Jamie Oliver declara guerra ao açúcar

Passou um ano a viajar por países onde há pessoas a viver até aos 100 anos. Contratou professores para estudar nutrição. Fez 40 anos, foi isso. Voltou com um novo livro e programa de televisão e com menos alguns quilos. E elegeu o seu novo grande inimigo: refrigerantes cheios de açúcar.

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A entrevista está marcada para as 8h30 da manhã. Quando chegamos ao Fifteen, o principal restaurante de Jamie Oliver, no centro de Londres, ele já lá está, ao fundo da sala, a ser maquilhado. Vai ser um longo dia de entrevistas e os outros jornalistas — televisões e jornais de vários países — vão começar a chegar daí a pouco.

Aproxima-se de nós com um grande sorriso, cumprimenta-nos, aceita a garrafa de azeite que o editor português lhe oferece e deita imediatamente na palma da mão umas gotas, que lambe com um ar entendido. “É óptimo”, diz, informando-se sobre de que região é (era de Trás-os-Montes).

O pretexto para estas conversas é o lançamento do seu novo livro, Receitas Saudáveis (editado em Portugal pela Porto Editora), o resultado de várias viagens que fez aos locais do mundo onde as pessoas vivem mais tempo e são mais saudáveis, como o Japão (Okinawa), a Grécia (ilha de Ikaria) ou a Costa Rica — e que se transformou também numa série televisiva com o mesmo nome, que em Portugal vai passar a partir de dia 19 deste mês no canal 24 Kitchen.

Estas receitas — na versão inglesa o livro chama-se Everyday Super Foods — estão divididas em pequeno-almoço, almoço e jantar, e são sempre acompanhadas de uma tabela com as calorias (a ideia é que a primeira refeição do dia não ultrapasse as 400 calorias e as outras duas as 600) e a informação, em gramas, sobre a quantidade de gordura, gorduras saturadas, proteínas, hidratos de carbono, açúcar e fibra de cada.

Quando o livro foi apresentado em Inglaterra, Jamie apareceu em público mais magro e em excelente forma. A experiência do último ano, diz, levou-o também a fazer alterações no seu estilo de vida, sobretudo nos hábitos de sono — ele, que dormia três horas e meia por noite, encara agora o sono “como um trabalho”.

No final da conversa, o Fifteen já está transformado num estúdio de cinema. Enquanto na cozinha se começa a preparar, numa enorme panela, um caldo de ossos, na zona de pastelaria Bárbara Heitor, uma portuguesa que aqui trabalha, já está a ensinar ao seu estagiário, Shane Cunniffe, como se fazem as sobremesas da casa.

Entretanto chega Gennaro Contaldo, o famoso chef italiano, amigo e sócio há vários anos, e também personagem de alguns dos seus programas televisivos. Vem carregado com caixas de cogumelos que foi apanhar com os estagiários do Fifteen — o restaurante funciona como escola para jovens desfavorecidos ou com problemas de integração social (o que também já deu um programa de televisão). Daí a pouco, Gennaro, já de jaleca, está a dar uma entrevista a um canal de televisão, agitando os braços e falando no seu mais típico italiano, para dizer que Jamie “é um rapaz de ouro”.

Jamie Oliver não pára. Tem os restaurantes, os programas televisivos, os livros. Mas a sua grande luta neste momento é contra o açúcar. Fez um documentário, Jamie’s Sugar Rush, transmitido no início de Setembro, que chocou o Reino Unido. Está a pressionar o primeiro-ministro David Cameron para que seja aplicado um imposto sobre as bebidas açucaradas. Sabe que será difícil. Mas está confiante. “Um dia vai acontecer.”

