Selahattin Demirtas, o anti-Erdogan
O líder do partido pró-curdo que entrou no Parlamento em Junho reúne o apoio dos esquecidos e oprimidos pela governação do AKP.
Selahattin Demirtas, um advogado e defensor dos direitos humanos no Curdistão de 42 anos, é o anti-Erdogan. Embora líder de uma formação pró-curda, seria o único político turco à vontade numa qualquer capital da Europa, com a plataforma liberal e pró-europeia do seu Partido Democrático do Povo (HDP), como comentou um embaixador ao jornal The Guardian.
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Selahattin Demirtas, um advogado e defensor dos direitos humanos no Curdistão de 42 anos, é o anti-Erdogan. Embora líder de uma formação pró-curda, seria o único político turco à vontade numa qualquer capital da Europa, com a plataforma liberal e pró-europeia do seu Partido Democrático do Povo (HDP), como comentou um embaixador ao jornal The Guardian.
Apesar de quase não aparecer na televisão ou nos jornais controlados pelo AKP - o partido islamo-conservador de Recep Erdogan, que está no poder desde 2002, e que classificam o HDP como o braço político da guerrilha separatista curda - Demirtas tem conseguido impor-se como uma alternativa no terreno político turco, que o Presidente secou como um eucalipto gigante durante mais de uma década anos no poder em que de um crente na democracia se tem transformado num autocrata com tiques de ditador.
O HDP foi o primeiro partido pró-curdo a conseguir entrar no Parlamento, nas legislativas de Junho, com 13% dos votos. Ultrapassou a obrigação de ter pelo menos 10% dos votos - uma barreira criada durante os anos 1980 para impedir a entrada dos partidos curdos. Demirtas, e outros políticos curdos só entravam no Parlamento, mas como independentes, porque assim não se lhes aplicava essa barreira.
O partido abdicou de fazer grandes comícios depois do atentado de Ancara, a 10 de Outubro, em que morreram 102 pessoas, segundo os números oficiais - a maior parte ligadas ao HDP. Ele acusou claramente o Governo de estar por trás do ataque, ou de o ter permitido, por não vigiar as redes ligadas ao grupo jihadista Estado Islâmico.
Optou por acções de campanha em espaços pequenos, em contactos com sectores da sociedade excluídos pela governação do AKP, um partido de inspiração religiosa com ambições cada vez mais hegemónicas. “Todos os que quiserem evitar que Erdogan ganhe mais poder têm de votar no HDP”, diz Demirtas, citado pela revista alemã Der Spiegel.
Procura os votos dos alevitas - seguidores do Islão xiita, com algumas influências pré-islâmicas -, da população secular, das mulheres (inclui a defesa da igualdade de género na sua agenda), e dos homossexuais, para além da autodeterminação dos curdos.
Numa Turquia que se afunda em divisões entre a esquerda e a direita, liberais e religiosos, alguém que diz procurar “um novo estilo de política”, em que a igualdade - entre os sexos, religiões e nacionalidades - e o secularismo sejam os princípios orientadores, tem um discurso revolucionário e perigoso. O que mais incomoda Erdogan não é o apoio dos curdos ao HDP, mas antes o milhão de votos que obteve em Junho de eleitores não curdos.
A abordagem de Demirtas é diferente da dos outros políticos turcos, diz o Guardian, que passou recentemente um dia com ele em campanha. Em contraste com os políticos turcos, não grita ou fulmina adversários imaginários quando discursa, “e o seu sorriso não tem o cinismo que se associa aos sorrisos dos políticos”.
Demirtas é curdo, de Diyarbakir, a grande cidade do Sudeste da Turquia, embora os pais o tenham criado sem essa consciência: foi só em adolescente, quando assistiu à violenta repressão policial do funeral de um activista curdo - Vedat Aydin - que tinha tido a coragem de falar na língua curda numa conferência sobre direitos humanos na capital turca, Ancara, é que ele percebeu o que era. Foi preso, como muitos outros jovens curdos.
“Nesse dia, a minha vida mudou. Tornei-me uma pessoa diferente. Não compreendia bem o que se estava a passar, mas agora sei: éramos curdos e isto não era uma identidade que pudesse deitar fora, o problema era meu também”, contou Demirtas a um jornal turco no ano passado.
Ele não se juntou à guerrilha curda, como o irmão - que estará a combater algures na Síria - estudou Direito, tornou-se conhecido em Diyarbakir como defensor dos direitos humanos, foi muitas vezes foi intermediário de acordos entre os militares turcos e a guerrilha independentista curda, o PKK. Demirtas foi um dos pouco autorizados a visitar na cadeia Öcalan, o fundador do PKK, preso desde 1999 - o que fez cair sobre ele as acusações de pertencer à guerrilha, o que ele sempre negou.
Mas o apoio de Öcalan, uma espécie de pai da pátria para os curdos da Turquia, é fundamental para Demirtas, que tem de fazer um jogo de equilibrista: manter o apoio dos nacionalistas curdos - que passaram a reivindicar apenas a autonomia - enquanto abre o partido para o tornar representativo de outros sectores da sociedade reprimidos. “Nós, os esmagados”, como ele disse.