Salsa, salva, alecrim e tomilho
Desta moda já aqui se falou um dia: espectáculos de tributo a artistas vivos ou mortos, com cantores e músicos a cantarem e tocarem como eles, cópias quase perfeitas, como se fosse possível aos originais manterem uma eterna juventude em clones múltiplos. É assim que circulam por aí grupos de nomes arrevesados como The Rolling Stoned (isto apesar de os Stones originais continuarem incansáveis nos palcos), The Smyths, Bon Giovi, Ded Hot Chili Peppers, Abba Vision, Soasis ou The Beatlez (sim, com Z). E foi assim que Portugal viu, em 2006, os The Musical Box “clonarem” ao vivo os Genesis de Peter Gabriel. A par disso, os filmes biográficos sobre estrelas da música têm-se esmerado na clonagem. Basta lembrar o Ray Charles de Ray.
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Desta moda já aqui se falou um dia: espectáculos de tributo a artistas vivos ou mortos, com cantores e músicos a cantarem e tocarem como eles, cópias quase perfeitas, como se fosse possível aos originais manterem uma eterna juventude em clones múltiplos. É assim que circulam por aí grupos de nomes arrevesados como The Rolling Stoned (isto apesar de os Stones originais continuarem incansáveis nos palcos), The Smyths, Bon Giovi, Ded Hot Chili Peppers, Abba Vision, Soasis ou The Beatlez (sim, com Z). E foi assim que Portugal viu, em 2006, os The Musical Box “clonarem” ao vivo os Genesis de Peter Gabriel. A par disso, os filmes biográficos sobre estrelas da música têm-se esmerado na clonagem. Basta lembrar o Ray Charles de Ray.
Estes decalques continuam activos e a prova é que os God Save The Queen, um tributo à banda de Freddie Mercury, têm concertos marcados nos Coliseus, a 13 no Porto e 15 em Lisboa. Mas, a par deles, tem singrado um outro género: o dos tributos-história, misto de concerto e teatro. Um deles, A Night With Janis Joplin, com a fantástica Mary Bridget Davies no papel de Janis, estreou-se há dois anos na Broadway e permanece em cartaz, rodando por vários palcos. Teve, na estreia, reacções apoteóticas, que justificam decerto a sua longevidade, como museu vivo. Outro é o que agora nos chega catalogado como “enorme sucesso” no West End londrino. Estará na Aula Magna, em Lisboa, na noite de 7 de Novembro (21h30), e os folhetos de promoção exultam. Com “lotações esgotadas”, tem sido “aplaudido de pé todas as noites” e quem o vê fica deslumbrado: “Autêntico e excitante” (The Stage) “Fantástico” (BBC Radio 2), “Assombroso, um verdadeiro deleite” (The Metro). De que se trata? De dois rapazes que fizeram discos como Quarta-feira, Três da Manhã; Sons do Silêncio; Salsa, Salva, Alecrim e Tomilho; Suportes Para Livros; ou Ponte Sobre Águas Agitadas. Não conhecem? Então experimentem em inglês: Wednesday Morning, 3 A.M. (1964), Sounds of Silence (1966), Parsley, Sage, Rosemary and Thyme (1966), Bookends (1968), Bridge Over Troubled Water (1970). Acertaram: Simon & Garfunkel.
E quem nos vem contar, e cantar, tal história? Dean Elliot, um dos mais conhecidos actores do West End (já fez de Buddy Holly naqueles palcos, agora faz de Paul Simon) e David Tudor, este no papel de Art Garfunkel. Diz-se, e é suposto acreditarmos, que “o espectáculo segue Paul Simon e Art Garfunkel desde as origens humildes até ao histórico concerto de 1981 no Central Park, passando pela separação e pelas carreiras individuais”. Pode ser conveniente, para puxar ao sentimento, mas Simon e Art não tiveram “origens humildes”. Nasceram ambos em 1941 na região metropolitana de Nova Iorque, em famílias da classe média, cresceram em Queens e andaram juntos na mesma escola até se separarem na Universidade. Art foi para a de Columbia, estudar Matemáticas, Paul para o Queens College estudar Língua e Literatura Inglesa. Claro que já tocavam juntos, chegaram até a formar um duo a que chamaram Tom & Jerry (nada a ver com o gato e o rato dos desenhos animados).
Mas o sucesso só veio mais tarde, com uma “traição”: como o primeiro disco do grupo tinha sido um fracasso de vendas, a editora resolveu relançar em single um dos seus temas mais fortes, The sound of silence, mas com uma batida rock, acrescentando-lhe bateria, baixo e guitarra eléctrica. Foi um êxito. Paul, que se exilara em Inglaterra para repensar a vida musical, ficou surpreendido, depois irritado, mas seguiu em frente. Assim, em lugar de ficarem por ali, entraram na história. E de uma forma peculiar: as canções do duo, geradas na América pós-Kennedy, são ainda hoje o retrato de uma Nova Iorque mergulhada na bruma de um desencanto gerado por múltiplos conflitos. Dois exemplos: a gravação que fizeram da natalícia Silent night, sobre a qual cresce o som de um noticiário onde Nixon anuncia mais cinco anos de guerra no Vietname; e a aposição a Scarborough fair (canção tradicional inglesa, alusiva a uma célebre feira medieval) de um doloroso Canticle por onde a inocência da canção se esvai: “Os generais ordenam aos soldados que matem/ e lutem por uma causa que há muito esqueceram.” Ou seja: mesmo quando só se procura salsa, salva, alecrim ou tomilho (como diz a canção) numa inocente feira, há sempre algo mais que se nos impõe. E dói.