Quase 40% dos suicídios são cometidos por idosos

Instituto Nacional de Medicina Legal analisou autópsias de 2013 e 2014. Nesses dois anos foram registados 767 suicídios de idosos.

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Há várias diferenças entre as mortes em meios urbanos e em meios rurais Pedro Cunha

Nos últimos dois anos, das 2067 autópsias a casos de suicídio que o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) conduziu, quase 40% disseram respeito a mortes de idosos, que representaram 767 óbitos. A esmagadora maioria dos suicídios ainda acontece em homens, com quase 600 suicídios, e há também diferenças entre as várias zonas do país e os métodos utilizados, explica ao PÚBLICO o vice-presidente do INLMCF e autor do trabalho, João Pinheiro. O especialista considera que estes dados merecem uma reflexão, no sentido de elaborar melhores estratégias de prevenção desta realidade junto das populações mais vulneráveis.

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Nos últimos dois anos, das 2067 autópsias a casos de suicídio que o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) conduziu, quase 40% disseram respeito a mortes de idosos, que representaram 767 óbitos. A esmagadora maioria dos suicídios ainda acontece em homens, com quase 600 suicídios, e há também diferenças entre as várias zonas do país e os métodos utilizados, explica ao PÚBLICO o vice-presidente do INLMCF e autor do trabalho, João Pinheiro. O especialista considera que estes dados merecem uma reflexão, no sentido de elaborar melhores estratégias de prevenção desta realidade junto das populações mais vulneráveis.

O trabalho O Suicídio de Idosos em Portugal: Estudo de 2 Anos de Autópsias, antecipado ao PÚBLICO e feito em parceria com José Vieira de Sousa, Maria Cristina de Mendonça, António Padilha e Jorge Rosmaninho, será apresentado na conferência anual do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), que começa nesta quinta-feira, em Coimbra, e que até sexta-feira acolhe mais de 400 especialistas. O encontro, que se realiza pela segunda vez, pretende impor-se como “grande evento científico da medicina legal e das ciências forenses em Portugal”.

“A missão do instituto nestes e noutros trabalhos é pôr os mortos ao serviço dos vivos. Todas as nossas autópsias têm um objectivo imediato de um caso concreto, como encontrar o culpado de um homicídio. Mas temos imensos dados que estão fechados e a nossa conferência serve para promover que estes resultados – que resolvem problemas concretos – sirvam depois para a comunidade científica, para investigar e prevenir situações como o suicídio de idosos”, frisa João Pinheiro. Sobre os suicídios em geral, o médico forense adianta que os dados do INMLCF indicam que os números não aumentaram com a crise e que se mantiveram estáveis na última década.

Mas o responsável sublinha o “grande peso” que os idosos têm, representando 37% do total de suicídios nos anos em análise, numa altura em que a população mais velha ocupa uma fatia cada vez maior e em que o Eurostat, Serviço de Estatística da União Europeia, estima que em Portugal a percentagem de pessoas com idade igual ou superior a 80 anos tenha um peso de 5,5% e que este valor ultrapasse os 15% em 2080. O vice-presidente do instituto alerta, também, que os dados dos óbitos pecam por defeito, uma vez que existem casos em que os procuradores dispensam a realização de autópsia.

Distritos com mais casos
Concretamente sobre os idosos, João Pinheiro destaca que “Lisboa, Porto, Faro, Setúbal e Santarém” são os cinco distritos com mais casos de suicídios acima dos 65 anos. Contudo, ressalva que é preciso cruzar estes dados com o peso da população dessas mesmas zonas. Mais importante, defende o médico, é a importância que os antecedentes psiquiátricos parecem ter neste desfecho. Menos expressivos mas também presentes estão os casos de pessoas com cancro ou com as chamadas comorbilidades, isto é, que acumulam várias doenças, como hipertensão, diabetes e outras patologias próprias da idade.

“Os antecedentes psiquiátricos, nos casos em que foi possível apurar, revelaram-se estatisticamente significativos como factor de risco para o suicídio precoce. As pessoas que tinham estes factores de risco suicidaram-se mais cedo do que as outras dentro do grupo dos idosos, com uma média de 74 anos. É uma associação forte e em termos de estratégia de prevenção este é um factor importante. O acompanhamento psiquiátrico destas pessoas pode ajudar a prevenir o suicídio”, insiste João Pinheiro, que apela a um debate alargado sobre estas temáticas.

O dirigente do INMLCF reitera que é importante que a sociedade encontre mais respostas para o “isolamento, doenças, falta de apoio familiar, perda de autonomia e algumas dificuldades financeiras” que levam os idosos a caminhar para esta solução extrema. Na amostra total das 767 autópsias de idosos a idade média ultrapassou os 76 anos. O tema do isolamento foi destacado recentemente pela GNR, aquando da divulgação, em Maio, da Operação Censos Sénior 2015, em que esta força de segurança identificou mais de 5200 idosos a viverem sozinhos, isolados ou com limitações físicas e psicológicas. Os militares da GNR sinalizaram 39.216 pessoas com mais de 65 anos em situação precária, quando em 2011 eram 15.596 idosos nessas condições.

Quanto à localização das mortes, o trabalho agora dado a conhecer pelo INMLCF permitiu também apurar que, em 2013 e 2014, dos mais de 700 suicídios houve quase 600 localizados no litoral, 160 no interior e 12 nas ilhas. Quanto a uma divisão entre sul, centro e norte, foram registadas 400 autópsias, 175 e 180, respectivamente. No entanto, João Pinheiro alerta, mais uma vez, que falta aprofundar estas tendências cruzando estes dados com o total de população de cada uma das áreas.

Apesar disso, o médico legista diz que é possível identificar algumas diferenças, sobretudo entre as zonas rurais e as zonas urbanas e entre sexos. “Os homens preferem os métodos mais violentos, como consta da literatura e os nossos dados replicam. Preferem em geral os enforcamentos e as armas de fogo, enquanto as mulheres preferem os chamados métodos mais soft. Só uma mulher recorreu a arma de fogo nestes 700 casos. Predominam os afogamentos, que na nossa população é tipicamente em poços e em zonas rurais e as intoxicações com pesticidas”, adianta.

João Pinheiro refere que, ao contrário do que se possa pensar, os medicamentos não são um método usual. Só foram registados nove casos, contra 60 de pesticidas. Destaca também o “número impressionante” de enforcamentos, que ultrapassa os 400, e que predominam nos meios rurais, com as chamadas lesões traumáticas, como as quedas de zonas altas, a serem mais frequentes em meios urbanos. Depois dos enforcamentos, as armas de fogo foram o método mais utilizado, seguidas pelo afogamento, pesticidas e precipitação (quedas).