A fusão da direita e o papel de Costa
A inesperada negociação de acordos à esquerda na sequência das eleições legislativas de Outubro e todo o processo que consequentemente conduziu ao derrube do Governo quase esconderam que, à direita, a revolução está quase concluída.
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A inesperada negociação de acordos à esquerda na sequência das eleições legislativas de Outubro e todo o processo que consequentemente conduziu ao derrube do Governo quase esconderam que, à direita, a revolução está quase concluída.
Mas estes dois dias de debate foram bem elucidativos sobre o quanto PSD e CDS estão em acelerado processo de fusão. Não foi só a sintonia na estratégia de ataque aos três partidos da esquerda, nem as palmas que em uníssono pontuaram as intervenções dos deputados das duas bancadas, ou o pronto levantamento em sinal de entusiasmo nos momentos mais vibrantes.
Foi também a absoluta disciplina temática de um discurso sobre a ilegitimidade de uma alternativa repetido até à exaustão e o inconformismo patente até ao último momento da sessão parlamentar, coroado com a visão apocalíptica de Passos Coelho sobre um futuro do qual se sente injustamente escorraçado.
A concertação entre os dois parceiros foi tão perfeita, que até naquele ponto em que o discurso oficial se adiantou em relação ao presente coube a Paulo Portas e a Passos Coelho anunciarem os contornos do estilo de oposição que vão protagonizar, quando se sentarem nas bancadas parlamentares de S. Bento. “Não venha depois pedir socorro [, quando] não conseguir gerir a pressão explosiva”, avisou Portas, dirigindo-se a António Costa. “Quem hoje votar pelo derrube deste Governo legítimo não tem legitimidade para vir reclamar sentido de patriotismo”, prometeu Passos, visando o mesmo destinatário.
Mas o sinal mais evidente de que esta direita é cada vez mais unívoca foi dado, surpreendentemente, por Portas numa resposta a Carlos César. Quando o líder da bancada socialista o desafiou a dizer quanto vale agora o CDS “que hoje é apenas presunção”, Portas respondeu com os 38,2% obtidos pela coligação nas eleições.
Ora, por muito que a mancha do momento “irrevogável” prometa acompanhar Portas até ao final da sua carreira política, o certo é que tal aconteceu (também) em nome da preservação da matriz democrata-cristã do CDS. A diluição identitária dessa matriz é provavelmente o passo que faltava à fusão do bloco da direita, depois de o PSD ter sido despojado da social-democracia durante o consulado de Passos.
Como já se percebeu, a coligação pré-eleitoral dos dois partidos favoreceu tanto a aproximação da esquerda, como a guerrilha política agora pré-anunciada por Passos e Portas vai ajudar à sua consolidação. É dos livros que a existência de um inimigo externo, sobretudo quando ele se apresenta unido e ameaçador, serve para diluir as diferenças de quem está do outro lado da barricada.
Ao contrário do que pensam os líderes da coligação, António Costa agradece o encómio, tanto mais quanto vai ter à sua frente, como bónus inesperado, uma auto-estrada em direcção à conquista de um centro político à deriva. Ladeado, à direita, por um bloco político que perdeu a maioria, porque se deu ao luxo de desprezar uma parte considerável da classe média, maioritariamente constituída por eleitores moderados que se sentiram despojados de salários, pensões e direitos sociais; e, à esquerda, por dois partidos que correm o risco de se anular por excesso reivindicativo e por viverem em competição permanente, Costa poderá surgir como o factor de moderação e equilíbrio indispensável à estabilidade. Isto só funciona se economia não se deteriorar, se o que resta da social-democracia do PSD deixar e se o Presidente da República não ceder à tentação do tal governo de gestão.