Estas mulheres foram vítimas de violação no exército

Das 26 mil mulheres que se estima serem vítimas de abuso sexual em contexto militar anualmente, nos EUA, apenas uma em cada sete apresenta queixa formal contra o seu agressor, sendo que apenas um desses casos chega a tribunal. Mary F. Calvert fotografou-as e relatou alguns casos ao P3

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Natasha tinha 19 anos quando decidiu servir o exército. Aos 21 foi violada por um superior hierárquico que, após queixa formal, foi condenado a quatro anos de prisão. O transtorno de stress pós traumático relegou-a ao isolamento profissional e familiar.

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Natasha tinha 19 anos quando decidiu servir o exército. Aos 21 foi violada por um superior hierárquico que, após queixa formal, foi condenado a quatro anos de prisão. O transtorno de stress pós traumático relegou-a ao isolamento profissional e familiar.

Britanny foi afastada da Marinha norte-americana por sofrer de TSPT (Transtorno de Stress Pós-Traumático). O “transtorno de adaptação” resultou da violação de que foi vítima na Marinha. “Eles expulsam a vítima”, lamenta. “Fazem com que a vítima pareça mais doente do que o agressor”.

Tiffany e Elisha foram violadas pelo mesmo comandante da Guarda Marítima americana. Mantiveram o silêncio até à revelação de uma terceira vítima. Foi já em tribunal que uma quarta mulher se pronunciou.

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O pai de Carrie folheia o seu diário no aniversário do seu suicídio Mary F. Calvert

O oficial que violou Virgínia foi declarado culpado da violação de dez mulheres que estavam sob seu comando. Cumpre actualmente 20 anos de prisão.

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Natasha Schuette, 21 anos, foi vítima de violação no Exército Mary F. Calvert

“Embora ele não tenha sido um cavalheiro, também não há razões para processar”, foram palavras dirigidas a Jessica Hinves pelo seu superior hierárquico da Força Aérea americana, após ter apresentado queixa por violação.

Meredith tinha casado há poucos meses quando foi violada por um colega da Marinha. O seu sargento disse-lhe: "Deves ter desejado isso, és casada e o teu marido não está cá". Meredith perdeu o emprego.

Kate Weber soube que ele era um transgressor experiente no momento em que lhe tocou. “Ele escapava sempre devido ao cargo que ocupava.” O seu filho de sete anos sofre de stress pós traumático em segundo grau – resultado do contacto íntimo com vítima de trauma.

Gary não sabia que a sua filha tinha sido violada até ler o seu diário, após o seu suicídio. Carrie não resistiu à “severa retaliação” de que foi vítima por parte de colegas e superiores no exército após ter acusado de violação um colega oficial.

Melissa Bania não deixou esquecer o abuso sexual de que foi vítima e colocou um "banner" acusatório diante das instalações da Marinha, em San Diego, onde o seu atacante mantém funções.

“Os predadores sabem escolher as suas presas”

“A maior parte das mulheres [que sofrem abuso sexual no Exército] não apresenta queixa”, disse em entrevista ao P3 a fotógrafa americana Mary F. Calvert, autora do projecto “Batalha Interior: Abuso Sexual no Exército Americano”. “Elas sabem o que acontece às mulheres que o fazem e não querem passar pelo mesmo. São poucas as mulheres que chegam a obter justiça.”

Estima-se que 26 mil mulheres sejam anualmente vítimas de abuso sexual e de violação no exército norte-americano. Apenas uma em cada sete mulheres apresenta queixa contra o seu agressor e apenas um desses casos chega a tribunal. “No exército, o factor hierárquico é importante. Acontece sobretudo entre homens de posição hierárquica superior e mulheres que sentem não ter qualquer poder contra eles. Os predadores sabem escolher as suas presas.”

As mulheres que avançam com uma queixa dentro da instituição ou que apresentam queixa-crime são quase invariavelmente vítimas de retaliação por parte dos colegas e instituição onde trabalham. “Existem duas formas de retaliação: a mais simples é quando os teus pares te maltratam e te isolam do grupo. A segunda forma é quanto a própria instituição te afasta, argumentando que tens um distúrbio de adaptação, o que significa que já tinhas um problema mesmo antes de te alistares no exército.”

