Aires Mateus: “O vazio é o centro da arquitectura”
A nova sede da EDP em Lisboa, que será oficialmente inaugurada para o ano, desenha-se a partir da sombra. Fizemos uma visita com o arquitecto Manuel Aires Mateus, num ano em que a sua obra no estrangeiro se consolida.
Estamos no Boqueirão dos Ferreiros, na Rua D. Luís I, a olhar para nova sede da EDP. Na zona ribeirinha, a toponímia de Lisboa ainda guarda a memória destes antigos canais de água que entravam por Lisboa dentro. Com a sua geometria precisa, é como se os boqueirões se tivessem levantado e transformado em lâminas para construir as torres do novo edifício da EDP. Há esse gesto fundador, explica o arquitecto Manuel Aires Mateus, que saiu da relação da morfologia da cidade com o rio.
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Estamos no Boqueirão dos Ferreiros, na Rua D. Luís I, a olhar para nova sede da EDP. Na zona ribeirinha, a toponímia de Lisboa ainda guarda a memória destes antigos canais de água que entravam por Lisboa dentro. Com a sua geometria precisa, é como se os boqueirões se tivessem levantado e transformado em lâminas para construir as torres do novo edifício da EDP. Há esse gesto fundador, explica o arquitecto Manuel Aires Mateus, que saiu da relação da morfologia da cidade com o rio.
Mas a procura de transparência continuou como uma das ideias principais deste projecto que começou a ser desenhado em 2008. Depois, é como se uma só linha ganhasse vida e conseguisse, de uma forma obsessiva, desenhar todo o edifício. Subisse até ao cimo para proteger a cobertura, descesse para sombrear a praça, voltasse a subir, mais fina ou mais grossa.
Algumas semanas depois da visita à sede, encontramo-nos no atelier de Manuel Aires Mateus, em Campo de Ourique, numa semana cheia de entrevistas por causa do concurso internacional que acabou de ganhar como o seu irmão Francisco para a construção de dois museus em Lausanne, na Suíça, onde competiram com vinte equipas, entre os quais três prémios Pritzker.
É mais uma etapa na afirmação e internacionalização do atelier Aires Mateus, que ora trabalham juntos, ora trabalham separados, mas na maior parte dos trabalhos grandes optam por uma assinatura conjunta. “Nós representamos na arquitectura aquilo que é arquitectónico, não representamos coisas que são literárias, ou imagéticas”, responde quando lhe perguntamos pelo sorriso que a imprensa suíça viu, literalmente, no seu projecto. Já usarem a imagem de uma casa para indicar o lugar da entrada num edifício, como fizeram na Faculdade de Arquitectura de Tournai, na Bélgica, outro concurso que ganharam nos últimos anos, é possível. “Estamos a usar o preconceito que cada um de nós tem, entendido como a cultura de cada um de nós, ao serviço da ampliação da própria ideia.” Pode ser também uma loggia, coisa mais erudita, como fizeram na sede da EDP. Mas quando “falamos de arquitectura falamos de vida, não estamos a falar de imagem”. O espaço, o vazio, é o centro da arquitectura, e o vazio é também aquilo que espera pela vida.
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O edifício da EDP, que é uma obra importante na cidade, surge com uma aparência muito diferente conforme o sítio de onde o vemos. Um pouco imaterial, quase difuso, visto da Ponte 25 de Abril; mais monumental, representativo, quando passamos de carro na avenida 24 de Julho; numa escala mais doméstica, com a vivência da praça, na rua D. Luís; ou ainda como duas simples torres na vista do miradouro de Santa Catarina. O que é que foi mais determinante?
O edifício pode ler-se a várias escalas, mas procura sempre ser claro na relação com a cidade. Queríamos desenhar uma forma clara, mas sempre imaginámos que o edifício devia variar no movimento. À medida que circulamos vamos vendo vários edifícios. [O edifício] move-se connosco. Começa numa localização material mas apoia-se também numa materialidade histórica. Não é uma materialidade só deste lugar ou só deste tempo. Ela parte da implantação dos boqueirões, perpendiculares ao rio, apoia-se nesta ideia, muito táctil, de transparência na relação da cidade com o rio. Do rio vinha sempre tudo, vinha o sustento, vinha o perigo, vinham os barcos.
Essa transparência vê-se muito claramente no Bairro Alto, é muito óbvia na Lisboa pombalina. De alguma maneira vem atravessando a cidade e chega à nossa legislação, ao ponto de em Lisboa haver legislação contra edifícios paralelos ao rio, que cubram a frente de rio. Portanto, há uma ideia cultural na cidade de ligação entre território e a sua origem. O rio é a origem da cidade, e essa ligação é sempre muito importante.