Este livro resulta das viagens que fez pelo mundo aos sítios onde as pessoas vivem mais tempo, algumas delas até aos 100 anos. O que é que concluiu? A alimentação é determinante ou a longevidade depende mais de factores genéticos e outros?
A comida e o estilo de vida são muito mais importantes. Claro que a genética tem o seu peso, mas a comida e o estilo de vida podem ajudar apoiando, melhorando ou transformando as características genéticas. São as chaves de tudo.
Para mim, foi um ano fascinante. Cheguei aos 40, que é um simpático número redondo e que me obrigou a olhar para o que fiz até aqui, para a minha família, o meu trabalho. Comecei a escrever este livro e foi lindo porque percebi que as vidas mais longas, mais felizes e mais produtivas não tinham nada que ver com ser rico ou com o que a cultura ocidental nos faz pensar que precisamos. É tudo muito simples, muito natural.
Portugal, com a dieta mediterrânica, é diferente de Inglaterra. Vocês têm a comida natural enraizada na vossa cultura. Nós costumávamos ter, mas perdemos isso e agora estamos a recuperá-lo. Mas neste país, infelizmente, as pessoas pensam que para comer bem tem de se ser rico. Isso aborrece-me porque nas minhas viagens a comida mais extraordinária que experimentei foi sempre em comunidades pobres. Nunca andei pelo mundo a dizer “isto é fabuloso” perante arranha-céus em Nova Iorque ou Los Angeles. É nas zonas mais humildes que as pessoas cultivam e cozinham bem, adoram cozinhar para elas e para as famílias. Depois há a parte informativa que está profundamente enraizada neste livro.

Porque entretanto começou a estudar nutrição.
Sim, nunca imaginei fazer isso mas comecei a pagar a professores para virem ensinar-me durante três horas todas as semanas. Eu faço o que quero fazer, mas tem de ser também um serviço público. O meu patrão não é o canal de televisão ou o editor, o meu único patrão é o público e tenho de pensar nele 100 vezes a cada hora de cada dia.

Diz que não é preciso muito dinheiro para se comer bem. Mas as grandes empresas da indústria alimentar conseguem oferecer preços muito baixos, mais baixos do que os dos legumes ou da fruta na mercearia de bairro. Isso não continua a ser um problema?
Sim, acho que sim. Mas aprendi que para as pessoas que adoram comida, os bons agricultores, as pessoas que vivem numa maior harmonia com a natureza, a verdadeira moeda é o conhecimento. Sim, tem razão, má comida barata é muito fácil, vive muito tempo nas prateleiras, pode ser congelada, mas quando se tem o conhecimento para pensar de forma diferente consegue-se encontrar coisas muito mais baratas. É praticamente impossível que um cozinheiro não consiga cozinhar algo mais barato.

Parece estar a haver uma mudança nas mentalidades, as pessoas querem comida mais saudável. Os restaurantes, os supermercados e a indústria estão a tentar responder a isso e por isso encontram-se à venda produtos que se apresentam como mais saudáveis. Mas consegue-se mesmo que as pessoas vão às pequenas mercearias comprar os legumes e cozinhar em casa? Ou esse é um passo que ainda não estão dispostas a dar?
Estamos num período incrível de reajustamento e reequilíbrio. O meu país e o seu país sempre tiveram estes desafios. Imagine Portugal ou a Inglaterra antes da electricidade… éramos completamente diferentes, mudou tudo, socialmente mudou a forma como homens e mulheres trabalham.
O que estamos a tentar com este livro e o programa de televisão é, de uma forma simples, olhar para os locais do mundo onde as pessoas conseguiram um equilíbrio e mostrar que a razão pela qual o conseguiram é porque não passaram totalmente pela modernização. Se for a Okinawa, de onde são algumas das pessoas com maior longevidade do mundo, vai ver tabaco e refrigerantes açucarados à venda em todas as esquinas. Mas conseguirão eles estar onde estão hoje daqui a 20 anos? Não sei. Julgo que não. Provavelmente vai mudar.
Podemos perguntar o que temos a aprender com estas partes obscuras do mundo, mas o que é bonito é que a história deles significa que você e a sua família podem mudar o que fazem na vossa casa. Quando temos filhos, queremos que eles aprendam a sobreviver nas ruas, não é? Que não andem a passear com as carteiras a sair no bolso de trás, não façam as coisas erradas no momento errado, não vão pela rua errada. Estou a ser optimista, mas acho que estamos a atravessar um período de enormes mudanças, a ética, o bem-estar, o comércio justo, a pesca sustentável.

