A mulher que queria ser amada

Ficção inspirada por personagens reais, Marguerite é um extraordinário retrato de mulher sublimando a sua infelicidade numa fantasia.

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O maior mérito de Marguerite é a tratar a personagem como uma mulher de corpo inteiro que apenas queria ser amada DR

A heroína de Marguerite, Marguerite Dumont de seu nome, nunca existiu, ao contrário da socialite americana que lhe serviu de base, Florence Foster Jenkins, ou da nossa Natália de Andrade – divas que nunca o foram e viveram durante anos convencidas da magnificência do seu (inexistente) talento vocal, que ficaram na história como exemplo maior da incapacidade de compreender que o amor à arte não é por si só suficiente para a existência de talento. A Marguerite do filme de Xavier Giannoli, aristocrata na Paris dos anos 1920, casada com um construtor civil pouco dado às artes, segue no geral o percurso da vida de Florence Foster Jenkins, a partir de um recital privado onde é “descoberta” por um artista radical e por um crítico em busca do novo, até ao seu “grande momento” de “consagração” num concerto público.

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A heroína de Marguerite, Marguerite Dumont de seu nome, nunca existiu, ao contrário da socialite americana que lhe serviu de base, Florence Foster Jenkins, ou da nossa Natália de Andrade – divas que nunca o foram e viveram durante anos convencidas da magnificência do seu (inexistente) talento vocal, que ficaram na história como exemplo maior da incapacidade de compreender que o amor à arte não é por si só suficiente para a existência de talento. A Marguerite do filme de Xavier Giannoli, aristocrata na Paris dos anos 1920, casada com um construtor civil pouco dado às artes, segue no geral o percurso da vida de Florence Foster Jenkins, a partir de um recital privado onde é “descoberta” por um artista radical e por um crítico em busca do novo, até ao seu “grande momento” de “consagração” num concerto público.

Mas Giannoli não está minimamente interessado em fazer de Marguerite um objecto de troça ou uma figura ridícula. Bem pelo contrário: olha à altura de homem para a sua heroína e para aqueles que a rodeiam, e pergunta-se quem verdadeiramente é a fraude – aqueles que acreditam genuinamente ou aqueles que se aproveitam? A ideia é perseguir e descobrir a verdade emocional desta mulher, compreender o que a faz refugiar-se numa fantasia inofensiva para os outros mesmo que potencialmente devastadora para si própria. Filmando com um classicismo sóbrio e requintado, que sugere um melodrama literalmente rodado nos anos 1940, Giannoli faz, com a ajuda inestimável de uma extraordinária Catherine Frot, um retrato de mulher desesperadamente procurando ser vista, que quer existir perante os outros como mais do que apenas a socialite excêntrica ou a esposa prudente. E, como ela, também as pessoas que a rodeiam, desde o mordomo devoto ao jornalista que nela reconhece uma vontade que ultrapassa a ausência de talento, são pessoas que dependem do olhar dos outros para se sentirem completos, em busca constante de um “público” que valide o seu trabalho.

Mesmo que o seu nome remeta imediatamente para a Margaret Dumont que brilhava nos filmes dos manos Marx, a Marguerite de Catherine Frot e Xavier Giannoli é uma mulher de uma fragilidade tocante por trás da sua ilusão férrea, alguém que apenas queria ser amada. E o maior mérito de Marguerite é de não a tratar como um fenómeno de circo ou uma freak em busca de 15 minutos de fama: antes como uma mulher de corpo inteiro que apenas queria ser amada.