O mais determinante foi essa experiência a partir do rio?
O edifício desenha-se na relação da morfologia da cidade com o rio. Isso é o primeiro gesto fundador.
Quando se constrói um edifício desta escala numa frente de rio, se ele fosse desenhado de uma outra forma teria um impacto negativo para a cidade. Ele parte exactamente de uma necessidade de subtileza na relação entre a cidade e o rio. A cidade não pode perder camadas de leitura, quer na escala do rio para a cidade, quer na da cidade para o rio.
Quando olha para a margem do rio, e não estamos a falar do edifício da EDP, vê essa generosidade a pensar a cidade. Ou colocando a pergunta de outra maneira: tem havido oportunidades para pensar a cidade na sua relação com o rio?
Não houve muitas e reagimos negativamente às que foram feitas. Aqueles edifícios do Ministério da Educação, que são aquela grande frente na Avenida 24 de Julho, constituem exactamente uma espécie de apagar de uma relação muito delicada que a cidade sempre teve com o rio. O problema em relação a outras épocas históricas, em que íamos construindo e somando níveis de leitura, é que hoje construimos a uma escala brutal. Por isso, qualquer intervenção pode fazer perigar essas relações mais delicadas. Felizmente, ainda não houve muitas intervenções de grande escala na borda de água.
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CITACAO_CENTRAL
O que estamos a fazer é um grande edifício mas não é uma catedral, não tem esse sentido. É um edifício que continua a cidade, que se abre numa praça para uso do peão. O edifício em várias escalas procura uma espécie de ligeireza. Procura a grande transparência à escala cidade-rio; levanta-se do chão naqueles dois lados da praça. Com um ponto de partida funcional procura ligeireza na sua materialidade.
Qual é o significado de um edifício como a sede da EDP? Não é uma catedral mas tem uma relevância simbólica, qual é o seu significado?
Desde o princípio que sabemos que estamos a fazer um edifício que tem uma natural necessidade de representação na cidade. Assumimos que o edifício tinha que aprisionar a cidade de alguma maneira. O edifício é de uma grande transparência mas também sabemos que gera um campo de forças numa escala maior — o enorme volume de ar que contém dentro. É evidente que oferece à cidade a primeira praça sombreada, ao mesmo tempo que passa a ser parte da cidade. Há uma troca aqui, entre ideia de representação e ideia de generosidade.
Uma das coisas de que gosto no edifício é que nunca se falou na necessidade de descrever a sua função. O edifício descreve-se a si próprio como lugar da cidade. Parece dizer “apesar da minha importância sou parte da cidade e não uma excepção”.
O que é que vos foi pedido que o edifício veiculasse em termos de mensagem ambiental e como é que trabalharam isso, sendo a EDP uma empresa do sector da energia?
A EDP queria um edifício que tivesse todas as performances energéticas, todos os certificados. Há um lado didáctico e simbólico muito interessante em relação à energia e que nos foi pedido desde o princípio. É um edifício que naturalmente investiu nessa performance.
Isso é invisível, basicamente. Além disso, houve alguma necessidade quer do cliente quer vossa de figurarem (ou não) essa ligação?
Quando abriu este concurso não havia muitas regras. Porquê? Como era uma zona sujeita a um plano de pormenor, podíamos desenhar as próprias regras e inserir o projecto a partir daí. A EDP falava obviamente em empresa, em representação, mas também falava em transparência como uma ideia de actuação e de eficácia.
Percebemos duas coisas desde o princípio e que têm a ver com a necessidade de transparência entre a encosta e o rio, os grandes espaços teriam sempre que estar enterrados. Os grande foyers, os auditórios, as grandes salas de reunião estavam da cota térrea para baixo.
Depois, também é evidente que estamos a desenhar um edifício de escritórios, que tem que poder mudar e variar programaticamente de uma forma muito clara. Isto obriga-nos a desenhar um sistema e não um edifício que tem um programa finito. Um sistema para ter toda a sua flexibilidade obriga a ter muito vidro — a modelação de um escritório é uma janela de 1,2 metros em 1,2 metros.
Mas, em Portugal, essa transparência significa a necessidade de um sistema de protecção do vidro. O desenho do edifício é o desenho da sombra do edifício. Nós fazemos aquelas palas, que, no fundo, são estrutura, são infra-estrutura, são protecção e são, no fim, o desenho, a imagem do edifício. Desenhamo-las partindo de um grau de necessidade de sombra: o duplo pé direito tem uma pala maior; quando há um terraço atrás há uma pala menor; ou em baixo as palas são um pouco mais pequenas, porque as zonas estão permanentemente em sombra. Depois o resto compõe-se como um desenho.
