A actividade física dos idosos no Porto: elas vão às compras e eles a qualquer lado
A população portuguesa é a sexta mais envelhecida do mundo e quase metade vive em cidades. Estudo ilustra a importância do planeamento urbano no envelhecimento activo, ao verificar que os espaços de lazer na cidade do Porto estimulam a actividade física nas mulheres mais velhas.
Será que as características de um bairro podem influenciar a actividade física dos residentes mais velhos? Um estudo de investigadores da Universidade do Porto indica que sim. A presença de parques e outros espaços de lazer na cidade do Porto contribuem para aumentar os níveis de actividade física dos idosos. Mas apenas nas mulheres, pois nos homens o ambiente parece não ter influência.
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Será que as características de um bairro podem influenciar a actividade física dos residentes mais velhos? Um estudo de investigadores da Universidade do Porto indica que sim. A presença de parques e outros espaços de lazer na cidade do Porto contribuem para aumentar os níveis de actividade física dos idosos. Mas apenas nas mulheres, pois nos homens o ambiente parece não ter influência.
“São ainda poucos os trabalhos científicos que estudam as relações entre o ambiente urbano e os comportamentos de saúde”, diz ao PÚBLICO Ana Isabel Ribeiro, a primeira autora do artigo científico publicado em Junho na revista BMC Public Health e já classificado como “muito consultado”. Coordenado por Maria de Fátima Pina, do do Instituto de Engenharia Biomédica (Ineb), este é o primeiro estudo feito num país do Sul da Europa relacionando a prática de actividade física dos idosos com as características do ambiente urbano, usando medidas objectivas e sistemas de informação geográfica.
Ana Isabel Ribeiro é investigadora do Ineb e do Instituto de Saúde Pública, ambos da Universidade do Porto, e este trabalho faz parte da sua tese de doutoramento, que procura compreender em que medida o contexto à volta da residência afecta a sobrevivência dos idosos e o envelhecimento activo.
Trata-se de um fenómeno mundial, a população está cada vez mais envelhecida e com cada vez mais habitantes a viver nas cidades. Mas no caso da população portuguesa as mudanças têm sido drásticas: enquanto em 1960 existiam 27,3 idosos por cada 100 jovens, em 2011 no censo à população esse número passava para 127,8 idosos por cada 100 jovens. As projecções do Instituto Nacional de Estatística prevêem que em 2060 se chegue aos 300 idosos por cada 100 jovens. “É portanto fundamental estudar esta população de idosos e perceber o que podemos fazer para melhorar a sua qualidade de vida e estado de saúde, permitindo assim que vivam mais anos saudáveis”, diz Ana Isabel Ribeiro.
As sondagens do Eurobarómetro indicam que os países do Sul da Europa são os mais envelhecidos e os mais inactivos da Europa. Apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde apontarem a prática de actividade física como um factor importante para um envelhecimento activo, Portugal continua a ser um dos países com uma maior proporção de população inactiva.
“O nosso objectivo era perceber quais as características das cidades que facilitam ou desmotivam a prática de actividade física entre idosos, uma vez que a população mais idosa é mais vulnerável às condições do bairro de residência”, explica a cientista.
Diferenças entre sexos
Neste trabalho foram estudadas 532 pessoas com mais de 65 anos, residentes nas várias zonas da cidade do Porto e participantes no projecto EPIPorto, entre 2005-2008. O EPIPorto é um projecto do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto que acompanha e estuda ao longo do tempo 2485 adultos habitantes daquela cidade, para avaliar os factores determinantes da saúde da população.
No estudo consideraram-se todas as actividades não sedentárias praticadas mesmo durante pouco tempo: ligeiras (como caminhada leve, golfe, bilhar ou ténis de mesa), moderadas (andar a passo rápido ou dançar), e vigorosas (correr, jogar futebol ou basquetebol). Andar, jogar bilhar ou ténis de mesa eram as actividades eram as mais praticadas pelos idosos.
Resultado: os investigadores verificaram que a prática de actividades físicas de lazer não estava relacionada com as características do seu bairro, como a densidade populacional, a inclinação, a distância do mar, os espaços verdes, as zonas ribeirinhas, o nível socioeconómico ou a taxa de criminalidade.
No entanto, para as pessoas que já têm algum tipo de actividade física no seu dia-a-dia, seja ligeira, moderada ou vigorosa, a presença de parques e de outros destinos de lazer perto de casa fazia-as mexerem-se mais. Além disso, os resultados mostram que parques e de outros destinos de lazer perto da residência aumentam a actividade.
Em particular, nas mulheres idosas que praticavam algum género de actividade sobressaem dois factores importantes. O tempo dessa actividade estava relacionado com a proximidade de áreas verdes e de outros pontos de interesse na cidade, como lojas, igrejas, bibliotecas e escolas: quanto mais próximos estavam, maior era o tempo de actividade física diária. Todos esses espaços eram importantes e promoviam a deslocação pedestre. Pelo contrário, nos homens que praticavam actividade física de lazer não se verificava a mesma relação causal: “Os homens fazem actividade física em qualquer lado”, continua.
“A maior susceptibilidade das mulheres a factores ambientais está muito bem documentada”, explica Ana Isabel Ribeiro. “Os homens em todas as idades fazem mais actividade física e desporto do que as mulheres e tendem a estar menos confinados à esfera doméstica e às imediações da residência. As mulheres, especialmente as mais idosas, acabam por se movimentar num raio mais restrito em torno da residência, estando portanto mais sujeitas aos seus efeitos positivos e negativos.”
O estudo indica também que a criminalidade na área de residência não parece ter um efeito dissuasor da prática de actividade física, ao contrário do que se verifica em cidades do Norte da Europa e dos Estados Unidos. Na opinião dos investigadores, este facto pode estar relacionado com o contexto social português, em que há mais interacções sociais e laços familiares nas cidades. “Este é o primeiro estudo desta natureza no Sul da Europa, onde o contexto é diferente. Pensamos que os idosos estejam protegidos do crime pelas redes sociais que existem nas cidades.”
As conclusões deste trabalho reforçam a importância de melhorar o ambiente para as camadas mais velhas da população. Para divulgar estes resultados, a equipa já apresentou este estudo à Câmara Municipal do Porto. Esta cidade integra a Rede Mundial de Cidades e Comunidades Amigas dos Idosos desde 2010. Promovida pela Organização Mundial da Saúde, esta rede, que integra mais 21 cidades e vilas portuguesas, tem o objectivo de tornar estes espaços em bons locais para se envelhecer.
“Os nossos resultados são úteis para os planeadores urbanos, que poderão definir prioridades nos investimentos com base nestas conclusões. Se calhar, ao invés de apostar prioritariamente nos equipamentos desportivos, deverá ser feita uma aposta nas infra-estruturas verdes e na diversidade de usos do solo – coexistência de serviços, lojas, locais de culto, escolas, espaços culturais e outros pontos de interesse nas áreas residenciais –, pois, como o inquérito europeu Eurobarómetro reporta, são esses os locais preferencialmente escolhidos pela população para fazer actividade física” remata a investigadora.
Texto editado por Teresa Firmino