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As pessoas pensam que para comer bem tem de se ser rico. Isso aborrece-me porque nas minhas viagens a comida mais extraordinária que experimentei foi sempre em comunidades pobres

Está a dizer que a mudança tem de partir de nós, consumidores?
Se um país tem uma infra-estrutura robusta de media, jornalistas, bloggers, organizações da sociedade civil, se houver pessoas suficientes a discutir as coisas que interessam a nível local e nacional… geralmente, quando se dá boa informação, os humanos são bastante bons a fazer uso dela. Conseguem mesmo ser extraordinários. Mas quando os confundem, e lhes dizem disparates, eles tornam-se erráticos. Quando se diz que isto interessa e se apoia com amor, carinho, educação e soluções, as pessoas mudam muito depressa.

O seu livro é muito claro na mensagem que envia, mas quando ouvimos nutricionistas e outros especialistas em alimentação recebemos frequentemente mensagens contraditórias. Para alguns, os hidratos de carbono e as gorduras são um problema; para outros, não. Isso não confunde?
Ouça, se tiver uma dieta sem gorduras, morre. Qualquer pessoa que diga que tem uma dieta sem gordura é estúpida ou ingénua. Se não se comer gordura, morre-se rapidamente.
Os hidratos de carbono não são maus, o problema é que a maior parte das pessoas não percebe que uma lata de Coca-Cola é um hidrato de carbono. Não percebem que as bebidas açucaradas são hidratos de carbono, e a maior fonte de hidratos de carbono na nossa dieta vem dos refrigerantes. Pensam que é da massa e do pão.
A Organização Mundial de Saúde quer que as pessoas comam mais disso e menos refrigerantes. Comam os vossos hidratos de carbono, não os bebam. Mas eles podem também vir de trigo integral, que é incrível, ou de vegetais, o que é superincrível. É isso que tentamos fazer no livro. Dizer que vai sempre haver dietas rápidas e maneiras de perder peso muito depressa, mas não vão durar mais do que umas três semanas, que é o período que o cérebro humano consegue lidar com a privação, se estiver em controlo, se não estiver numa prisão.
Com excepção das gorduras hidrogenadas, que são muito más para nós, até o açúcar é uma coisa linda. Eu nunca diria a ninguém “não coma um bolo”. Os bolos fazem as pessoas felizes, e quando comem um bolo sabem que é especial. Mas não se come bolo cinco ou seis vezes por dia como se faz com os refrigerantes.
Para qualquer uma das áreas de que falo no livro, procurei os melhores cientistas e especialistas que havia no planeta, para lhes pedir precisamente clareza por causa de todas essas mensagens contraditórias. O público espera isso de mim. Querem que eu vá para fora um ano e meio e procure toda a informação. Neste livro não vai encontrar mensagens contraditórias.

Quando falei em mensagens contraditórias, não me referia ao livro, mas ao que se ouve em geral. As pessoas que seguem a dieta paleolítica, por exemplo, cortam açúcar e hidratos e tudo o que é processado, ao mesmo tempo que comem muita proteína animal, e dizem sentir-se muito bem.
Isso é fantástico. A chave é a sustentabilidade. Se tratarmos o sono, o beber água e o pequeno-almoço como um trabalho, então tudo o resto entra num ritmo certo. Pode-se perder peso e comer imensa comida, ficar cheio, cheio, cheio.
O problema com os hidratos de carbono é que pensamos sempre em massa e pão, mas podem ser fruta ou bebidas ou snacks. Um terço da sua dieta pode, de forma saudável, ser constituída por hidratos de carbono, mas se incluir refrigerantes e esse tipo de coisas, irá disparar.
Não tenho a certeza do que se passa em Portugal, mas em Inglaterra é preciso dizer às pessoas que 95% dos cereais de pequeno-almoço estão cheios de açúcar. Passaram apenas 40 anos desde que toda uma indústria começou a fazer-nos uma lavagem ao cérebro. E isto não é uma teoria da conspiração. Há 40 anos não tínhamos nos supermercados 20 metros de cada lado de prateleiras cheias de cereais merdosos. Tínhamos uma série de pequenos-almoços simples que eram bastante equilibrados. Isso mudou. Não tínhamos bebidas açucaradas a não ser em ocasiões especiais, no aniversário ou quando íamos a uma feira. Não nos hidratávamos com refrigerantes. O mundo mudou em 40 anos.
Para mim, o livro e o programa não são uma campanha, não estou em cima de uma montanha a fazer [bate com o pé no chão, como quem está a chamar a atenção]. O que tentamos fazer aqui é reunir os pontos e ser consistentes em cada página. Basta passarmos os olhos pelas imagens [das receitas do livro], há um ritmo na cor — e não o fiz de propósito — que nos grita equilíbrio, equilíbrio. E o que raio é equilíbrio? Em cada imagem, em cada receita, expressamos isso.
A dieta portuguesa será naturalmente muito melhor do que a britânica porque inclui os vegetais e as gorduras saudáveis como o azeite. É preciso recordar que os ingleses costumavam comer 30 tipos de carne diferentes nas quantidades certas e muito mais carnes selvagens, que são muito mais nutritivas. Agora o que comemos? Galinha, porco, vaca e borrego. E é isso.