O edifício é uma estrutura em aço e vidro revestido com os elementos em betão que trabalham a sombra. Porque é que os sombreadores se tornaram uma ideia tão importante de projecto? Mesmo quando se abrem os terraços, as loggias, os sombreadores continuam presentes. É quase uma ideia de perturbar o sistema com as variações sucessivas que o elemento sombra apresenta. Concorda com isso?
É curioso porque é uma regra de tal maneira rígida que dizemos que uma só linha sobe, protege a cobertura, desce, sombreia a praça, volta a subir... Este elemento acaba por fazer tudo e depois confronta-se com as suas próprias limitações. Por exemplo, como é que se entra? Isso acaba por ir gerando as variações e os pontos de interesse, de excepção. Começamos com uma coisa quase funcional mas é evidente que de funcional transforma-se numa ideia poética em relação à imagem do edifício.
Na EDP, é especialmente original que nos espaços interiores os mesmos temas estejam presentes. Esta ideia que fala com a cidade também fala com quem está a trabalhar.
Isso é muito claro para nós. Quando falamos de arquitectura falamos de vida, não estamos a falar de imagem. E a vida para nós tem a ver com essa ideia de uma grande transparência, que significa uma identidade para a vivência do próprio edifício. Não há uma imagem que nós habitamos.
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Os últimos anos têm sido pródigos na ideia imagética, porque a arquitectura se desloca da sua base fundamental e se agarra a outra relação do tempo com a cidade. São estratégias que vêm de uma relação com mundos distantes do nosso, quer historicamente do americano, quer mais recentemente dos mundos asiáticos. Obviamente, a ideia é não ter uma base e criar identidades muito fortes para com elas ir estabelecendo uma nova identidade para os lugares. Na cidade europeia, os arquitectos terão que ter o cuidado de preservar a nossa herança. Não podemos entrar na competição da imagem e temos que compreender que nexos de continuidade podemos estabelecer. Nós não estamos a criar novo, isto é uma coisa muito importante.
As pessoas já mudaram para o edifício, como é que elas descrevem essa vivência?
A vivência no edifício foi exactamente aquilo que gostaríamos. Por exemplo, o uso intensivo dos terraços e das zonas informais. Vinha de reflexões que tínhamos feito para outros projectos. Apesar de sermos muitos a trabalhar, interessa-nos a ideia de cada pessoa ser uma.
Todas as pessoas têm acesso aos terraços?
Todas as pessoas têm acesso aos terraços. É evidente que há ali uns terraços mais representativos, os da presidência. Mas o espírito do terraço é exactamente a zona de valorização do próprio colaborador da EDP. Hoje em dia toda a gente trabalha com computadores portáteis, por isso podem agarrar no seu e ir trabalhar para o terraço.
O impacto sobre a vista do miradouro de Santa Catarina tem sido o aspecto mais polémico? Imaginamos que isso tenha sido uma preocupação, como é que trabalharam a questão?
Desde o princípio foi uma das representações obrigatórias da cidade: o que se vê do miradouro de Santa Catarina. Se olharmos hoje para o miradouro, o maior impacto é dado por um velho edifício da EDP, que vai ser demolido de acordo com o plano e que bloqueia a vista entre as duas torres. Não são tanto as torres, que têm um impacto bastante arrumado.
Vai mesmo ser demolido?
Vai. O resultado no miradouro de Santa Catarina está entre o desejo e a verdadeira transparência.
Visto de Santa Catarina há um efeito inesperado, que é a visível falta de qualidade dos edifícios de escritórios que estão à volta. O que é a qualidade na arquitectura da cidade? Cada vez que se constrói um edifício novo parecem existir polémicas.
E bem. Não acho que as polémicas em torno da arquitectura sejam erradas. Tenderemos sempre a uma cada vez maior participação da população na arquitectura da cidade. É evidente que não podemos cair nos exageros da utilização dessa discussão em prol de posições que não têm a ver com o caso, nomeadamente políticas. A cidade tem que ter este corpo de crítica.
A cidade tem assistido à sobreposição de elementos não muito qualificados. Substitui-os sempre por elementos piores. Por isso a reacção do “é novo, vai piorar” acho que é natural. É que a arquitectura tem um problema como actividade, espelha exactamente aquilo que é. Quando a cidade se apresenta sem qualidade, sem ambição, o resultado acaba por ser muito evidente. Penso que isso parte muitas vezes da falta de qualidade da própria ideia de promoção, quer pública, quer privada.
