Como era bom que se deixassem de birras...
À conta das birras, em vez de se concretizarem acordos onde estes são mais naturais, procuram-se onde são mais contranatura e, inevitavelmente, geradores de muito mais efeitos colaterais.
Sou um dos muitos cidadãos portugueses que, ao longo da minha vida de eleitor recenseado (e já lá vão 34 anos), fui alternando o sentido do meu voto de acordo com a avaliação que fui fazendo acerca das circunstâncias do país, das propostas dos diversos partidos e, por vezes de forma decisiva, das pessoas que encarnavam essas propostas. Votei mesmo mais vezes no PS (certamente fruto do ambiente político familiar no qual cresci), do que no PSD ou no CDS, embora nunca tenha votado no PCP/CDU nem no BE. Nas três últimas eleições legislativas (2009, 2011 e 2015), votei no CDS. Vim, depois disso, a integrar o último Governo, como secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural.
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Sou um dos muitos cidadãos portugueses que, ao longo da minha vida de eleitor recenseado (e já lá vão 34 anos), fui alternando o sentido do meu voto de acordo com a avaliação que fui fazendo acerca das circunstâncias do país, das propostas dos diversos partidos e, por vezes de forma decisiva, das pessoas que encarnavam essas propostas. Votei mesmo mais vezes no PS (certamente fruto do ambiente político familiar no qual cresci), do que no PSD ou no CDS, embora nunca tenha votado no PCP/CDU nem no BE. Nas três últimas eleições legislativas (2009, 2011 e 2015), votei no CDS. Vim, depois disso, a integrar o último Governo, como secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural.
Estou entre aqueles que, independentemente do sentido do meu voto, e ao contrário do que as sondagens previam, pensaram que o PS venceria as últimas eleições, fosse com maioria relativa ou absoluta. Pensei que seria “natural” que tal acontecesse, o mais que não fosse pelas dificuldades que se abateram sobre os portugueses, e pela impopularidade de muitas das medidas tomadas pelo Governo PSD/CDS ao longo destes quatro anos.
Nunca esta possibilidade, que eu acreditava ser muito provável, me tirou o sono. Li o programa eleitoral do PS (tal como o da coligação PaF e os dos demais partidos) e acompanhei a campanha. Sempre reconheci no PS pessoas que respeito (nem todas, mas muitas) e valores que partilho (não todos, mas os essenciais). A isto acrescentei a evidência histórica de que, em circunstâncias análogas (leia-se em tempos de crise económica e social), a prática política do PS ou dos partidos da PaF foi, no essencial, semelhante (com exceção clara do último Governo do eng. José Sócrates), e dado que não tenho muitas dúvidas de que os próximos anos continuarão a ser de crise (espero que menos pronunciada, mas de crise), a equação estava composta na minha cabeça: ou governaria o PS em maioria absoluta (cumprindo o seu programa que, repito, não era a minha escolha, mas não me tirava o sono), ou governava o PS em minoria, viabilizado pelos partidos da PaF (cumprindo o seu programa, limado pela necessidade de consensualizar algumas questões), ou governaria a PaF em minoria (invertendo-se aqui as posições da alternativa anterior). A maioria absoluta da PaF nunca me pareceu alcançável.
Eram três caminhos que partilhavam o ponto de partida, conduziam a pontos de chegada não muito distantes (alcançáveis entre si com uma boa caminhada a pé), divergindo apenas em algumas curvas e contracurvas (podendo provocar ares na barriga, mas nada mais do que isso), na velocidade com que se propunham percorrer certos troços (mas sempre em segurança) e na maneira como adornariam a paisagem à sua passagem. Quantos mais cidadãos não terão pensado como eu?
Afinal... tudo errado. Da cartola do inesperado surge um “novo caminho” (será a 4.ª via?). Parte do mesmo sítio dos anteriores. Desconhecemos (ainda) onde nos leva (será isso relevante para os que o estão a gizar?), para onde quer que nos leve certamente não passará por sítio nenhum (pela simples razão de que quem o concebe vai querer passar por locais muito distintos e distantes ao mesmo tempo) e, como tal, a paisagem à sua passagem promete ser caótica.
Mas porquê tudo isto? Não se mantêm verdadeiras as premissas de que parti? Mantêm.
Não é o programa do PS e o respetivo programa eleitoral recentemente sufragado muito mais próximo dos programas de PSD e CDS e programa eleitoral da PaF, do que dos equivalentes do PCP, PEV e BE? Sem dúvida nenhuma que sim.
Não têm as bases sociológicas que votaram nos três partidos do ex-arco da governação muito mais em comum entre si, do que com as bases dos partidos mais à esquerda? Pelo que oiço aos entendidos, é claro que sim.
Então o que é que se passa? O líder do PS é um novo “messias”, que veio para derrubar muros à esquerda (em modo São João Batista, faltando perceber quem é o senhor para quem aplana os caminhos) e retirar do gueto a CDU e o BE? Mas quais muros? Só quem nunca esteve na vida política é que pode, erradamente, acreditar que esses muros existem. E o Partido Socialista sabe bem que não existem. Existe, sim, expressa sistematicamente desde o 25 de abril de 1974, uma recusa da maioria dos eleitores aos modelos de sociedade que CDU e BE (ou as forças políticas que estiveram na sua origem) defendem para Portugal, para a Europa e para o Mundo. O resto é expediente, retórica, parangonas para jornais e demagogia imperdoável.
Para enorme espanto dos cidadãos que, como eu, se sentem agora incluídos no “arco dos desgovernados”, só não teremos, para já, a concretização de nenhum dos três caminhos que atrás referi, por meras questões e embirrações pessoais. Das trocas de mimos ou ofensas na campanha eleitoral (mútuos entre todos), às palavras de ordem que ilusoriamente tentaram arregimentar tropas contra ou a favor da “austeridade” (a sério, mesmo?) provocando uma pseudofratura na sociedade portuguesa, passando pelo calculismo que permita “sair por cima”, toda a situação política que vivemos não passa disso mesmo: uma enorme e monstruosa birra de alguns, que não souberam superar questões pessoais a bem do país.
A “esquerda à esquerda do PS” (mas tão mais à esquerda…) em nada mudou desde o dia 3 de outubro (são os próprios que o dizem). Alguém disse, num dos últimos programas Prós e Contras na RTP1, em defesa da solução em curso, que estes partidos procuravam pragmaticamente o acordo apenas em matérias “antiausteridade”, e que o resto (modelo de sociedade, Europa, democracia, etc…) ficaria para um acerto de contas posterior. É esse “acerto de contas” que receio. E o PS mudou? Espero, sinceramente, que não. Então as coisas podem correr bem entre os três partidos? Está visto que não.
À conta das birras, em vez de se concretizarem acordos onde estes são mais naturais, procuram-se onde são mais contranatura e, inevitavelmente, geradores de muito mais efeitos colaterais. Serão os partidos (PS, PSD,CDS, CDU, BE) a pagar a fatura? O país será certamente.
Agrónomo e professor universitário