A luz será para todos
John C. Mather, o cientista que lidera o projecto internacional do telescópio espacial James Webb, o anunciado successor do Hubble, está esta quarta-feira no Porto para falar de luz e felicidade.
A segunda edição do Fórum do Futuro abre esta noite no Porto com uma conferência do astrofísico John C. Mather, da NASA, o cientista que lidera a vasta equipa internacional que está a trabalhar para colocar em órbita, a uma distância de 1,5 milhões de quilómetros da Terra, o telescópio especial James Webb, que nos deverá mostrar a formação das primeiras estrelas e galáxias.
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A segunda edição do Fórum do Futuro abre esta noite no Porto com uma conferência do astrofísico John C. Mather, da NASA, o cientista que lidera a vasta equipa internacional que está a trabalhar para colocar em órbita, a uma distância de 1,5 milhões de quilómetros da Terra, o telescópio especial James Webb, que nos deverá mostrar a formação das primeiras estrelas e galáxias.
Inaugurar um colóquio internacional que se propõe discutir o tema da felicidade com uma conferência de um prémio Nobel da Física é uma dessas provocações interdisciplinares em que facilmente se adivinha o dedo do vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, que este ano concentrou o programa do Fórum do Futuro em apenas cinco dias, mas aumentou para 20 o número de sessões, nas quais participarão 60 convidados.
“Queremos que se vá organizando numa lógica de festival, um Paredes de Coura do pensamento”, diz Cunha e Silva, admitindo que a escolha de Mather para a sessão de abertura - marcada para as 21h30 no Teatro Municipal Rivoli - “é reveladora da estratégia” de um fórum que procura alargar o ângulo de observação do futuro promovendo cruzamentos inesperados entre físicos, químicos, cientistas sociais, filósofos e criadores de vários domínios artísticos. A edição inaugural, em 2014, abriu com o encenador Bob Wilson, esta começa com um cientista e fechará, no dia 8, com um grande nome do design, Stefan Sagmeister, autor de capas icónicas de discos de Lou Reed ou dos Rolling Stones.
Uma diversidade que este ano fica ainda bem sublinhada pelas presenças simultâneas da artista e escritora Sasha Grey, uma ex-actriz de filmes pornográficos, que irá conversar ao vivo com Julião Sarmento, e do padre Anselmo Borges, que discutirá com Alexandre Quintanilha e Paulo Rangel os papéis da religião, da ciência e da política na busca da felicidade.
Na sessão desta noite, John C. Mather será acompanhado pelos físicos portugueses Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, e Orfeu Bertolami, da Universidade do Porto. Considerando “emblemático” que o fórum abra com um físico, Carlos Fiolhais vê nesta escolha “a sugestão de que a nossa felicidade não é apenas terrena, que não nos basta o conforto material para sermos felizes, que esse conforto também passa por percebermos de onde vimos e quem somos”.
E se há cientista que tem contribuído para esse objectivo é o norte-americano John C. Mather, que recebeu o Nobel da Física em 2006, juntamente com George Smoot, pelo seu trabalho com o satélite COBE (Cosmic Background Explorer Satellite), que investigou a radiação cósmica de fundo no espaço. Apesar do prestígio da NASA no imaginário popular, Mather “foi o primeiro cientista da NASA a ganhar o Nobel”, observa Carlos Fiolhais.
Já se sabia que esta radiação de micro-ondas, experimentalmente demonstrada em 1965, há 50 anos, por Arno Penzias e Robert Woodrow Wilson (que viriam a dividir o Nobel da Física em 1978), está por todo o Universo, mas o mérito de Mather, explica Fiolhais, foi ter desenvolvido instrumentos detectores de grande precisão para recolher essa radiação e ter convencido a NASA a aceitar o projecto de construir um satélite para os colocar no espaço, acima das perturbações da atmosfera.
A radiação cósmica de fundo, que é uma das mais sólidas confirmações da teoria do Big Bang, “surgiu quando o Universo tinha 300 mil anos, o que são trocos, quase nada, se pensarmos que a idade do Universo é de 14 mil milhões de anos”, diz Carlos Fiolhais. Assim, o que o COBE idealizado por Mather nos revelou é “o Universo mais antigo alguma vez visto, e provavelmente o mais antigo que pode ser visto”. É que estas micro-ondas, explica, são “a radiação que se espalhou” quando um Universo de “partículas vadias e electrões”, ainda sem estrelas nem galáxias, arrefeceu e se criaram condições favoráveis para os electrões se juntarem aos núcleos atómicos, formando os primeiros átomos. Antes da criação dos átomos, “o Universo estava cheio de luz, mas era opaco, porque a luz não podia passar” explica o físico. “Mas como os átomos só absorviam alguma dessa luz, a maior parte já não encontrava obstáculos, e foi essa luz que chegou até nós”.
Mather “criou uma cosmologia de precisão”, diz Fiolhais, sublinhando a importância da sua descoberta de que a radiação cósmica de fundo não é uniforme, o que implica que havia sítios no Universo onde se criaram mais átomos, onde havia mais matéria e se formaram mais estrelas e galáxias. “Isto é muito importante para podermos perceber o que aconteceu antes, quando o Universo era opaco”, conclui.
Mas até nem será tanto do COBE que Mather virá falar ao Porto, neste final do Ano Internacional da Luz. “Ao contrário de muitos prémios Nobel, que arrumam as botas, Mather [hoje com 69 anos] continuou a trabalhar”, nota Fiolhais, desenvolvendo novos detectores que irão integrar o telescópio espacial James Webb, que deverá ser colocado no espaço a 1,5 milhões de quilómetros da Terra, num ponto em que as atracções gravitacionais da Terra e do Sol se equilibram.
O que se pretende com este sucessor do Hubble, resume o físico português, é ver a formação das primeiras estrelas e galáxias e verificar se há condições de vida longe da Terra, ou mesmo fora da nossa Via Láctea. O lançamento do James Webb, um projecto internacional que envolve a Agência Espacial Europeia - “há componentes que estão a ser construídos em Portugal”, adianta Fiolhais - está previsto para 2018, mas a escalada dos custos pode atrasar o calendário. “Já vai em nove mil milhões de dólares, dez vezes mais do que se previa no início”, diz, observando que “não é só cá que temos derrapagens”.
Para o físico, “procurar a luz mais antiga é uma forma de nos alumiarmos, de ficarmos menos às escuras no Universo”, e o lançamento do telescópio James Webb responde a esse desejo que Goethe exprimiu nas suas últimas palavras: “Mais luz!” E Carlos Fiolhais conclui: “Esperamos ver os primeiros sóis que se formaram, e quando os virmos, essa luz será para todos.”