Mais do que taxar carnes, deve estimular-se o consumo de vegetais
Direcção-Geral da Saúde sublinha a importância de consumir “alimentos protectores” para reduzir o risco de cancro do colón.
Mais do que taxar carnes processadas e vermelhas, porque a Organização Mundial de Saúde reforçou a ligação entre o seu consumo e o risco de cancro, o importante é tornar mais baratos alimentos “protectores” contra o cancro, como são os legumes e as frutas, defende o nutricionista José Camolas, do serviço de endocrinologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. "Taxar representaria mais um imposto em cima das pessoas”, diz, defendendo que é mais útil “a discriminação positiva de produtos saudáveis que continuam a ser demasiado caros". "É preciso torná-los muito mais baratos para o consumidor", sublinha o especialista e explica que "os efeitos dos alimentos são mediados por outros alimentos – é preciso haver alimentos que contrabalancem os impactos da ingestão das carnes.”
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Mais do que taxar carnes processadas e vermelhas, porque a Organização Mundial de Saúde reforçou a ligação entre o seu consumo e o risco de cancro, o importante é tornar mais baratos alimentos “protectores” contra o cancro, como são os legumes e as frutas, defende o nutricionista José Camolas, do serviço de endocrinologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. "Taxar representaria mais um imposto em cima das pessoas”, diz, defendendo que é mais útil “a discriminação positiva de produtos saudáveis que continuam a ser demasiado caros". "É preciso torná-los muito mais baratos para o consumidor", sublinha o especialista e explica que "os efeitos dos alimentos são mediados por outros alimentos – é preciso haver alimentos que contrabalancem os impactos da ingestão das carnes.”
No relatório tornado público esta segunda-feira, a OMS, através da sua Agência Internacional de Investigação do Cancro, colocou as salsichas, o bacon e o presunto no mesmo grupo de substâncias cancerígenas que o tabaco e o amianto. Já a carne vermelha (de vaca, de borrego ou de porco) foi classificada como sendo “provavelmente cancerígena”.
O nutricionista José Camolas refere que a oferta alimentar escolar tem cada vez mais a preocupação de diminuir o consumo deste tipo de alimentos. As orientações sobre ementas e refeitórios escolares 2013/2014, da Direcção-Geral da Educação, preconiza o “prato de carne e pescado em dias alternados”, as carnes vermelhas e algumas processadas fazem parte da lista de alimentos “autorizados” nas ementas, mas com moderação. Já as orientações para os bufetes escolares (bares das escolas) vão mais longe: o mesmo organismo coloca nos “géneros alimentícios a não disponibilizar” “o chouriço, salsicha, entre outros produtos de charcutaria ricos em lípidos e sal”, assim como os hambúrgueres e cachorros quentes.
Na sequência do comunicado da OMS, o PAN (Pessoas-Animais-Natureza), partido político que passou a ter um deputado no Parlamento, veio defender em comunicado que a informação deveria conduzir “à promoção junto de escolas públicas e privadas de alternativas alimentares vegetarianas”.
Reagindo ao relatório da OMS, o Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável, da Direcção-Geral da Saúde, informa no seu blogue (Nutrimento.pt) que as orientações “não são novas e estão de acordo com o preconizado pelas recomendações nacionais na área e até, de certa forma, pelas recomendações inscritas na Roda dos Alimentos Portuguesa”.
Ressalva-se, contudo, que a carne “continua a ser considerada um alimento importante para ser incluído moderadamente na dieta humana pelo seu elevado valor proteico, vitamínico e mineral”. Acrescenta-se que consumir diariamente “alimentos protectores” é fundamental para reduzir o risco de cancro do colón associado ao consumo de carne processada, como são a fruta e hortícolas em quantidade de pelo menos 400g diariamente, ou seja, duas sopas de hortícolas e três peças de fruta diariamente, para além do consumo de cereais integrais.
Assim, preconizam a ingestão do consumo de carne processada (enchidos, carne de fumeiro, chouriços, salsichas, carne enlatada…) “para momentos ocasionais ao longo do mês”, e a redução, “por precaução", do consumo de carne vermelha para valores até 500g por semana, notando que “a dose acima da qual existe risco comprovado ainda não está totalmente definida”.
O director do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, refere que “existe uma relação muito directa entre a ingestão de alimentos fumados e salgados em Portugal e o cancro do estômago”, sobretudo na região norte, algo que é resultado da tradição da “cultura da salgadeira”, que em tempos substituía o uso do frigorífico, um hábito que foi abandonado, o que teve reflexos na diminuição da incidência e morte por cancro do estômago nas últimas décadas.
Mas o médico diz que é preciso não esquecer que a carne é fonte de vitamina B12, de zinco e ferro. “O que é preciso é que pessoas façam consumo moderado”, até porque, diz, a OMS fornece com maior grau de certeza números em relação à carne processada. A organização explica no seu site que, "por cada 50 gramas de carne processada comida diariamente, o risco de cancro colorrectal aumenta em cerca de 18%". O médico aconselha a que as pessoas tentem substituir a carne por proteínas de origem vegetal, como é o caso das leguminosas.
Nuno Miranda explica que as agências governamentais vão reunir-se para discutir o que fazer depois do relatório da OMS, mas diz não antever a criação de medidas como taxas para tornar este tipo de alimentos mais caros. Questionado sobre esta possibilidade, o gabinete de imprensa do Ministério da Saúde respondeu ao PÚBLICO que “acompanha os riscos de saúde pública e não deixará de continuar a analisar a informação que vai chegando e sendo actualizada”.
Já a Comissão de Segurança Alimentar vai ter esta quarta-feira uma reunião extraordinária para análise do relatório da IARC. Além dos seus múltiplos membros, que incluem desde representantes dos ministério da Saúde, Economia, da Agricultura e do Mar, Deco, ASAE, desta vez vão também participar representantes da Ordem dos Nutricionistas e da Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes.
Notícia rectificada às 10h04. Substitui a frase "um consumo superior a 500 gramas por dia é um risco" para "por cada 50 gramas de carne processada comida diariamente o risco de cancro colorrectal aumenta em cerca de 18%".