Todas as vítimas convivem com o agressor, inicialmente, sem que nada possam fazer para evitar a sua influência sobre os demais. Segundo o relatório da Human Rights Watch, publicado no dia 18 de Maio do presente ano, “homens e mulheres que trabalham como militares e que reportam ataque de natureza sexual têm doze vezes mais hipóteses de experienciar algum tipo de retaliação do que de ver o seu atacante condenado”. "Os profissionais que reportam agressões sexuais experienciam um tipo de retaliação que não é punida” e que resulta "num ambiente hostil para o/a sobrevivente e na sensação de impunidade para o criminoso”.

As consequências psicológicas sobre os processos de retaliação manifestam-se de diferentes modos. O chamado Trauma Sexual Militar (Military Sexual Trauma - MST) inclui sintomas como a depressão, o abuso de substâncias, paranóia, sentimento de isolamento. As vítimas, segundo Calvert, “passam anos mergulhadas em vergonha e medo, o que vai devorando as suas vidas: muitas acabam por desenvolver dependência de álcool ou drogas, por se tornarem sem-abrigo ou cometerem suicídio”.

"É muito custoso fotografar sobre o tema do abuso sexual"

Apesar do impacto do projecto, Calvert nunca foi abordada ou ameaçada pelas instituições militares ou pelos agressores das mulheres que retratou. A sua página na Internet, no entanto, tem acesso vedado dentro de todas as instalações militares norte-americanas. “É um sinal de que me conhecem”, disse ao P3. “Já pedi autorização formal inúmeras vezes para fotografar dentro de bases miliares, mas negam sempre a minha entrada. A última vez que entrei numa base foi através do Washington Post. Só consigo aceder através de um jornal, nunca em nome individual.”

Fotografar estas histórias tem um custo. Mary F. Calvert confessa: “Acho que padeço de uma espécie de TSPT em segundo grau. Tenho pesadelos e acordo durante a noite. É muito custoso fotografar sobre o tema do abuso sexual, mas tenho consciência de que para mim é apenas uma fase e que isto irá desaparecer quando terminar estes projectos. Para estas mulheres, no entanto, é algo que fica para sempre e isso é muito difícil para elas. É uma honra para mim que se sintam à vontade para falar comigo. Quando elas vêem estas imagens agora, [um a dois anos depois de terem sido tiradas,] falam-me do quanto já evoluíram desde então e isso motiva-me. É a única coisa que me faz pensar que estou a fazer algo de bom no mundo.”

Actualmente e fora de instalações militares, Calvert desenvolve um projecto sobre mulheres abusadas sexualmente em contexto militar que se tornaram sem-abrigo. “Elas entraram numa espiral tal que tiveram problemas conjugais, que passaram a não conseguir cuidar dos seus filhos ou conviver com a família, a abusar de substâncias e ver-se, de repente, nas ruas a fazer o que podem para dormir debaixo de um tecto, seja no carro ou num abrigo para toxicodependentes, em qualquer lado. Elas são vítimas de violação e têm muito medo de dormir ao relento, fazem o que for preciso para dormir debaixo de um tecto.”

Calvert revelou que o abuso sexual de homens também se verifica em contexto militar. “Após a publicação massiva do projecto, muitos foram os homens que me contactaram confessando serem também vítimas de abusos sexuais. Assim que terminar este projecto, pretendo debruçar-me sobre isso. Preciso de uma pausa, mas irei investir o dinheiro da bolsa Eugene Smith Foundation na realização desse projecto.”

Mary F. Calvert dedica-se ao tema do abuso sexual em contexto militar desde 2013 e recebeu recentemente o terceiro prémio na categoria “Deeper Perspective” do concurso International Photography Awards. Este projecto já conheceu publicação no New York Times, Washington Post, Daily Mail, L’Oeil de la Photographie e continuará, segundo a autora, a ser disseminado tanto quanto possível. “Toda a gente deve ter conhecimento deste facto para que haja uma mudança efectiva”. Desde a publicação massiva do projecto, em 2013, a autora nota algumas melhorias ao nível da consciência colectiva sobre o fenómeno e sobre os aspectos legais que lhe estão relacionados. “Estão, neste momento, a tentar tipificar e enquadrar legalmente os processos de retaliação nesse contexto. É importante que de alguma forma quem retalia seja punido.”

Para a Human Rights Watch, “ninguém deve forçado a escolher entre reportar um caso de violação e permanecer no Exército”.