Mudou, não volta atrás
Não bastará à esquerda governar: há que governar melhor, e de forma duradoura.
Ao longo dos anos, fui dando uma resposta cada vez mais simples à pergunta sacramental da política portuguesa. Porque é que a esquerda portuguesa não se entende? Porque as direções dos partidos não querem. Numa realidade partidária tão monopolizada pelas direções partidárias, eram estas que determinavam a oportunidade tática de fazer ou não alianças. E, em política corrente, só raramente a tática não ganha à estratégia.
As direções partidárias de esquerda quiseram finalmente chegar a entendimento, e isso — sendo simples — muda tudo.
Começa por mudar o mais importante, melhorando as condições concretas de vida dos portugueses. Basta ler as medidas que resultaram das negociações entre PS, BE, PCP e PEV: aumento do salário mínimo, devolução dos cortes nas pensões, devolução da sobretaxa de IRS, combate à precariedade e aos falsos recibos verdes, reposição dos feriados da República e da Restauração, criação de contratos para investigadores no ensino superior, reversão dos processos de concessão e privatização dos transportes públicos, congelamento das privatizações — e a lista poderia continuar.
Ao contrário do que muita gente teimosamente continuava a afirmar, ainda há diferenças entre uma governação à direita e outra à esquerda. Mais do que isso: com a deriva austeritária da direita europeia, essas diferenças são maiores do que em muitas décadas. Para a esquerda, a conclusão deveria ser óbvia: é possível defender o estado social e cumprir a Constituição lá onde as políticas se implementam e as mudanças são mais eficazes.
Mas muda mais ainda: muda a política portuguesa, e provavelmente em definitivo. A direita estava habituada a ter uma espécie de “direito de pernada” sobre o exercício do poder em Portugal — e o CDS, em particular, um sempre possível lugar à mesa em qualquer governo minoritário do PS ou do PSD. Também por isso alguma direita portuguesa reagiu como reagiu ao fim da incomunicabilidade entre a esquerda: de um momento para o outro, acabou um mundo confortável em que ou a direita estava no poder, ou estava no poder um centro-esquerda refém da direita.
Se isso lhes pode servir de consolo, pensem que também muita coisa muda à esquerda. Acabam os álibis e os pretextos para a falta de entendimento, e com eles aquele niilismo de esquerda que insistia que tudo era igual independentemente do partido ou partidos que estivessem no governo. Mas isso significa que acaba também a pressão do voto útil para garantir que a direita vai para a oposição: a partir de agora, se houver uma maioria de esquerda, passa a ser possível haver um governo de esquerda.
Claro que podemos sempre recear que a tática — que nunca deixou de estar no seu lugar — se sobreponha de novo à estratégia. Ou desejar que se tivesse quebrado já desta vez o tabu da participação governativa dos partidos à esquerda do PS. Ou reconhecer que não bastará à esquerda governar: há que governar melhor, e de forma duradoura.
Mas o que aconteceu é já histórico e não pode ser apagado.
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Ao longo dos anos, fui dando uma resposta cada vez mais simples à pergunta sacramental da política portuguesa. Porque é que a esquerda portuguesa não se entende? Porque as direções dos partidos não querem. Numa realidade partidária tão monopolizada pelas direções partidárias, eram estas que determinavam a oportunidade tática de fazer ou não alianças. E, em política corrente, só raramente a tática não ganha à estratégia.
As direções partidárias de esquerda quiseram finalmente chegar a entendimento, e isso — sendo simples — muda tudo.
Começa por mudar o mais importante, melhorando as condições concretas de vida dos portugueses. Basta ler as medidas que resultaram das negociações entre PS, BE, PCP e PEV: aumento do salário mínimo, devolução dos cortes nas pensões, devolução da sobretaxa de IRS, combate à precariedade e aos falsos recibos verdes, reposição dos feriados da República e da Restauração, criação de contratos para investigadores no ensino superior, reversão dos processos de concessão e privatização dos transportes públicos, congelamento das privatizações — e a lista poderia continuar.
Ao contrário do que muita gente teimosamente continuava a afirmar, ainda há diferenças entre uma governação à direita e outra à esquerda. Mais do que isso: com a deriva austeritária da direita europeia, essas diferenças são maiores do que em muitas décadas. Para a esquerda, a conclusão deveria ser óbvia: é possível defender o estado social e cumprir a Constituição lá onde as políticas se implementam e as mudanças são mais eficazes.
Mas muda mais ainda: muda a política portuguesa, e provavelmente em definitivo. A direita estava habituada a ter uma espécie de “direito de pernada” sobre o exercício do poder em Portugal — e o CDS, em particular, um sempre possível lugar à mesa em qualquer governo minoritário do PS ou do PSD. Também por isso alguma direita portuguesa reagiu como reagiu ao fim da incomunicabilidade entre a esquerda: de um momento para o outro, acabou um mundo confortável em que ou a direita estava no poder, ou estava no poder um centro-esquerda refém da direita.
Se isso lhes pode servir de consolo, pensem que também muita coisa muda à esquerda. Acabam os álibis e os pretextos para a falta de entendimento, e com eles aquele niilismo de esquerda que insistia que tudo era igual independentemente do partido ou partidos que estivessem no governo. Mas isso significa que acaba também a pressão do voto útil para garantir que a direita vai para a oposição: a partir de agora, se houver uma maioria de esquerda, passa a ser possível haver um governo de esquerda.
Claro que podemos sempre recear que a tática — que nunca deixou de estar no seu lugar — se sobreponha de novo à estratégia. Ou desejar que se tivesse quebrado já desta vez o tabu da participação governativa dos partidos à esquerda do PS. Ou reconhecer que não bastará à esquerda governar: há que governar melhor, e de forma duradoura.
Mas o que aconteceu é já histórico e não pode ser apagado.