Os novos criadores de “noti´cias”
O “golpe de Estado” que Portugal sofreu galgou de tal forma as fronteiras nacionais que, no Twitter, muitos dos utilizadores britânicos chegaram mesmo a reclamar junto da BBC a ausência de cobertura sobre um acontecimento tão importante
Portugal acaba de sofrer um golpe de Estado (nas redes sociais). Depois de, há cinco anos, termos assistido, em tempo real, à Primavera Árabe — um movimento civil que, potenciado pelo poder das redes sociais, conseguiu derrubar vários governos ditadores do norte de África —, esta semana presenciámos um novo golpe, agora em Portugal, mas que, na realidade, nunca existiu.
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Portugal acaba de sofrer um golpe de Estado (nas redes sociais). Depois de, há cinco anos, termos assistido, em tempo real, à Primavera Árabe — um movimento civil que, potenciado pelo poder das redes sociais, conseguiu derrubar vários governos ditadores do norte de África —, esta semana presenciámos um novo golpe, agora em Portugal, mas que, na realidade, nunca existiu.
Após a declaração polémica do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, indigitando Pedro Passos Coelho para primeiro-ministro, bastaram três dias para que alguns internautas “com graça” criassem a "hashtag" #PortugalCoup e provocassem, em apenas 72 horas, a publicação de mais de 32 mil "tweets". Se este número é, por si só, surpreendente, o que dizer do facto de grande parte dos "tweets" serem de internautas que se encontram no Reino Unido? O “golpe de Estado” que Portugal acaba de sofrer galgou de tal forma as fronteiras nacionais que muitos dos utilizadores britânicos chegaram mesmo a reclamar junto do canal nacional, a BBC, a ausência de cobertura sobre um acontecimento tão importante na terra dos mais antigos aliados do seu país.
E como devemos nós, portugueses, mais ou menos nacionalistas, encarar esta situação? Devemos digerir a polémica com leveza? Esboçar um breve sorriso? Partilhar algumas das imagens absurdas com os nossos amigos — claro, nas redes sociais —, ampliando ainda mais o efeito deste falso acontecimento? Ou será que devemos parar e pensar um pouco no que isto significa?
Esta brincadeira espelha a forma como os internautas consomem, hoje em dia, a informação. Um "scroll" rápido, uma leitura na diagonal... A situação mostra-nos o poder que alguém no mundo, numa visita rápida ao seu "news feed", ao ler de relance uma notícia, digerindo-a rapidamente e assumindo-a como mais uma verdade, pode ter. Terá sido o que aconteceu neste caso? Verdade ou não, intencional ou nem por isso, a realidade é que a polémica se instalou e assim ficou. Até porque depois não se viu nenhum post oficial que a desmentisse, porque não há como assumir publicamente sobre uma falsa notícia que não se sabe quem criou.
E ficamos assim. Nunca saberemos o impacto que teve ou terá no nosso país, se terá feito com que alguém que iria visitar uma cidade portuguesa mudasse os planos ou mesmo se algum negócio com uma empresa portuguesa terá ficado em "stand-by" devido à instabilidade que o país atravessa. Assumindo exagero da reflexão — as pessoas acabarão, com certeza, por saber que se tratava de uma brincadeira — resta saber quanto tempo é que demorará até tal acontecer. Até porque a Internet nunca "esquece" nada.
Sejamos conscientes: Vamos usar o poder que as redes nos dão para assegurar relevância nas informações que partilhamos. Já nem digo verdade, porque isso, é demasiado elementar.