“But Google does not do this automatically?” (Mas o Google não faz isso automaticamente?)
Sabendo que a figura do tradutor é mantida na sombra — é mau sinal se assim não for —, é compreensível que os leitores de textos traduzidos não se apercebam do trabalho que foi levado a cabo até se chegar ao produto final que têm em mãos
No outro dia fui levar o carro à inspecção – um mundo de homens, portanto, que, ao saberem que trabalho numa empresa de informática, me perguntaram se sou programadora ou recepcionista. Sem me pronunciar sobre o machismo da questão, disse que nem uma nem outra: sou tradutora. Levei imediatamente com um “Tradutora? Mas o Google não faz isso automaticamente?”.
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No outro dia fui levar o carro à inspecção – um mundo de homens, portanto, que, ao saberem que trabalho numa empresa de informática, me perguntaram se sou programadora ou recepcionista. Sem me pronunciar sobre o machismo da questão, disse que nem uma nem outra: sou tradutora. Levei imediatamente com um “Tradutora? Mas o Google não faz isso automaticamente?”.
Não foi a primeira vez que ouvi um comentário semelhante. Contudo, foi fácil perceber que esta opinião foi realmente genuína e só pode ter sido originada por falta de informação. Existe uma coisa chamada tradução automática, é verdade, que consiste, tal como o nome indica, na transposição de uma palavra, expressão ou frase de uma língua de origem para a língua de chegada, feita integralmente por uma máquina, a partir de uma base de dados de equivalências interlinguísticas.
Se, por um lado, serve, sem dúvida, para esclarecer o significado lato de um termo estrangeiro, ou, até, para compreender breves enunciados, de maneira a que a comunicação entre falantes de duas línguas diferentes não seja perdida, por outro requer um espírito crítico activo, na medida em que é necessário ter em conta que as traduções são, normalmente, literais e palavra por palavra. Não serve, portanto, o propósito de tradução final de qualquer texto com outro fim que não o de uso próprio.
Existe outra coisa diferente, que são as ferramentas de apoio à tradução, mais conhecidas por CAT Tools. Trata-se de "softwares" cujas bases de dados textuais são elaboradas pelos utilizadores — tradutores ou bons conhecedores de ambas as línguas de trabalho — cujo intuito é o de dar sugestões de traduções com base em traduções previamente feitas, armazenadas numa base de dados em constante desenvolvimento. Os grandes benefícios destas ferramentas são a poupança do tempo de trabalho de um tradutor e o facto de contribuírem para uma maior coerência terminológica intra e intertextual, optimizando, assim, a relação qualidade-tempo-custo.
É importante salvaguardar que o tradutor tem, de qualquer das formas, um papel preponderante, pois não só é ele o utilizador destes programas, como é sua a cabeça pensante a quem cabe solucionar problemas, tomar decisões e fazer as melhores escolhas para que o texto de chegada seja o mais fiel possível ao texto de partida. Isto porque, mesmo sendo a tradução assistida por computador mais complexa e precisa do que a tradução automática, é sempre, sem excepção, imprescindível o trabalho de revisão e de pós-edição.
Sabendo que a figura do tradutor é mantida na sombra — é mau sinal se assim não for —, é compreensível que os leitores de textos traduzidos, sejam literários ou técnicos, não se apercebam do trabalho que foi levado a cabo até se chegar ao produto final que têm em mãos. Esclarecendo o senhor do centro de inspecções, sim, o Google faz isso automaticamente. Mas quando lhe respondi "alhos", perguntou-me "bugalhos".