Blocos operatórios podiam fazer mais 100 mil cirurgias por ano
Faltam anestesiologistas e enfermeiros especializados para que se possa aproveitar a capacidade instalada em Portugal, revela relatório que traça o retrato actual destes serviços hospitalares.
Os blocos operatórios dos hospitais públicos davam para fazer mais cerca de 108 mil cirurgias por ano, se fossem utilizados a 100%. A actual capacidade instalada permitiria um acréscimo de produção significativo, 22,8%, mas, para que todo este potencial fosse aproveitado, seria necessário que os hospitais e o ministério alocassem mais anestesiologistas e enfermeiros especializados. Para o ritmo de produção actual, os cirurgiões são suficientes, mas quase metade das unidades hospitalares afecta menos de 30% do horário dos cirugiões (que seria o desejável) aos blocos.
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Os blocos operatórios dos hospitais públicos davam para fazer mais cerca de 108 mil cirurgias por ano, se fossem utilizados a 100%. A actual capacidade instalada permitiria um acréscimo de produção significativo, 22,8%, mas, para que todo este potencial fosse aproveitado, seria necessário que os hospitais e o ministério alocassem mais anestesiologistas e enfermeiros especializados. Para o ritmo de produção actual, os cirurgiões são suficientes, mas quase metade das unidades hospitalares afecta menos de 30% do horário dos cirugiões (que seria o desejável) aos blocos.
As conclusões constam do relatório de “Avaliação da situação nacional dos blocos operatórios”, feito a pedido do Ministério da Saúde, e que, em quase 300 páginas, traça o retrato possível destes serviços que são um dos mais dispendiosos dos hospitais. Basta ver que, em média, uma hora de sala pode ultrapassar os mil euros. Foram avaliadas 569 salas de operação e 170 blocos distribuídos por 45 entidades com 82 unidades hospitalares em todo o país.
Na prática, os dados apurados indicam que temos blocos operatórios a mais para aquilo que estamos a fazer ou, pelo menos, que a capacidade instalada não está a ser devidamente aproveitada. Os autores do estudo, que é coordenado pelo cirurgião Jorge Penedo, chegam a aludir à hipótese de eventual encerramento de salas de blocos periféricos no grupos dos hospitais mais complexos, o grupo E (centros hospitalares de Lisboa Ocidental, Central, Norte, Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, centros hospitalares de S. João e do Porto). Mas frisam que é necessário ter informação mais rigorosa para chegar a conclusões.
É fulcral também, acentuam, que se defina primeiro qual é a procura a que o Estado deve dar resposta para depois se calcular a oferta que deve existir, até porque há cidadãos que recorrem ao sector social e privado. Por isso é necessário analisar também a capacidade disponível a este nível. “Só aí é que podemos definir se há blocos a mais ou menos”, defende Jorge Penedo.
Uma coisa é certa, enfatizam, há “uma clara margem de rentabilização da capacidade instalada” e os anestesiologistas são, tal como os enfermeiros peri-operatórios, o principal recurso “limitante”.
Grandes assimetrias
De resto, detectaram-se grandes variações, assimetrias e inúmeras incongruências. Desde logo o custo médio de hora de sala varia substancialmente de hospital para hospital. Nas unidades que enviaram dados (pouco mais de metade), os custos oscilam entre os 977,50 euros nos hospitais do grupo C e os 206 euros nos IPO (Instituto Português de Oncologia). Há mesmo um número que extravasa todas as médias: mais de 4 mil euros/hora na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, custo de hora de sala por grupo de benchmarking, o que não é explicitado no estudo.
Também o rácio de salas dos blocos por 100 mil habitantes varia de forma significativa, com o da região Centro (2,82) a corresponder a mais do dobro da do Algarve (1,33). Os hospitais do grupo D, de média complexidade, são, por outro lado, os que utilizam mais as salas de operação e os do grupo A (mais pequenos) são os que menos doentes operam.
Quanto à média de tempo de espera, também há assinaláveis variações regionais. O IPO de Lisboa destaca-se por ser o que tem mais doentes operados fora dos prazos limite previstos na lei, mais de um quarto (28%) do total. Aliás, a média dos IPO (13,8%) é quase o dobro da nacional (7,4%), porque nestes institutos o tempo máximo garantido para que um doente seja operado é substancialmente inferior.
Relativamente à mediana de tempo de espera, esta é de 93 dias, em geral, sendo que no Hospital Garcia de Orta (Almada) ascende a 191 dias. No IPO de Lisboa é de 44 dias.
Lembrando que o financiamento dos hospitais “direcciona 29% dos recursos” para a actividade cirúrgica, os autores recomendam, no final, que se aumente a dotação das horas de bloco, que se crie um novo modelo de governação para este serviço, com um contrato de gestão e um plano de acção negociado anualmente , além de uma contabilidade uniforme. Defendem ainda que deve haver uma sala operatória dedicada à urgência em todas as unidades com urgências médico-cirúrgicas e polivalentes e notam que é preciso investir na qualidade, observando que apenas 36% das salas estavam certificadas ou acreditadas.