Por que é que em Lisboa não temos a tradição da afirmação da qualidade da arquitectura através das sedes das empresas, pegando nessa ideia de falta de ambição? A EDP pode ser um exemplo?
Penso que sim. Estamos num momento em que culturalmente começamos a perceber este facto. As grandes empresas estão hoje a fazer a sua representação física de uma forma muito clara. Em Portugal, se calhar é aquilo que estávamos a falar há pouco, é a incompreensão sobre o papel da arquitectura. A arquitectura também tem que responder a esse papel, à necessidade de representação de todos os sectores da sociedade.
Está garantido que a praça vai ser um lugar público?
Sim, é claramente para ganhar uma dimensão pública. Aliás, abrirá lá um restaurante, há uma loja EDP, um pequeno comércio de apoio.
Tal como no projecto da Mesquita de Bordéus, esta praça também se constrói com parte do edifício que se levanta do chão. O que é que esteve na base da configuração das entradas da praça?
A marcação vertical entre os apoios é 1,20 metros. Decidimos desde o princípio que não entraríamos no edifício à escala do edifício mas da cidade, do desenho.
É quase uma coisa orgânica que se levanta.
Sim, levantamos de um lado, e na diagonal, levantamos do outro. Essas elevações ligam o piso térreo ao piso 1 de um lado e doutro. Mais do que tudo é para deixar entrar a cidade através da escala da praça. Uma coisa que temos em muitos projectos é facilitar a maneira como uma pessoa entra psicologicamente num edifício. Ali continuamos o espaço público mas uma vez debaixo da praça está-se no domínio da EDP. Torna-se fluído entrar na EDP. É essa ideia de gradação, a pessoa não tem propriamente uma porta, não há um fora e um dentro.
Isso parece ser um novo filão do vosso trabalho, a ideia de trabalhar entre espessuras. Em trabalhos mais antigos a ideia da espessura aparecia como uma homenagem à parede, à profundidade. Agora em trabalhos como a mesquita ou os museus em Lausanne, há uma ideia de espaço entre espessuras. É exactamente o que estava a descrever, nem dentro nem fora. Essa é uma ideia que alimenta o vosso trabalho neste momento?
Interessa-nos muito, e isso é uma coisa que debatemos há muito tempo, esta maneira como os edifícios podem ir procurar a cidade e de que forma a cidade se prolonga nos próprios edifícios. A primeira vez que tivemos uma discussão muito clara sobre isto foi no projecto para o centro de artes de Sines. Na EDP há uma ideia de representação mas também há uma ideia muito clara de chamar as pessoas para dentro do edifício.
Mas voltando atrás ainda é a espessura ou substituiria por outro termo ou conceito?
Quando falávamos de espessura falávamos sempre da ideia de espaço como central. Porquê? Dizíamos que um espaço é definido pelo seu limite. Nós desenhamos o limite não para o desenhar como espessura, como estética, mas para desenhar a centralidade que é o espaço. Nós hoje fazemos o mesmo, nestes dois casos, de Bordéus e de Lausanne, é muito evidente que há ali um similitude, não geométrica porque são muito diferentes, mas do ponto de partida, da tensão entre dois elementos para gerar o espaço central.
Mas estamos se calhar a desenhar o mesmo, a criar limites que nos permitem colocar o espaço no centro do problema. Daí também essa ideia da monomaterialidade do espaço, um pouco para que estes sejam claramente definidos. O vazio ou o espaço é o centro da arquitectura, mas o vazio é também aquilo que espera pela vida.
Numa entrevista recente à RTP disse que a imprensa suíça tinha visto um sorriso nessa fenda. Qual é a vossa relação com a figuração?
São coisas muito diferentes. Na RTP disse que a imprensa suíça viu um sorriso, nunca me ocorreria ver um sorriso.
Mas citou-o...
Não criamos esse tipo de imagens que não são arquitectónicas, mas elas existem, resultam, podem ser vistas. E naturalmente a imprensa também tem o seu papel, de mediação com o público. Para nós é muito importante que um resultado como esse possa facilitar essa mediação. Foi muito simpático a primeira página de um jornal em Lausanne dizer: “um sorriso para Lausanne”.
Na faculdade de arquitectura em Tournai, na Bélgica, o que estamos a usar são linguagens que apelam a vocabulários comuns. Estamos a usar o preconceito que cada um de nós tem, entendido como a cultura de cada um, ao serviço da ampliação da própria ideia.
