Álcool no Irão, arriscas?
No Alcorão, o álcool é rasteira de Satanás. Para nós, não é caso para tanto. Espera-nos o Inferno? Será que bebemos no Irão?
“Rui, recordas-te da pergunta que me fizeste hoje? A pessoa que te passou o telemóvel pode ajudar-te. E tem um apartamento perto do hotel…”, diz-me voz familiar do outro lado da linha.
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“Rui, recordas-te da pergunta que me fizeste hoje? A pessoa que te passou o telemóvel pode ajudar-te. E tem um apartamento perto do hotel…”, diz-me voz familiar do outro lado da linha.
A conversa tem poucos segundos. E é básica. A minha interlocutora tenta ser explícita, sem nunca mencionar o nome do "pecado": álcool. Estou no lobby do hotel e a recepcionista, já em momento de folga, tenta ajudar-me. O seu contacto, que supostamente nos vai ajudar a prevaricar, esperava-me na recepção. Hoje, o "menu" contempla apenas whisky, duas garrafas para dez pessoas. Só terei de dizer “sim".
O todo-poderoso Islão proíbe o álcool. Não é novidade, embora poucos no mundo ocidental entendam as razões: o Alcorão justifica a medida com o facto de o vinho, cerveja e afins alterarem a consciência do ser humano, sendo-lhe, inevitavelmente, prejudicial.
A ausência de livre arbítrio e a inflexibilidade com que a religião trata o álcool parece questão de menor importância para os fiéis do Islão. Não para mim. Não para o grupo bornfreee. Estamos no Irão e o desafio é encontrar — e, obviamente, consumir — álcool. No meu caso, suspiro por um bom tinto.
O tema é tabu. As opiniões são diversas e sobra quem defenda este dogma com fé cega. Mesmo entre os jovens. “São apenas duas semanas, Rui. Não achas que aguentas sem beber?”, questionara-me “B”, antes de eu partir para o seu país. “Na verdade, sem um bom vinho tinto, tudo tem menos… sabor”, retorqui.
Ainda assim, nos vários lugares onde, discretamente, pergunto por álcool, a regra é tentar ajudar: “Para os estrangeiros é complicado, mas para os iranianos é muito fácil”. Ouço a mesma resposta uma e outra vez. O que faz supor que “virtudes públicas, vícios privados” é regra de ouro por estas bandas.
“Se não tiveres um contacto confiável, arrisca num supermercado. Mas faz a pergunta a sós, sem mais ninguém ouvir. Apenas tu e o funcionário”, advertem-me. Não me dão sermões e serenam-me quanto ao êxito da missão.
No Alcorão, o álcool é rasteira de Satanás. Para nós, não é caso para tanto. Espera-nos o Inferno? Será que bebemos no Irão?