Depois das boas-vindas, refugiados enfrentam hostilidade crescente na Suécia

A crescente popularidade dos Democratas Suecos, de extrema-direita, é mais um capítulo da reacção negativa que se tem feito sentir um pouco por toda a Europa em relação à crise migratória.

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Os refugiados jantaram à luz das velas e depois deixaram que os seus corpos gelados e cansados se moldassem aos sofás de veludo, enquanto partilhavam azeitonas, tâmaras e pãezinhos de canela.

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Os refugiados jantaram à luz das velas e depois deixaram que os seus corpos gelados e cansados se moldassem aos sofás de veludo, enquanto partilhavam azeitonas, tâmaras e pãezinhos de canela.

Omar Hassan passou os olhos pelo ambiente acolhedor – o resultado de horas de esforço de voluntários, para que os recém-chegados se sintam em casa na sua primeira noite na Suécia – e sentiu que estava em casa.

“As pessoas na Suécia são muito boas”, disse Hassan, de 34 anos, acabado de chegar de uma viagem de 6500 quilómetros desde o seu Iraque. “Quero fazer a minha vida aqui.”

Mas, por trás da recepção calorosa, começa a fermentar uma reacção muito diferente em relação aos refugiados na Suécia. Neste país escandinavo famoso pelas suas políticas progressistas e pelo seu sentido de cidadania infalivelmente cortês, um partido com raízes nas franjas neofascistas passou para o topo das mais recentes sondagens, com uma mensagem desafiadora e hostil em relação aos refugiados: os que estão a caminho da Suécia não devem entrar, e muitos do que já estão no país devem voltar para casa.

A crescente popularidade dos Democratas Suecos, de extrema-direita, é mais um capítulo da reacção negativa que se tem feito sentir um pouco por toda a Europa, à medida que o continente se debate com uma crise de refugiados que bateu todos os registos mais recentes e que não dá mostras de abrandar. O impacto pode ser visto em país atrás de país, com os partidos de extrema-direita a acusarem as autoridades de serem permissivas em relação à entrada dos que fogem de guerras e perseguições para tentarem encontrar uma vida na Europa.

A fúria contra o influxo de refugiados está a alimentar cada vez mais os actos de violência, como aconteceu no no final de Outubro com um ataque racista a uma escola que deixou um professor e um aluno mortos e com o fogo posto a duas escolas que estavam a ser transformadas em abrigos. Na cidade alemã de Colónia, uma das candidatas à presidência da câmara e aliada da chanceler Angela Merkel foi esfaqueada no pescoço por um homem a quem as autoridades atribuíram “motivos anti-estrangeiros”.

Entretanto, a reacção negativa está já a reflectir-se nas sondagens. Na Áustria, o Partido da Liberdade alcançou a sua maior vitória em eleições autárquicas este mês, enquanto na Suíça, no domingo, o ultraconservador Partido do Povo Suíço venceu com clareza com uma campanha contra o “caos dos asilos”. Na Polónia, um partido nacionalista cujo líder tem alertado que os refugiados vão trazer “parasitas” e “cólera” para a Europa deverá ganhar aos centristas, no poder, nas eleições do próximo domingo. Os índices de aprovação de Angela Merkel têm caído à medida que a Alemanha abre as portas a números históricos de refugiados. O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, só tem saído reforçado com a sua política de fechar a fronteira com vedações de arame farpado.

“Em termos de popularidade, os verdadeiros vencedores desta crise são quase exclusivamente os da extrema-direita”, concluiu a consultora Eurasia numa investigação publicada recentemente. 

Mas o fenómeno é talvez mais espantoso na Suécia. O país tem recebido mais refugiados per capita do que qualquer outro na Europa nos últimos anos, e a elogiada resposta humanitária sempre foi motivo de orgulho para todos os partidos. Mas agora os Democratas Suecos estilhaçaram esse consenso – e estão a colher os frutos políticos. “Temos de fazer passar a mensagem de que as pessoas que pretendem entrar aqui não são bem-vindas”, disse Markus Wiechel, de 27 anos, responsável pela pasta da Imigração na bancada parlamentar do partido.

Como o próprio Wiechel admite, esta declaração tê-lo-ia tornado num pária social há apenas alguns anos. Mas hoje os Democratas Suecos são tratados como “salvadores”, devido às suas advertências de que os refugiados vão destruir as finanças do país e envenenar a cultura sueca com pobreza, crime e uma religião estrangeira. “Tudo mudou”, disse Wiechel, com o cabelo puxado para trás e olhos a arder de intensidade. “Somos mais aceites do que nunca.”

As sondagens confirmam-no: estudos publicados no final deste Verão mostram que o partido está a emergir para se tornar no mais popular da Suécia. Números mais recentes colocam os Democratas Suecos um pouco mais abaixo, mas ainda assim muito acima dos 13% que conquistou nas eleições legislativas do ano passado.