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Porque é que os ingleses se desligaram tanto do conhecimento do passado e isso não aconteceu, pelo menos de mesma forma tão radical, noutros países?
Porque o Reino Unido é um país invulgar. Portugal teve o seu período áureo, foi muito importante com os Descobrimentos e os países que teve por todo o mundo. A Grã-Bretanha também teve o seu período áureo, a revolução industrial, metal, vidro, construção, caminhos-de-ferro… por cada quilómetro quadrado na Inglaterra, tínhamos 100km2 noutra parte do mundo.
Mas o nosso período áureo aconteceu em tempos mais modernos, quando tudo estava a mudar, o gás, a electricidade, a ciência. Isso significou que as mulheres foram trabalhar e quando as duas guerras mundiais aconteceram houve uma separação entre o solo e a casa e o trabalho. Há 35 anos, apenas 12% das mulheres trabalhavam. Agora são quase 70%. Não estou a dizer que isso é bom ou mau, estou a dizer que é uma enorme mudança. Ao mesmo tempo surgiram o marketing e o branding.

E será que a grande indústria pode ajudar nesta causa da alimentação saudável? Pode adaptar-se?
Quando as marcas da comida processada, cheia de gordura e açúcar, começam a estar em todo o lado e a fazer imenso dinheiro, claro que se torna agressivo e ganancioso. Mas neste momento, pelo menos na América, Austrália e Reino Unido, muitas destas grandes marcas, que têm sido muito eficazes a vender-nos versões excitantes de comida que não é muito boa para nós, estão com as vendas paradas ou com um crescimento muito pequeno.
O que está a crescer 14% ao ano é muito mais a comida saudável, sem glúten, integral. O mercado e o público estão a mudar. Dou-lhe um exemplo: o McDonald’s no Reino Unido usa hoje 100% de ovos de galinhas criadas ao ar livre, leite biológico, a qualidade da carne de vaca e de porco é boa, às sextas-feiras dão fruta aos miúdos. Ok, é o McDonald’s. Não vai desaparecer, não vai a lado nenhum, mas está a adaptar-se. Porque a nossa comunicação social, os jornalistas, os activistas, a sociedade civil, o público esperam mais. Isso é bom. É bom querer mais, exigir mais.
Nos EUA, os mesmos negócios, que estão a ter resultados piores, não fizeram nada disso. O que é interessante é que o homem que começou a mudança aqui [no McDonald’s] há sete anos foi agora para os EUA. É bom ou mau? É bom, porque eles são muito grandes e neste momento nós precisamos de ajuda para que os miúdos achem que a fruta e os vegetais são fixes.

