Marca italiana criticada por fazer entrevistas de emprego numa montra no Rossio

Candidatos a emprego numa loja em Lisboa foram entrevistados numa das montras perante quem passava no Rossio.

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O caso foi avançado na página do Facebook do grupo Precários Inflexíveis, o movimento criado por jovens trabalhadores precários, e até esta sexta-feira continuavam a surgir críticas a uma acção de recrutamento de trabalhadores realizada numa das montras da loja Tezenis situada no Rossio, em Lisboa.

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O caso foi avançado na página do Facebook do grupo Precários Inflexíveis, o movimento criado por jovens trabalhadores precários, e até esta sexta-feira continuavam a surgir críticas a uma acção de recrutamento de trabalhadores realizada numa das montras da loja Tezenis situada no Rossio, em Lisboa.

Uma fotografia publicada na página do grupo mostra uma enorme claquete onde se pode ler “Recruting Day [dia de recrutamento]. Entra no mundo do retalho Grupo Calzedónia!”. Em baixo uma pequena mesa na qual estão sentadas duas pessoas, dando a ideia de que se trata do entrevistador e de uma candidata a uma vaga de emprego.

A imagem é comentada pelos Precários Inflexíveis como “uma lamentável sessão de recrutamento” e um “triste espectáculo de exposição e vexação”. “O direito à privacidade é um dos direitos mais elementares de todos os trabalhadores, ainda mais no processo de contratação”, é acrescentado.

A fotografia foi entretanto replicada pela rede social, com comentários idênticos ao do grupo, e na página do Facebook da loja Tezenis no Rossio eram esta sexta-feira várias as dezenas de críticas à marca. “Fazer da procura de emprego um show é lamentável! Querem ser reconhecidos? Divulguem ou pratiquem uma política de recursos humanos que valorize as pessoas que um dia integraram a marca...”, escreve um utilizador. “Há coisas que devem ser privadas, não acho que seja vergonhoso procurar trabalho e até entendo o golpe de publicidade, mas usar anónimos que necessitam de emprego é jogo sujo”, partilha um outro.

Esta sexta-feira, a página do Facebook da Tezenis tinha já retirado as fotografias que tinha partilhado sobre a acção de recrutamento.

O PÚBLICO tentou o contacto com a Calzedónia Portugal, grupo ao qual pertence a marca Tezenis, bem como com a sede da empresa em Itália, mas, até ao momento, não obteve qualquer reacção às críticas que lhe estão a ser apontadas. Desconhece-se se este tipo de acção de recrutamento é uma prática habitual da marca em Portugal ou noutras representações da Tezenis noutros países.

Precários vão recorrer à ACT
Os Precários Inflexíveis consideram que "há certos limites na maneira como as empresas fazem a promoção de imagem" e adiantaram ao PÚBLICO que vão apresentar uma queixa na Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). 

Adriano Campos, dos Precários, afirma que a Calzedónia "já é conhecida por pagar mal aos seus funcionários e de promover uma política de precariedade". O caso na loja da Tezenis "acaba por ir contra o direito básico à privacidade no processo de candidatura a um emprego". "Há um elemento de exposição clara [da candidata] e o uso da montra para a realização da entrevista é feita de uma forma vexatória. Qualquer pessoa via aquele espectáculo", observou. 

“É chocante”, reage, por sua vez, Fausto Leite, advogado especialista em direito laboral, que classifica esta acção de recrutamento como “humilhante” e “uma atitude oportunista que devia envergonhar a empresa”. “Aproveitam o drama do desemprego e expõem de forma humilhante as pessoas que andam à procura de emprego”, lamenta.

Do ponto de vista legal, o advogado considera que esta iniciativa “ofende a dignidade dos candidatos”, lembrando que esse “é o princípio matricial do direito e da constituição do trabalho”.

Além disso, acrescenta Fausto Leite, esta prática “ofende o princípio da igualdade no acesso a emprego e no trabalho e da proibição de discriminação”, previstos nos artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho.

Para o advogado, “a Autoridade para as Condições de Trabalho devia intervir” junto da empresa.

O PÚBLICO questionou a ACT sobre eventuais indícios de violação da legislação laboral e se irá actuar, mas ainda aguarda uma resposta.