexistas, conservadores. A minha reacção à tal petição foi: Não me interessa.