Sampaio Bruno, o portuense universal
Centenário da morte do grande erudito e pensador deverá ter comemorações nacionais.
Entre as efemérides a celebrar, ainda em 2015, e numa dimensão nacional, além de Silva Cordeiro (20-6-1859/2-1-1915), o professor que mais interessou Fernando Pessoa, na passagem episódica pelo Curso Superior de Letras, deparam-se os centenários da morte de Ramalho Ortigão (24-19-1836/27-9-1915) e da morte de Sampaio Bruno (30-11-1857/11-11-1915). Ambos são naturais do Porto e ambos ligados à história da cidade.
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Entre as efemérides a celebrar, ainda em 2015, e numa dimensão nacional, além de Silva Cordeiro (20-6-1859/2-1-1915), o professor que mais interessou Fernando Pessoa, na passagem episódica pelo Curso Superior de Letras, deparam-se os centenários da morte de Ramalho Ortigão (24-19-1836/27-9-1915) e da morte de Sampaio Bruno (30-11-1857/11-11-1915). Ambos são naturais do Porto e ambos ligados à história da cidade.
Não possui qualquer fundamento a informação da Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira ao salientar que Sampaio Bruno “formou-se em Medicina em 1876 e passou ainda a frequentar a Antiga Escola Politécnica do Lisboa, mas em 1878 teve de abandonar os estudos por falta de saúde”. (vol. 26 – Pág. 891). Nos estudos biográficos e críticos de Joel Serrão verifica-se que Sampaio Bruno frequentara e não concluíra a Antiga Escola Politécnica do Porto. Não possuía qualquer curso. Tal como Herculano, Camilo, Oliveira Martins, Aquilino, Cesário Verde, Fernando Pessoa e Almada Negreiros. Mais próximo de nós: Sofia, Natália, Agustina, Saramago, Mario Cesariny e Eugénio de Andrade.
Leitor compulsivo, erudito multifacetado, Sampaio Bruno foi um trabalhador incansável. Umas vezes a esmiuçar a grande e a pequena história do passado remoto outras a fazer a análise crítica ou o enquadramento da realidade imediata. Outras, ainda, a dissertar em torno de questões esotéricas da antiguidade longínqua ou do mito sebastianista.
Bruno tem uma intervenção torrencial na imprensa, quer por solicitação política e partidária, quer – ele o confessa – como trabalho remunerado, para garantir a subsistência. Sampaio Bruno pretendia ocupar a direção da Biblioteca do Porto. O lugar encontrava-se vago, pela morte do diretor e fundador da Biblioteca Eduardo Allen (1824-1899), sócio da Academia das Ciências, licenciado em Direito por Coimbra.
O acesso, contudo, permanecia-lhe vedado, não por motivos políticos, pela filiação republicana e intervenção no 31 de Janeiro. Era exigido um curso universitário. Sampaio Bruno debatia-se com a falta de habilitações para ocupar o cargo. Procurou ser eleito sócio da Academia das Ciências de Lisboa. O seu mérito era amplamente reconhecido. Tinha admiradores, amigos pessoais, conterrâneos e correligionários políticos em ambas as classes da Academia das Ciências de Lisboa. Sampaio Bruno admitiu que tal distinção ultrapassaria os obstáculos e as exigências institucionais.
Contudo, o tempo de decisão das Academias não se compadece, nem coincide com o ritmo das tramitações burocráticas. Ignoro que diligências se fizeram. Se houve formalização da proposta; se chegou a ser apreciada e submetida à votação a candidatura de Bruno.
De momento, não é possível realizar qualquer investigação no arquivo documental da Academia das Ciências de Lisboa. Em face de um pedido de esclarecimento, a fim de aclarar, com a possível urgência, esta situação relativa a Sampaio Bruno, recebi a informação de que todo o acervo terá sido, recentemente, transferido e por ordem superior, para outras dependências das instalações do edifício. Não se podem consultar os processos de sócios efetivos e correspondentes nacionais e estrangeiros, com os respectivos elementos anexados e que se revestem da maior importância biográfica e bibliográfica. Nem muitos livros de atas. Mesmo recentes.
Sei, no entanto, que o cargo de diretor da Biblioteca do Porto foi ocupado por António Rocha Peixoto (1868-1909) licenciado pela Escola Politécnica do Porto, arqueólogo, etnógrafo e historiador. Passados alguns anos, Sampaio Bruno ingressava na Academia das Ciências de Portugal, fundada em Lisboa a 18 de Abril de 1907, que funcionou pouco mais de uma década, se estendeu a todo o Pais e chegou inclusive à Galiza.
Esta Academia - que resultou de uma cisão polémica com a Academia das Ciências de Lisboa - incluiu, logo de início, numerosos sócios de prestígio alguns deles da Academia das Ciências de Lisboa como Teófilo (um dos organizadores), Conde de Sabugosa, Alfredo da Cunha, Teixeira de Queiroz, Sousa Viterbo, Consiglieri Pedroso, Gonçalves Viana. Entre os propostos destaca-se Sampaio Bruno. A Academia das Ciências de Portugal teve o mérito de corrigir algumas injustiças, até que, de condescendência em condescendência, abriu indiscriminadamente a porta a carreiristas intelectuais e oportunistas políticos.
Só em 1909 Sampaio Bruno conseguiu, finalmente, com a morte de Rocha Peixoto ser nomeado bibliotecário e a seguir diretor da Biblioteca Municipal do Porto. A sua obra reflete o Porto cívico e cultural de outros tempos e do seu tempo: o Porto de Antero de Quental, a presidir à Liga Patriótica do Norte. O Porto literário de Eça de Queiroz, à frente da Revista Portugal. O Porto de Camilo, (mas a caminho dos editores e oftalmologistas). O Porto dos primórdios literários de Antonio Nobre e Raul Brandão e de Manuel Teixeira Gomes a tentar fazer o curso de Medicina. O Porto do pintor Marques de Oliveira (mestre de Henrique Pousão), que retratou o mar e o areal da Póvoa de Varzim. O Porto de Soares dos Reis que, de insatisfação a insatisfação, e sufocado por intrigas e invejas, num desesperado encontro com a morte, resvalou nas garras do suicídio. O Porto medularmente republicano de Rodrigues de Freitas de Basílio Teles, de Aurélio Paz dos Reis (o criador do cinema português) e de Sampaio Bruno. Reflete, ainda, o Porto, orgulhosamente, concentrado nas suas fronteiras territoriais, entregue à azáfama comercial, absorvido com a roda – viva industrial e, simultaneamente, recetivo às solicitações da cultura e ao sentido da universalidade.
Ainda Sampaio Bruno viveu seis anos enraizado na Biblioteca do Porto. A descobrir e editar velhos manuscritos. Sempre a trabalhar. A escrever n’ A Aguia de Teixeira de Pascoaes e de Leonardo Coimbra. A receber uma carta de Fernando Pessoa para colaborar no Orpheu.
Jornalista e investigador