O crescimento do partido tem posto pressão sobre o governo de centro-esquerda para a aprovação de medidas mais duras em relação aos refugiados. Numa entrevista, o ministro da Justiça e das Migrações, Morgan Johansson, insistiu que o governo não irá sucumbir às exigências da extrema-direita, defendendo a política do país de portas abertas tanto como uma necessidade humanitária como um benefício para o país, que precisa de trabalhadores qualificados. “Não vemos os refugiados apenas como um peso. Estas pessoas são mais-valias para a Suécia”, disse o ministro.

Nos limites
Ainda assim, também admitiu que o país está a chegar ao limite do que pode fazer, e poderá ver-se forçado a apertar as suas políticas perante o influxo deste ano, que deverá levar para a Suécia mais de 150.000 migrantes à procura do estatuto de refugiados, num país com menos de dez milhões de habitantes. O total é quase o dobro do registado no ano passado, e ultrapassa em larga margem o anterior recorde de 84.000 pedidos de asilo, que foi registado em 1992 durante as guerras nos Balcãs.

O ritmo das novas chegadas tem acelerado dramaticamente no último mês, chegando a dez mil por semana, e forçando o governo a adoptar medidas desesperadas para cumprir as suas promessas de conceder habitação aos refugiados desde o primeiro dia em que pedem protecção.

Uma família a quem teria sido entregue um apartamento em Estocolmo se tivesse chegado ao país no ano passado, é hoje enviada de autocarro para uma localidade remota a Norte do Círculo Árctico, ou alojada numa cadeia transformada em habitação.

À medida que até estas medidas começam a revelar-se difíceis de executar, o primeiro-ministro autorizou recentemente a agência de migração do país a alojar requerentes de asilo em cidades de tendas, num momento em que a temperatura na Escandinávia começa a descer vertiginosamente.

“Quando recebíamos 3500 pessoas por semana, os nossos planos já estavam a ficar curtos”, disse Mikael Ribbenvik, director de operações no Conselho das Migrações sueco, o órgão do governo responsável por tratar os pedidos de asilo. “Mas agora estamos muito para além disso.”

Ribbenvik, um responsável que aparece frequentemente na televisão sueca para explicar a política de asilo, disse que já sentiu pessoalmente a reacção negativa do país em relação aos refugiados. Chega-lhe na forma de ameaças de morte, escritas ao estilo das antigas notas de pedidos de resgate, com cada palavra recortada de um jornal.

“A sociedade está a mudar. Está a mudar num sentido profundo, e algumas pessoas têm problemas em lidar com isso”, disse Mikael Ribbenvik.

Os Democratas Suecos têm beneficiado dessas apreensões – e têm-se também alimentado delas. O partido tem tentado distanciar-se das suas raízes nas teses da supremacia branca, que remontam à década de 1980. Em vez disso, tem salientado o peso dos refugiados sobre o generoso sistema de Segurança Social, e pede ao governo que aumente a ajuda externa em vez de aceitar mais pedidos de asilo.

Mas o partido continua a lutar contra alegações de racismo e preconceito contra o islão. Recentemente cortou relações com a sua juventude partidária devido às aproximações do grupo ao neofascismo. Um dos responsáveis da mais recente, e comparativamente mais moderada ala jovem do partido, Dennis Dioukarev, de 22 anos, disse numa entrevista que as mesquitas devem ser banidas na Suécia, e que o islão é incompatível com a cultura sueca.

“A liberdade de religião não significa que se pode construir mesquitas e manter uma forma agressiva do islão, onde se reza aos gritos”, disse Dioukarev, que é o membro mais jovem do Parlamento sueco. “Quando as pessoas dizem que uma cultura pode viver lado a lado com outra, isso é mentira.”

Entretanto, na mesquita...
Mas a menos de um quilómetro do gabinete de Dioukarev no Parlamento, estava em curso uma acção que desafiava o seu ponto de vista. Na Mesquita Central de Estocolmo e na adjacente Igreja Katarina, voluntários estavam ocupados a prepararem as boas-vindas ao mais recente grupo de refugiados.

Há várias semanas que líderes de mesquitas e igrejas vêm coordenando esforços para proporcionar aos recém-chegados um sítio para comer, para tomar banho e para dormir. Na mesquita, passam a noite no tapete verde da sala de orações. O coro da igreja disponibilizou a sua sala de ensaios, que está recheada com dezenas de colchões. Tanto a igreja como a mesquita têm sido inundadas com doações e voluntários.

Antes de se terem aliado, o vicário Olle Carlsson tinha sido avisado de que a mesquita era “um local de terroristas”. “Mas isto tem-nos ajudado a olharmos uns para os outros. Trabalhamos em conjunto.” Para Omar Mustafa, presidente da Associação Islâmica da Suécia, a parceria é emblemática do que espera ser um renascimento do humanitarismo sueco – uma espécie de reacção negativa contra a reacção negativa.

“A sociedade sueca está polarizada. As pessoas racistas estão a tornar-se mais racistas. E os restantes estão a tornar-se mais transparentes na sua oposição ao racismo”, disse Mustafa, cuja família fugiu para a Suécia do Líbano quando ele era apenas um bebé. “Aquilo a que estamos a assistir agora é que os 80% do povo que não apoia os Democratas Suecos já não fica calado. Está a responder com acções.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post