Aquilo que nos põe a rir
Nisto do humor, como em tudo o resto, convém olhar para outros lados. Anda aí muito miúdo talentoso que há-de compôr o panorama humorístico português nos próximos tempos
Depois de um “boom” no início dos anos 2000, em especial por causa do fenómeno "Levanta-te e Ri", o "stand-up" português está hoje massificado. Ainda que o talento não abunde — tanto e tanto humorista de algibeira que nem míseros sorrisos consegue arrancar —, existem lugares para os quais não podemos deixar de olhar, ver, reparar.
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Depois de um “boom” no início dos anos 2000, em especial por causa do fenómeno "Levanta-te e Ri", o "stand-up" português está hoje massificado. Ainda que o talento não abunde — tanto e tanto humorista de algibeira que nem míseros sorrisos consegue arrancar —, existem lugares para os quais não podemos deixar de olhar, ver, reparar.
Temo que a minha atitude natural para o humor seja mais a de tentar entender a inteligência e as rodas dentadas a funcionar por dentro de uma piada, mas as gargalhadas de uma sala também são um bom barómetro de compreensão dos alcances dos humoristas nacionais. É inevitável falar de Ricardo Araújo Pereira, Nuno Markl e Nilton, consensuais e mais que assegurados no seu estatuto de mega estrelas lusas, mas os números não são tudo. Qualquer um destes está a chegar ao síndrome Herman José: um humorista de uma relevância histórica inigualável por quem as pessoas parecem ter perdido o interesse e — pior! — o respeito. Ser-se omnipresente e estar confinado ao modelo de piada que resulta pela repetição, como acontece de forma evidente com RAP, pode ser a queda inevitável do precipício.
Em relação a isto, tenho apenas um nome: Bruno Nogueira. Começou no "stand-up" mas não se atreve a deixar-se ficar pelas piadas. Desafia formatos, imiscui o humor noutros géneros (como aconteceu nos seus dois últimos projectos, "Som de Cristal" e "Deixem o Pimba em Paz") e não tem medo de soar ridículo ou exagerado, como tão bem se viu em "Uma Nêspera no Cu".
Noutro lugar do espectro, há meia dúzia de dias, tive a sorte de assistir ao mais recente solo de Rui Sinel de Cordes, “Je Suis Cordes”. Por muito que não faça o gosto de muita gente, este rapaz está a arrombar barreiras no humor nacional desde há muito a esta parte e continuará a fazê-lo, inevitavelmente. Seja neste solo (que será repetido no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, no próximo dia 9 de Novembro – a não perder!) ou no "Very Typical", a estrear em breve na SIC Radical, podemos esperar sempre mais do mesmo: rir das coisas erradas e, ao mesmo tempo, aprender que a vida é uma constante relativização dos problemas.
O futuro do humor está bem entregue, contudo. Arrisco dizer que o Môce dum Cabréste, encarnado pelo talentoso Dário Guerreiro, há-de ser uma das "next big things". Contratado há pouquíssimos dias para o "5 para a meia-noite" e youtuber desde 2010 com um público fiel e participativo, tem ainda mais graça no improviso. Asseguro-vos: tomar um café com este miúdo garante mais gargalhadas do que seria de esperar. Assim que as ideias sejam vertidas com maior atrevimento para a produção humorística, o Môce estoira no panorama nacional. O mesmo serve para um grupo ainda "underground", Trutas D'Avalon. Podia falar sobre eles, mas digo-vos que o brilhantismo falará por si próprio. Vejam-lhes os vídeos.
Nisto do humor, como em tudo o resto, convém olhar para outros lados. Anda aí muito miúdo talentoso que há-de compôr o panorama humorístico português nos próximos tempos. Nomes como António Raminhos ou Hugo Sousa não são novidade para muita gente, mas espreitar Carlos Pereira, Manuel Cardoso (e o seus Bumerangue) ou Daniel Carapeto, entre muitos outros, há-de dar boas surpresas a muita gente. Não tenham medo de rir.