Ex-espião diz que avisou gabinete de Sócrates sobre hierarquias ocultas nas secretas
Testemunha que depois de exonerada do SIED passou a trabalhar na Judiciária apontou práticas ilegais a arguidos.
Um antigo dirigente do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) garantiu esta quinta-feira em tribunal ter avisado em 2010 o gabinete do então primeiro-ministro José Sócrates da existência de hierarquias paralelas nas secretas. No ano seguinte rebentou o escândalo relacionado com a devassa, por este organismo, dos registos de chamadas de telemóvel do jornalista Nuno Simas e com a espionagem de pessoas e empresas para fins particulares dos agentes secretos.
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Um antigo dirigente do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) garantiu esta quinta-feira em tribunal ter avisado em 2010 o gabinete do então primeiro-ministro José Sócrates da existência de hierarquias paralelas nas secretas. No ano seguinte rebentou o escândalo relacionado com a devassa, por este organismo, dos registos de chamadas de telemóvel do jornalista Nuno Simas e com a espionagem de pessoas e empresas para fins particulares dos agentes secretos.
O julgamento das secretas, no qual o ex-dirigente do SIED Jorge Silva Carvalho e outros colegas antigos seus respondem pelos crimes de violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder teve esta quinta-feira novos desenvolvimentos, quando uma testemunha que também tinha um cargo de chefia naqueles serviços revelou a existência de “hierarquias paralelas” na casa. Segundo Clemente Vian, agora a trabalhar na Polícia Judiciária, depois de ter sido exonerado do SIED, a subida de Silva Carvalho à direcção do serviço coincidiu com a criação de cargos de chefia informais, paralelos, que chocavam com a hierarquia existente. “Havia técnicos a realizar diligências sem o meu consentimento – algumas das quais impedi. Iam fazer coisas que eu desconhecia, apesar de ser seu chefe directo. Como isso me incomodava comuniquei a situação ao conselho de fiscalização dos serviços de informações e, em última instância, ao gabinete do primeiro-ministro”, descreveu o antigo espião.
Após o jornal Expresso ter exposto o escândalo, Clemente Vian diz ter confirmado que um subordinado seu pesquisara, numa base de dados paga pelas secretas, informações sobre um empresário madeirense de vinhos – embora “não tivesse recebido nenhuma ordem escrita nesse sentido”. O Ministério Público alega que as informações se destinavam a fins privados: o madeirense, Humberto Jardim, havia sido casado com a mulher de um administrador da Ongoing, grupo para o qual Silva Carvalho tinha entretanto ido trabalhar, depois de trocar as secretas por um emprego mais bem pago.
“Confrontei o técnico quanto à pesquisa que tinha feito sobre o empresário. Respondeu-me que tinha cumprido ordens” de outro superior hierárquico: João Luís, que tal como Silva Carvalho também se senta hoje no banco dos réus. Depois de o escândalo ter sido exposto, Clemente Vian diz que foi feita uma sindicância interna no SIED que não visou descobrir práticas ilegais nos serviços – como se suspeita que terá sucedido quer no caso do acesso aos registos telefónicos do jornalista quer na espionagem para fins particulares –, mas sim detectar a origem das informações que estavam a chegar à comunicação social, relacionadas com os procedimentos ilícitos dos espiões.
A mesma testemunha revelou ainda ter recebido uma mensagem de telemóvel de João Luís que guardou até hoje, perguntando-lhe se os serviços conseguiam arranjar alguém – isto é, uma fonte de informação – na operadora de telecomunicações Optimus. “Disse que não tínhamos ninguém”, assegurou Clemente Vian aos juízes, acrescentando ter sido a seguir que se soube da devassa, pelos espiões, do registo das chamadas de Nuno Simas, que usava os serviços da Optimus.
Perante a revelação da testemunha, o advogado de João Luís ainda sugeriu ao tribunal que ordenasse um varrimento total do telemóvel de Clemente Vian, por forma a tentar encontrar outras mensagens de idêntico teor. Mas quando a juíza que preside ao colectivo encarregue do caso no Campus da Justiça, em Lisboa, o alertou para a inviabilidade de semelhante pretensão o advogado recuou: “Pronto, então não vale a pena”.