Explicação dos pássaros
Martin Courtney não precisa dos Real Estate para fazer grandes discos.
No fundo, a culpa é dos pássaros. Já explico. Antes deixem-me dizer que a vaga de adjectivação com que o mundo reagia a cada movimentação dos Real Estate na pauta situou-se sempre em duas palavras: “bonito” e “belo”. As harmonias de guitarra, as vozes carregadas de laranja pôr-de-sol entravam-nos pelos ouvidos provocando ligeiros tremores, enquanto pelo corpo subia uma sensação familiar, aquele contentamento que sentimos quando nos deitamos no sofá e nos recostamos no conforto da nossa almofada preferida. E dizíamos: “Que bonito”. “Que belo”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
No fundo, a culpa é dos pássaros. Já explico. Antes deixem-me dizer que a vaga de adjectivação com que o mundo reagia a cada movimentação dos Real Estate na pauta situou-se sempre em duas palavras: “bonito” e “belo”. As harmonias de guitarra, as vozes carregadas de laranja pôr-de-sol entravam-nos pelos ouvidos provocando ligeiros tremores, enquanto pelo corpo subia uma sensação familiar, aquele contentamento que sentimos quando nos deitamos no sofá e nos recostamos no conforto da nossa almofada preferida. E dizíamos: “Que bonito”. “Que belo”.
Era assim que as coisas se passavam aquando dos dois primeiros álbuns da banda, Real Estate (2009) e Days (2011): “São um encanto”, dizia a língua, enquanto a memória do ouvinte era transportada para a saudade de tempos que, na realidade, não vivera, a culpa era das melodias à Rain Parade e Dream Syndicate (bandas que foram alinhadas num movimento chamado Paisley Underground), ou à Go-Betweens. Atlas (2014) marcava uma partida desse universo: era um disco mais cheio e mais meloso – mais “anafado”. Many Moons, a estreia a solo de um dos homens dos Real Estate, fica algures entre o par inicial da sua antiga banda e Atlas. Como neste, o fulcro já não é um par de guitarras eléctricas entregues a um jogo de esgrima; há quase sempre uma guitarra acústica a server de matriz; e Courtney não se furta à opulência de arranjos de cordas (como em Foto) ou flautas e cordas (Northern highway). Mas se Atlas era um disco satisfeito com a sua opulência novo-rica, Many Moons é um exemplo de decoração burguesa. Em Vestiges e em Asleep, Courtney revela-se um mestre na filigrana de guitarra; na faixa homónima ao disco, as cordas acompanham uma deliciosa linha de guitarra pastoral, que depois é dobrada por uma flauta: estamos naquele muro estreito entre o delicodoce peganhento (como geleia que se pespega às mãos) e a epifania pós-adolescente dos Belle & Sebastian. E no fundo a culpa é dos Byrds. Porque toda esta gente (Rain Parade, Dream Syndicate, Real Estate, Martin Courtney) é filha dos Byrds. O mundo é injusto: por vezes dizemos que a coisa A é má porque não passa imitação de B. Outras o mesmo argumento é usado para provar o ponto oposto: a coisa A é boa porque nos lembra de B. No caso, a estreia de Courtney é um belo belo belo encanto, porque sabe estar à altura dos seus mestres. É esta a explicação dos pássaros.