O Ferran Adrià falou muito bem disto: dizia que cozinhava com o sabor que as pessoas iam sentir na boca mas também sabendo o parti pris que tinham quando olhavam para cada uma das coisas. Esse parti pris e o sabor real é que ampliavam as possibilidades de sabor. Nós muitas vezes usamos coisas que são arquetipais, que pertencem a um vocabulário de alguma maneira muito comum, ou coisas populares, como a casa, a porta, mas também coisas eruditas, como o frontão, a loggia, que podem ser revistas ampliando a percepção de pertença e de beleza daquilo que se está a ver. Ali o que é evidente que está representado é a casa.
Nós representamos na arquitectura aquilo que é arquitectónico, não representamos coisas que são literárias, ou imagéticas.
Voltando a Lausanne acha que podemos sintetizar o edifício como dois museus que se empilham um em cima do outro?
A sobreposição é um resultado e não um ponto de partida do projecto. Partimos de um sítio real, de um sítio ideal, que é a sua pré-figuração no futuro, mas não quisemos reduzir aquilo a 1+1 museu e decidimos que o centro do projecto era a tensão entre os dois museus. Depois, claramente um deles necessitava de luz natural, o de design, e um não podia ter luz natural. Essas condições acabaram por os empilhar.
Está a arriscar mais agora no seu trabalho com o programa dos museus de Lausanne?
A manipulação do programa é aquilo em que o projecto é mais forte. Temos cada vez mais claro que trabalhamos na pergunta. Há perguntas em que o cerne é o lugar, outras o programa, outras ainda uma combinação de tudo. Também decidimos desde o princípio que faríamos um programa muito encaixado na terra. O primeiro edifício que é construído tem uma grande interferência com os habitantes e o nosso devia ter uma muito pequena. Mas na verdade é depois o programa que é central.
Começamos por fazer projectos grandes e complexos, apanhámos aquele boom da Europa. Depois com a crise, que foi muito útil para nós, voltámos a fazer só casas, que têm uma coisa maravilhosa: um programa muito forte, que todos conhecemos muito bem, mas muito manipulável. Essa liberdade de manipular os programas com uma grande calma foi em certa medida uma coisa que aprendemos nas casas e passámos a querer estender a outros projectos. De facto, estamos muito interessados em compreender um programa com uma visão mais larga, mais distante.
Qual é a expectativa em relação à qualidade construtiva suíça?
É muito alta. Conhecemos bem a ambição, é muito exigente, e lá há muitos meios.
Qual é o valor por metro quadrado e qual é a diferença em trabalhar assim?
Mais de seis mil euros por metro quadrado. Em Portugal estamos habituados a trabalhar com mil. A EDP talvez seja 1500. Mas na Suíça são preços realistas, tal como o prazo. O Rem Koolhaas falava nisso, quando lhe deram a Casa da Música e a Biblioteca de Seattle. Deram-lhe um orçamento realista mas apertado em Seattle, que teve que cumprir, deram-lhe um completamente irrealista na Casa da Música e fez o que quis.
Como é que vivem neste momento os ateliers portugueses, como é que vive o seu atelier? Há uma retoma da construção?
Se estamos a falar de qualidade estão muito bem, se estamos a falar de trabalho continuam com dificuldades. O trabalho perdeu muito valor, dada a crise, e essa realidade tem que ser invertida.
Mas no caso do atelier Aires Mateus podemos falar de um contraciclo?
Quando começou a crise amarrámo-nos todos uns aos outros no atelier. Fomos todos para o quadro, porque é uma loucura as pessoas trabalharem na incerteza. Era melhor explodirmos todos juntos, que era o que pensávamos que ia acontecer. Nunca me lamentei. Nestes últimos tempos, independentemente das encomendas internacionais, começou a haver para nós algum trabalho. Não é um trabalho que se divide por todos, que tenha um valor democrático, essa concentração do trabalho é outro tipo de sinal de crise.
Mas há uma retoma?
Não havia uma grua na cidade e agora há muitas. Retoma há, mas é complicado dizer que é verdadeira para os arquitectos. É crucial que a sociedade a vários níveis perceba o valor do trabalho e a necessidade de oferecer condições para que esse trabalho seja bem desenvolvido. As pessoas continuam muito aflitas. Não há nenhuma vantagem em se estar bem no meio de uma classe que está mal. A nossa condição como arquitectos não se altera connosco sozinhos, tem que se alterar colectivamente.