Domingos Névoa comprou Everjets dias antes da assinatura de contrato de milhões

Concurso de 46 milhões está a ser investigado pelo Ministério Público e pela PJ. Aquisição do dono da Bragaparques mantida em segredo. Filho de Domingos Névoa é administrador da Everjets desde Fevereiro.

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Protecção Civil deverá pagar 46 milhões de euros por operação e manutenção dos Kamov durante quatro anos Rui Farinha

O dono da Bragaparques, o empresário Domingos Névoa, comprou a maioria do capital da empresa de aviação Everjets, que ganhou o concurso para operar e manter os helicópteros pesados do Estado. Um concurso que está a ser investigado no âmbito do processo dos vistos gold.

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O dono da Bragaparques, o empresário Domingos Névoa, comprou a maioria do capital da empresa de aviação Everjets, que ganhou o concurso para operar e manter os helicópteros pesados do Estado. Um concurso que está a ser investigado no âmbito do processo dos vistos gold.

A aquisição ocorreu uns dias antes da formalização, a 6 de Fevereiro deste ano, do contrato de 46 milhões de euros, assinado em representação da Everjets pelo genro de Névoa, Ricardo Dias, piloto que já trabalhava havia algum tempo na empresa e assumiu a vice-presidência da sociedade logo no início de Janeiro.

Na altura da compra, já era conhecido que a Everjets ganhara o concurso, para operar e manter os helicópteros durante quatro anos, uma vez que a 22 de Dezembro de 2014 o presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) assinara um despacho a adjudicar a proposta à Everjets.

Segundo fonte oficial da Everjets, que inicialmente optou por não responder às perguntas do PÚBLICO sobre a venda, o empresário de Braga comprou a empresa “em Fevereiro” e não tem qualquer relação com o concurso para operar os Kamov, que decorreu enquanto a Everjets estava formalmente nas mãos do empresário Pedro Silva, líder do grupo Ricon. A mesma fonte não soube precisar, contudo, quando se iniciaram as negociações e se as mesmas começaram antes ou depois de a empresa saber que tinha ganho o negócio.

Este concurso está a ser investigado no âmbito de um inquérito dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que conta com o apoio da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária. Na origem da suspeita está um email que o ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, terá enviado ao seu antigo sócio Jaime Gomes — ambos arguidos no processo — com o caderno de encargos do concurso público internacional, semanas antes da publicação do anúncio, em Julho do ano passado.

No final de Agosto, foram recebidas quatro propostas, tendo a Everjets ganho por ter apresentado o valor mais baixo: 46.077.120 euros. A proposta foi adjudicada em 22 de Dezembro do ano passado e assinada a 6 de Fevereiro deste ano, uns dias antes de Domingos Névoa ter comprado a empresa. A compra aconteceu entre 1 e 3 de Fevereiro.

Na altura vários concorrentes estranharam o comportamento dos responsáveis da empresa, já que estes não chegaram a levantar o caderno de encargos do concurso, não foram inspeccionar os aparelhos que queriam operar, nem tiveram qualquer dúvida sobre as regras do concurso.

Fonte oficial da Everjets não nega nenhum desses factos, mas sublinha que a empresa não levantou o caderno de encargos para não alertar a concorrência, tendo tido conhecimento das regras de concurso através de um terceiro. Quanto ao facto de não terem inspeccionado antecipadamente os Kamov e de não terem feito perguntas (houve candidatos que fizeram mais de 100), fonte oficial da empresa diz que não estavam obrigados a isso. “A Everjets cumpriu a lei e os termos do concurso”, realça a fonte oficial.

A mesma fonte garantiu que nenhum profissional ou responsável ligado à empresa foi constituído arguido ou sequer ouvido no âmbito da investigação dos vistos gold, que deverá ter acusação até ao final desta semana, para evitar que o antigo presidente do Instituto dos Registo e Notariado, António Figueiredo, o único arguido que ainda está detido preventivamente, seja libertado. Figueiredo foi colocado em prisão preventiva em Novembro do ano passado, tendo passado para prisão domiciliária na passada sexta-feira.

Segundo o portal das publicações on-line de actos societários, o empresário Pedro Silva renunciou ao cargo de presidente do conselho de administração da Everjets a 3 de Fevereiro, três dias antes da assinatura do contrato com a ANPC. O filho de Domingos Névoa, Bruno Névoa, foi nomeado no dia 4 para integrar a administração, tendo o genro de Névoa, Ricardo Dias, piloto da empresa, assumido a vice-presidência a 5 de Janeiro, cerca de duas semanas depois de o negócio de 46 milhões ter sido adjudicado à empresa.

O PÚBLICO tentou, insistentemente, contactar Domingos Névoa sem sucesso. Pedro Silva atendeu o telefone, mas alegou estar ocupado no momento e não voltou a atender.

A venda da Everjets foi mantida em segredo até agora, só tendo fonte da empresa aceitado falar sobre esse assunto depois de o PÚBLICO a ter confrontado com informações oficiais registadas no portal do Ministério da Justiça. No site do grupo Ricon, que anteriormente detinha a Everjets, a empresa ainda aparece como se fosse do grupo.

Recorde-se que Domingos Névoa foi condenado por corrupção activa por ter oferecido ao então vereador José Sá Fernandes, através do seu irmão, 200 mil euros para este desistir de uma acção popular que tentava travar o negócio de permuta, com a Câmara de Lisboa, de terrenos da Feira Popular com os do Parque Mayer. Os juízes conselheiros condenaram o empresário a uma pena de cinco meses de prisão que poderia ser suspensa mediante o pagamento de 200 mil euros. O empresário acabou por não cumprir qualquer pena ou fazer qualquer pagamento porque o processo prescreveu.