Nas escolas já estamos a fazer o suficiente?
Não. Para o Food Revolution Day [uma campanha anual criada por Oliver para defender o direito a uma alimentação saudável] este ano conseguimos 1,6 milhões de assinaturas para uma petição [exigindo que o ensino prático ligado à alimentação passe a ser obrigatório nas escolas] dirigida ao G20. Muitas dessas assinaturas vieram de Portugal. Entre os países do G20, há apenas cinco que, por lei, ensinam as crianças sobre alimentação. No ano passado, o Reino Unido entrou na lista. Portugal não está nessa lista.
Porque é que isso é um problema? Porque quando os nossos extraordinários e sábios velhotes morrem deixam de transmitir esses conhecimentos. As crianças vão para a escola grande parte do ano entre os quatro e os 18 anos, é uma estrutura que existe e que todos aceitam. E as crianças adoram plantar, nunca conheci uma criança que tivesse plantado ou semeado uma coisa e que depois não adorasse comê-la. Através da comida podemos celebrar a história, ensinar matemática. Fazer pão, por exemplo, é óptimo para ensinar a pesar, a contar, a subtrair.

Está a referir-se a um ensino que leva as crianças a pôr realmente as mãos na massa e não passa apenas por ensinar-lhes a pirâmide alimentar?
É preciso ver as coisas a crescer. Vocês são óptimos nisso, têm uma história e uma cozinha incríveis. Os navegadores portugueses andaram pelo mundo, só o facto de terem introduzido o vinagre na comida indiana, isso mudou a cozinha para sempre, é algo tão rico.
Se queremos ter daqui a 50 anos um planeta mais saudável, é preciso ensinar as crianças a cultivar. Isto não é romântico. Quando se planta ou semeia coisas que depois se cozinham, isso muda-nos para sempre. Não significa que não se coma um McDonald’s ou se beba uma Coca-Cola, ou que não apanhemos uma bebedeira divertindo-nos com os amigos no bar. É preciso encontrar o equilíbrio.
Nos últimos anos, trabalhei com comunidades em que vejo famílias com pais de 20 ou 30 anos que não têm a mínima ideia de como se cozinha. Não fazem ideia de que bolhinhas na água significa que está a ferver. “O que é isso?”, perguntam. “O que é o quê? É água a ferver.” “E porque é que faz isso?” “Está a ferver, a água ferve a 101 graus a menos que estejamos numa montanha.” “Ah.”

Nas últimas décadas, temos ouvido “não comam gorduras”, depois “não comam hidratos”. No seu caso, escolheu como inimigo principal o açúcar. Porquê? É o maior problema que enfrentamos?
Sim, é aí que estão as maiores margens de lucro, e portanto os melhores negócios que conseguem empregar as mais brilhantes mentes do planeta, brilhantes, brilhantes. O dinheiro que as paga vem dos refrigerantes. E sabe de quem estou a falar.
A maior fonte de açúcar vem das bebidas. Isso afecta as nossas crianças, os nossos adolescentes. São calorias completamente vazias, que não têm qualquer valor nutricional e não nos fazem sentir saciados. Não estou a dizer que não são deliciosas, só digo que tiveram demasiado sucesso e por isso é que acho que devem ser taxadas.
Em Inglaterra, fizemos uma campanha em que pedimos um imposto para os refrigerantes. Por cada lata, 7 pence [99 cêntimos], o que equivaleria a mil milhões de libras [1,4 mil milhões de euros] por ano e eu quero que esse dinheiro vá para as escolas e os hospitais, metade para cada lado. Toda a gente, em geral, acha que isto é uma boa ideia.

Em que ponto está a campanha?
Temos de fazer uma petição ligeiramente diferente, destinada ao Governo. Tenho estado a falar com [o primeiro-ministro, David] Cameron. A cada cinco anos, o Governo coloca o foco num tema, nos últimos cinco anos foi a demência, que é um problema gigantesco e que, curiosamente, está ligado à diabetes tipo 2, que por sua vez está directamente ligada ao peso, que está ligado ao açúcar.
Para os próximos cinco anos, que são os últimos de Cameron, ele vai anunciar uma campanha para tornar o Reino Unido mais saudável. Somos o país menos saudável da Europa. Somos uma nação muito doente. A diabetes tipo 2 está a disparar, representa já 10% do total do orçamento para a saúde.
Na minha opinião, o que o Governo vai fazer vai ser muito bom, invulgarmente bom, a avaliar pelo que tem sido feito nos últimos dez anos. Mas não será suficiente. Por isso, o meu trabalho, quer vença quer falhe, é manter o assunto na ordem do dia, não só ao nível político também ao nível mais pessoal. A questão aqui não é o Governo, são as pessoas.

