Polícias das cinco maiores cidades dos EUA e o pai de Tarantino juntam-se em boicote aos seus filmes
"Polícias assassinos": reacção às declarações do realizador sobre violência policial alastra pelo país.
Nos últimos dias, o apelo da Polícia de Nova Iorque ao boicote dos filmes de Quentin Tarantino ganhou apoio de outras forças policiais dos EUA e da National Association of Police Organizations. Há pouco mais de uma semana, o realizador participou numa manifestação contra a violência policial em que apelidou os polícias de “assassinos”. A organização da manifestação, o movimento Black Lives Matter, defende o realizador, mas o seu próprio pai, Tony Tarantino, critica a posição do filho.
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Nos últimos dias, o apelo da Polícia de Nova Iorque ao boicote dos filmes de Quentin Tarantino ganhou apoio de outras forças policiais dos EUA e da National Association of Police Organizations. Há pouco mais de uma semana, o realizador participou numa manifestação contra a violência policial em que apelidou os polícias de “assassinos”. A organização da manifestação, o movimento Black Lives Matter, defende o realizador, mas o seu próprio pai, Tony Tarantino, critica a posição do filho.
No último ano, as tensões raciais nos Estados Unidos tiveram como um dos seus pólos mais mediáticos o tratamento de afro-americanos por parte de agentes da polícia de várias zonas do país. A 24 de Outubro, Tarantino disse a manifestantes reunidos em Nova Iorque no âmbito do mês #RiseUpOctober do movimento Black Lives Matter que o problema da violência policial, e em particular do alegado uso excessivo de força contra cidadãos negros, “não está a ser abordado de forma alguma”. Citado pela Associated Press, Tarantino frisou: “Estou aqui para dizer que estou do lado dos assassinados”.
“Se estivessem a lidar [com o problema], então estes polícias assassinos estariam na prisão ou pelo menos enfrentariam acusação. Quando vejo homicídios, não fico parado. Tenho de chamar a um assassínio um assassínio, e tenho de chamar assassinos aos assassinos”, disse.
O protesto em Nova Iorque decorreu quatro dias depois de o agente da polícia local Randolph Holder ter sido morto a tiro por um suspeito, tendo também, segundo assinala o New York Times, aumentado a preocupação dos agentes sobre a violência de que são alvo.
Depois de terem sido tornadas públicas as declarações do realizador, a NYPD (o Departamento de Polícia de Nova Iorque) – em grande parte mobilizado por Patrick Lynch, presidente do sindicato de polícias da cidade, como aponta a imprensa americana – apelou então a um boicote do próximo filme de Tarantino, The Hateful Eight (com estreia marcada para o dia de Natal nos EUA, ainda sem data marcada em Portugal), bem como de todas as suas obras anteriores. Nos últimos dias o apoio a esta acção espalhou-se pela América. As forças de Los Angeles, Filadélfia, Chicago, Houston – que, com Nova Iorque, perfazem as cinco maiores cidades dos EUA – ou de Nova Jérsia já se juntaram ao protesto.
Também a National Association of Police Organizations, que diz representar mais de mil unidades policiais e cerca de 241 mil agentes, pediu quinta-feira que os seus membros e apoiantes boicotem os seus filmes contra a sua “retórica anti-polícia”. Consideram o uso de palavras do realizador e argumentista “totalmente irresponsável” no momento em que “o país está a ver um aumento persistente de pedidos de morte de agentes”, acrescentando que as suas palavras “ameaçam a segurança tanto da polícia quanto dos cidadãos”.
Em causa está não só um boicote às idas ao cinema, mas também aos serviços prestados pela polícia no que toca à segurança de locais de filmagem, estreias ou mesmo à consultoria prestada em torno dos filmes. “Pedimos aos agentes que parem de trabalhar em destacamentos especiais ou trabalhos fora do horário do expediente como fornecer segurança, controlo de trânsito ou aconselhamento técnico para qualquer dos projectos de Tarantino”, escreve a associação.
Na sexta-feira passada, uma associação de apoio aos polícias de Nova Iorque tornou pública uma declaração de Tony Tarantino em que também este, reiterando o seu amor pelo filho, o admoesta pelas suas palavras. “Está totalmente enganado ao chamar assassinos aos agentes da polícia, especialmente de Nova Iorque, onde eu cresci”, diz o progenitor, que acrescenta: “Ele é um homem apaixonado e isso vê-se na sua arte mas às vezes ele deixa a sua paixão cegá-lo em relação aos factos e à realidade”.
Durante esta semana de contestação, tanto Tarantino quanto o seu estúdio, a Weinstein Co., têm-se mantido silenciosos – apesar de, como recorda o New York Times, terem sido velozes a responder e a alimentar polémicas em que se vejam envolvidos. Já os organizadores do protesto de 24 de Outubro estão indignados com a controvérsia.
A reacção da polícia é “ultrajante”. “Vídeo atrás de vídeo tem mostrado homens negros desarmados, latinos ou nativos americanos a serem dominados com tasers, espezinhados, brutalizados e alvejados nas costas pela polícia e eles quase nunca são indiciados [por crimes]. Que tipo de sociedade permite isto?”, diz, citado pelo USA Today, o activista Carl Dix.
Sobre o apelo ao boicote, acha que “se destina a enviar uma mensagem, não só a Tarantino mas a qualquer pessoa cuja voz tem peso na sociedade: se falarem, vamos atrás de vocês, ameaçamos o vosso ganha-pão e tentamos assustar-vos até voltarem ao silêncio”. A romancista Joyce Carol Oates saiu em defesa de Tarantino no Twitter, reflectindo que “não devia ser precisa coragem excepcional para protestar contra a brutalidade policial como Quentin Tarantino fez mas, evidentemente, é”.