E agora, Zedu?
Passaram os tempos em que chegavam angolanos a Lisboa para explicarem a terrível verdade aos empresários portugueses: “O problema de Portugal é que os políticos são corruptos.” Agora, com a quebra do petróleo, falta o dinheiro nos dois países. Mas em Luanda já se encontrou uma solução.
No alto da colina, pertinho lá do céu, ou melhor, no Futungo de Belas, juntinho do poder, o Presidente acordou preocupado e foi à varanda. Era fim de Outubro, a baía esticava-se mas os musseques à distância continuavam com aquele ar encavalitado da pobreza. José Eduardo arranjou-se, comeu um bolinho com café e mandou chamar o vice. Manuel Vicente veio depressa, pensando se desta é que seria nomeado sucessor na presidência. Às vezes parecia que era, e depois não era. Um desgaste psicológico.
— Chamou, sr. Presidente?
— Vamos falar da situação?
E sentou-se com ar de temos a manhã toda para isto. Mau sinal: José Eduardo falava o menos possível, sempre reservado. Um chefe de Estado mundialmente conhecido por pouco se dar a conhecer. Quanto ao vice, a sua fama era a de ser um mestre dos números.
— Como é que vai essa cabeça de computador, Manuel Vicente?
— Vai indo, senhor Presidente, vai indo.
— Vamos ver. Ano do meu nascimento, ano do meu curso, ano da minha investidura?
— O senhor Presidente nasceu a 28 de Agosto de 1942 em Luanda, formou-se em Junho de 1960, em Engenharia de Petróleos, em Baku, antiga URSS, e é presidente do MPLA e Presidente de Angola desde 21 de Setembro de 1979, ena, 36 anos e parece que foi ontem!
— Boa. Mais números: o que é que aconteceu ao buraco de 32 mil milhões de dólares que o FMI descobriu entre 2007 e 2010 nos teus petróleos?
— Ahhh... eram simplesmente despesas não registadas, só não conseguimos justificar 4,2 mil milhões. E eu já não sou presidente da Sonangol...
— Isso sei eu, mas já vamos ao petróleo... Como é que vai o custo de vida em Luanda?
— Talvez a cidade mais cara do mundo, à frente de Singapura, Zurique, Tóquio. O preço do aluguer de uma casa é motivo de admiração geral. Chegámos a ter um T3 ao preço fantástico de 15 mil dólares por mês! O petróleo é que...
— Já vamos ao petróleo, a como é que anda o champanhe?
— Lá em baixo na baía, à saída dos iates, parece que uma garrafa de Dom Pérignon andava pelos 2000 dólares. E uma sandes em hotel de luxo, 30 dólares. O problema é que com a desvalorização do petr...
— Já lá vamos! Nos musseques, qual é a capitação diária?
— Em que sentido?
— Com quantos dólares se vive, senhor vice-presidente.
— Ahhh... As pessoas precisam em média de dois dólares por dia. Têm de poupar bastante para beber Dom Pérignon, claro. Mas com esta maldita desvalorização do petró... ahhh, que dia bonito lá fora, senhor Presidente. Olhe as acácias, de folhas verdinhas como as nota de dól... ena, que bolinhos tão apetitosos, posso comer um?
— Pare com os disparates. E a mortalidade infantil?
— Bom, em 2013, íamos só em segundo lugar. Só que no ano passado atingimos, com alguma contenção de despesas, o primeiro lugar. Os recordes são para se bater.
— E os negócios internacionais?
— Hum... Oh que lindo passarinho na varanda, recortado no céu azul de Luanda!
— Fiz-lhe uma pergunta, vice-presidente.
— As exportações caíram 27%, o investimento português desceu 40% e os tugas estão a ir-se embora como pássaros migratórios quando chega a estação das chuvas...
— Deixe lá os pássaros!
O Presidente andava para cá e para lá. Ouvia os motores de carrões à distância, a gastar gasolina como se não houvesse amanhã.
— Bom, já posso falar naquilo, senhor Presidente?
— Sim.
— Hum... o valor das exportações de petróleo será de menos 60%, este ano, senhor Presidente, essa é que é essa.
— Vamos ter de cortar nalguma coisa. Ideias?
— Não sei, senhor Presidente, vender algumas empresas que comprámos em Portugal?
— Isso não foi Angola, foi a Isabel.
— É verdade, é verdade, e aquele país não é estável como o nosso, agora até discutem quem é o Governo! Mas de qualquer modo...
— Olhe lá. Quem vive com dois dólares também pode viver com menos, não acha, senhor vice-presidente?
— O angolano é forte.
— Esse... argh, gasp, esse Luaty Beirão e os 14 perigosos rebeldes que leram livros contra a minha pessoa estão a ser bem tratados antes da imparcial condenação exemplar pelos perigosos delitos contra a pátria?
— Bem de mais. Ainda se põem a cometer leituras outra vez!
— Um cantor de rap esteve 36 dias seguidos com um comportamento diferente em relação aos alimentos. Se ele pode estar tanto tempo em jejum voluntário, outros angolanos também poderão, ou não?
— Claro, quem vive com dois dólares vive com um. É o mínimo que os angolanos podem fazer por nós nestes tempos difíceis, senhor Presidente.