E se, como parece mais provável neste momento, o imposto não vier a acontecer?
O imposto seria sempre o mais difícil de conseguir, mas um dia vamos conseguir. Vai acontecer nos próximos 20 anos.

A reacção da indústria de refrigerantes tem sido muito forte.
Quando eu lancei o documentário sobre o açúcar, todos os jornais publicaram três páginas de anúncios da Coca-Cola durante seis semanas. Um deles dizia “nós apoiamos os trabalhadores britânicos, nós empregamos 4000 pessoas no UK”. Eu emprego mais do que isso — em 42 restaurantes! Dou emprego a mais pessoas que a Coca-Cola, por isso não me venham com essa treta de como são bons para a economia.
A parte boa é que o terceiro anúncio dizia que estavam empenhados em promover o consumo de bebidas não açucaradas. O que, de certa forma, pode ser considerado um sucesso para nós. É um momento crítico para a Inglaterra. Temos um serviço de saúde incrível, mas está a disparar luzes vermelhas para todos os lados. Não há um médico que não apoie o imposto sobre o açúcar. Se olharmos para a lista dos que o apoiam, a pergunta é quem não apoia?

E mesmo assim é difícil torná-lo uma realidade.
Não nos devemos esquecer que para fazer isto é preciso ter muita coragem, mas se conseguirmos fazer aceitar a ideia de um imposto sobre o açúcar, o trabalho mais difícil está feito. Mil milhões de libras será óptimo, mas a questão essencial aqui não é o dinheiro. No México, onde introduziram o imposto, houve uma quebra entre 6 e 10% nas vendas. França já tem um imposto, Portugal terá em breve, porque também vão começar a pagar o preço de uma saúde má.

As pessoas encaram o imposto como uma coisa positiva, uma forma de protegerem a saúde, ou consideram que é uma interferência do Estado numa questão que deve ser de escolha pessoal?
Haverá sempre pessoas a dizer isso. Mas 60 a 65% das pessoas no hospital estão lá por causa de uma doença ligada à alimentação. O Estado já está a pagar por causa do que as pessoas comem. Isso já está a esmagar o Serviço Nacional de Saúde. Quem vem de um bairro pobre tem quatro vezes mais probabilidade de vir a ter excesso de peso ou obesidade do que quem vem de um meio privilegiado. Miúdos dos 5 aos 11 anos que vêm de meios pobres são muito claramente a prioridade.

O documentário tem imagens bastante chocantes.
Digo-lhe uma coisa: ficaram chocados? O que viram foi o documentário mais bonito. O documentário que eu filmei era muito mais duro, muito mais negro e muito mais perturbador. Mas, para ser sincero, algumas das coisas eram demasiado más para mostrar na televisão. As pessoas continuam a dizer-me: era terrível. E eu digo: a sério? Porque aquilo era Disneylêndia. Passei muito tempo com pessoas que tinham sido ou iam ser amputadas. Há anualmente 7500 pessoas às quais são retirados membros por causa da diabetes tipo 2.

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Eu nunca diria a ninguém 'não coma um bolo'. Os bolos fazem as pessoas felizes, e quando comem um bolo sabem que é especial. Mas não se come bolo cinco ou seis vezes por dia como se faz com os refrigerantes

Essas pessoas têm consciência do que esteve na origem do problema?
Sim, mas é preciso perceber que quando as pessoas chegam ao hospital, mesmo se o problema está ligado à alimentação, elas queixam-se “não sinto a perna” ou “tenho uma dormência aqui”, e os médicos dizem “vamos tratar disso e pô-lo a andar novamente, vamos dar-lhe antibióticos e coisas para tornar o sangue mais fluido”. Ninguém vai a sua casa para ver o que tem na despensa.
Tenho umas seis, sete organizações espalhadas pelo Reino Unido, geralmente em áreas bastante pobres, onde ensinamos nutrição às pessoas, ensinamos-lhes dez receitas que lhes podem salvar a vida, falamos com os locais sobre como podem ter mais instrumentos à disposição, saber qual é o dia em que chega o peixe fresco e qual a melhor altura para o comprar mais barato. Fazemos isso também na Austrália e nos EUA. A minha organização é muito pequena, sem recursos, gastamos milhões de libras por ano, mas não é nada, é ar.

