Fernandes Ferreira: sobretaxa de IRS pode ser cobrada mesmo sem novo orçamento
Ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz que a lei não estabeleceu “prazos de validade” para a cobrança da sobretaxa de IRS.
Sem um novo Orçamento do Estado em vigor a 1 de Janeiro do próximo ano, e num cenário de prorrogação do orçamento de 2015 até ser aprovado o novo documento, subsistem dúvidas e há interpretações diferentes em relação às medidas que se mantêm de pé a 1 de Janeiro.
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Sem um novo Orçamento do Estado em vigor a 1 de Janeiro do próximo ano, e num cenário de prorrogação do orçamento de 2015 até ser aprovado o novo documento, subsistem dúvidas e há interpretações diferentes em relação às medidas que se mantêm de pé a 1 de Janeiro.
Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, publicou nesta segunda-feira uma nota da sua sociedade de advogados onde faz uma interpretação da lei, para responder ao que acontece, por exemplo, à sobretaxa extraordinária de IRS enquanto não houver um novo orçamento.
Para o advogado (também presidente da Associação Fiscal Portuguesa), “a receita da sobretaxa, dita ‘extraordinária’, poderá e deverá continuar a ser cobrada em 2016”, porque a lei não exclui essa possibilidade “num cenário de prorrogação de vigência do orçamento de Estado 2015”.
Fernandes Ferreira, que foi secretário de Estado no último Governo de António Guterres, entende que “nenhuma norma na Lei do Enquadramento Orçamental, nem nas leis onde a mesma [sobretaxa] foi criada e está regulada” deixa de fora a possibilidade de se cobrar a sobretaxa nesta situação. “A receita obtida através da sobretaxa foi sempre prevista através de um regime e de autorização de cobrança sem prazos de validade ou de existência temporal pré-definida, pelo menos de forma expressa, coibindo-se o legislador inclusive de a apelidar de ‘extraordinária’”.
Para chegar a esta conclusão, Fernandes Ferreira, que foi secretário de Estado no último Governo de António Guterres, lembra “como e em que moldes” a sobretaxa está inscrita na lei e no OE deste ano.
“A sobretaxa foi criada, inicialmente, pela lei do orçamento de Estado para 2013, tendo, então, sido aditado um artigo ao código do IRS que previa essa sobretaxa. E, ao contrário do que faria supor o seu regime concreto, de que decorrem características que a diferenciam, e bem, do imposto dito principal (o IRS), esta sobretaxa foi sempre enquadrada como receita de IRS – e não como receita autónoma”.
Depois, continua o advogado fiscal, “nos anos seguintes foi prevista a sobretaxa nos mesmos moldes, mas fora do código do IRS, nos diversos orçamentos anuais, sem nunca se prever, ainda assim, um prazo limitado à vigência da Lei do Orçamento de Estado do ano em causa – 2013, 2014 e 2015”. Assim sucedeu ainda que o Governo publicamente “a tenha sempre anunciado como ‘extraordinária’ e, politicamente, como temporalmente definida”.
O advogado conclui, por isso, que a sobretaxa “poderá” ser cobrada à mesma a partir de 1 de Janeiro, “tal como acontece com a receita de IRS, onde o legislador orçamental a quis integrar”.
Num cenário em que se aplica temporariamente o orçamento do ano anterior, a despesa é aplicada em regime de duodécimos, isto é, em cada mês a execução da despesa não pode ser superior a 1/12 do valor global definido para o ano anterior.
No caso da receitas, sublinha Rogério Fernandes Ferreira, “deverão poder também ser cobradas em 2016 enquanto não for aprovado e produzir efeitos o novo orçamento do Estado para 2016, de acordo com aquelas que estão previstas nos mapas orçamentais contidos na Lei do Orçamento de Estado anterior”.
Interpretação diferente tem Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, especialista em finanças públicas que presidiu à comissão de reforma da Lei de Enquadramento Orçamental.
Oliveira Martins sublinhava, num artigo publicado no PÚBLICO na última sexta-feira, que a prorrogação do orçamento não abrange três situações, entre elas “as autorizações para a cobrança das receitas, cujos regimes se destinam a vigorar até ao final do ano a que a lei respeita”. Por isso concluía que a sobretaxada de IRS cai imediatamente por causa da sua transitoriedade.
Luís Marques Guedes, ministro da Presidência do anterior Governo (e que se mantém na pasta no novo executivo de Passos Coelho), referiu-se recentemente a estas questões, referindo que o princípio da prorrogação das medidas do orçamento tem excepções, mas sublinhava que esse “não é necessariamente o caso da sobretaxa”.