A liberdade de expressão na Finlândia
Há razões para termos esperança?
Há momentos na vida de um autor de crónicas num jornal em que se levantam questões graves a que importa dar resposta prévia por um imperativo ético, antes de escrever despreocupadamente a sua crónica semanal. Pode escrever a crónica pela crónica ou antes deve reflectir na mesma as circunstâncias da sociedade em que vive? Deverá a crónica estar ao serviço de uma causa, só assim fazendo sentido ou poderá a crónica debruçar-se e reflectir de forma descomprometida sobre qualquer aspecto da realidade?
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Há momentos na vida de um autor de crónicas num jornal em que se levantam questões graves a que importa dar resposta prévia por um imperativo ético, antes de escrever despreocupadamente a sua crónica semanal. Pode escrever a crónica pela crónica ou antes deve reflectir na mesma as circunstâncias da sociedade em que vive? Deverá a crónica estar ao serviço de uma causa, só assim fazendo sentido ou poderá a crónica debruçar-se e reflectir de forma descomprometida sobre qualquer aspecto da realidade?
Mais: uma crónica que semanalmente se debruça sobre questões jurídicas e judiciais pode num momento grave da Nação debruçar-se sobre um decisão de um qualquer tribunal de direitos humanos no longínquo estrangeiro quando as liberdades fundamentais no nosso país correm o risco de serem espezinhadas quotidianamente? Não deverá a crónica jornalística ser uma ferramenta imediatamente útil para os cidadãos poderem combater as trevas que ameaçam abater-se sobre o país?
Neste momento em que o nosso país está sob a ameaça da instauração da ditadura do proletariado, em que as hordas do bolchevismo já não são uma ameaça no horizonte mas uma realidade facilmente constatável, em que o único partido que constituía um dique ao avanço dessas forças dissolventes e antipatrióticas já se encontra capturado pela esquerda radical, num momento em que já se pode falar de um consulado que se avizinha por oposição ao discreto governo que saiu, qual a função de uma coluna jurídica num jornal?
Na verdade, pelo que vemos, ouvimos e lemos parece não haver grandes dúvidas: vem aí a legalidade revolucionária, os códigos serão rasgados, os contratos não serão para cumprir e os fins revolucionários justificarão todos os meios. Que interessam, pois, as aventuras judiciais de um jornalista finlandês quando serão os Comités de Bairro ou de Defesa da Revolução que irão fazer a justiça no nosso País? Não deverá o cronista em vez de se debruçar sobre tais filigranas jurídicas, escrever e explicar como resistir e responder aos interrogatórios dos Comissários do Povo que irão entrar ao pontapé pelas nossas casas adentro? Parece claro – pelo que se lê na generalidade dos comentários políticos que baloiçam entre o golpe de Estado já em curso e a iminente guerra civil – que se avizinham anos de fome e desespero, anos de ostracismo e miséria. Não será melhor aconselhar os portugueses sobre a forma como devem aprovisionar as suas despensas do que falar da liberdade de expressão?
E, no entanto, há muitas razões para termos esperanças. Já vejo – Arraial, Arraial! Por Portugal! – dirigentes políticos da parte sã do país, a vestirem a armadura do Santo Condestável para combater as próximas deportações maciças para os Montes Hermínios. E quantos Mestres de Avis não se perfilam já, prontos a conduzir-nos à vitória?
Reconfortados, pois, com essa imensa falange de portugueses verdadeiros que uivam por todo o lado, podemos, assim, de consciência tranquila debruçarmo-nos sobre uma muito recente decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) sobre liberdade de expressão.
Dada a situação que vivemos, o caso que divulgamos – Pentikainen contra Finlândia – é exactamente um caso em que o TEDH reafirma os poderes do Estado, ao considerar que a condenação de um jornalista pelo crime de desobediência não constituiu uma violação da sua liberdade de expressão.
Basicamente a questão que se colocou ao TEDH foi a de decidir se estava protegida pela liberdade de expressão ou não, a actuação do jornalista fotógrafo Markus Pentikainen ao recusar-se a abandonar uma zona que a polícia, a seguir a uma manifestação, isolara e determinara a evacuação.
O jornalista queixou-se ao TEDH por ter sido detido pela polícia e visto o seu material fotográfico apreendido e por, posteriormente, ter sido condenado pelo crime de desobediência embora não lhe tivesse sido aplicada nenhuma pena ou multa.
A Finlândia defendeu que a actuação das autoridades se justificava plenamente: o jornalista não tinha sido impedido de cobrir a manifestação e só fora julgado e condenado, conjuntamente com mais 85 pessoas, por se ter recusado a abandonar um local que a polícia, com o intuito de manter a ordem, mandara evacuar.
O TEDH considerou que a Finlândia, da forma como actuara, não violara a liberdade de expressão uma vez que tinham sido ponderados todos os interesses em causa, o material fotográfico tinha sido imediatamente devolvido, a condenação não implicara nenhuma pena nem multa e o jornalista não podia considerar-se isento de obedecer a uma ordem que fora dada legitimamente pela polícia a todas as pessoas que se encontravam no local a evacuar.
Como sempre nas suas decisões, o TEDH foi moderado, só passando por radical neste nosso país em que qualquer statu quo passa por direito adquirido e por ser uma verdade eterna.