Qual é o passo mais difícil para que as pessoas ponham realmente em prática um estilo de vida mais saudável?
O mais importante é ganharem consciência. Estou a fazer isto há 17 anos e mudei ao longo desse tempo. As pessoas pensam sempre que o importante é a pedrada no charco mas o mais importante são as ondas que ela provoca. Mesmo que as coisas sejam difíceis e não corram como eu queria, as ondas são lindas.
Os governos só querem os nossos votos, as empresas só querem o nosso dinheiro, e não fazem nada por acaso, medem constantemente a temperatura do ambiente para saber que passo dar a seguir. Se as pessoas começam a ser mais exigentes e a ter expectativas mais elevadas, e você faz isso, eu faço isso, muitas pessoas à volta do mundo fazem isso, a forma como esses tipos actuam acaba por ter de mudar.

Aquilo que aprendeu durante o tempo em que esteve a preparar este livro também o levou a mudar algumas coisas na sua vida. Qual foi a parte mais difícil?
Foi o sono. Eu não parava de trabalhar. Trabalhava até às duas da manhã e estava de pé às 5h30. Isso não é saudável. Quando comecei a falar com peritos do sono, percebi que estava a fazer o pior possível ao meu corpo. Apesar de o meu estilo de cozinha ser de uma maneira geral mais mediterrânico, ter estudado nutrição é como andar de bicicleta e ir mudando as velocidades. Posso comer um bolo fantástico ou um gelado supercremoso, mas depois posso pôr outra velocidade e encontrar o equilíbrio. O que eu acho é que muitos pais não sabem mexer na caixa de velocidades. Agora, todas as receitas que escrevo são verde, âmbar e vermelho [legumes, hidratos, proteínas], um terço, um terço, um terço. E cobrem a alimentação vegan, sem glúten, sem lactose, porque é isso que o público quer e são problemas que estão aí.

As suas receitas incluem também sempre contagem de calorias. Isso é importante ou não?
Não, as calorias são apenas instrumentos. É como falarmos inglês. O inglês é a melhor língua do mundo? Provavelmente não. As calorias são uma linguagem que as pessoas começam a compreender. A razão pela qual eu as incluo é porque 400 calorias de refrigerante não é equivalente a 400 calorias desta comida. Uma vai dar cabo do teu corpo e a outra vai enriquecê-lo.
Durante muitos anos discutimos como havíamos de apresentar as calorias: por gramas, porção, em círculos? A indústria tem tentado enganar-nos porque não querem que nós dominemos a linguagem. Dou-lhe um exemplo interessante: no Reino Unido temos colheres de chá. [Pega numa] Isto é uma colher de chá.
Ainda não conheci nenhuma pessoa que não gostasse de saber que uma lata de Coca-Cola daquelas que os miúdos compram — aliás, cada lata são duas porções mas eles não sabem disso, limitam-se a bebê-la toda — tem 13,5 colheres de chá de açúcar. Claro que diz gramas, mas eles não compreendem isso, o que compreendem é colheres de chá.
[Pega num açucareiro e despeja os cubos de açúcar em cima da mesa.] Quando se fala ao público, é preciso clareza — [começa a contar] um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze. Se isto estivesse em todas as garrafas, talvez você pensasse “bem, só vou beber uma por dia e não três”. Ainda não conheci ninguém que discordasse disto. A ciência e a nutrição dizem que não é uma métrica, mas a única coisa que interessa é que seja claro.
Se usássemos isto nos refrigerantes, as vendas cairiam 15 ou 20%, nem seria preciso haver um imposto. Temos de nos lembrar disto: a indústria gosta de nos deixar confusos. Não há qualquer confusão aqui, pois não? Beberia isso? [aponta para os 13 quadrados de açúcar em cima da mesa]. Quando se dá às pessoas uma informação clara, elas fazem as boas escolhas. As pessoas não são estúpidas.

*Os jornalistas viajaram a convite da Porto Editora

O imposto que Jamie quer mas Cameron não