Só 1% dos educadores de infância são homens
Muitos rapazes “evitam domínios para os quais se sentem efectivamente motivados e para os quais possuem competências apenas pelo facto de ‘serem coisas de mulheres’”. A actual situação que se vive no pré-escolar contribui para perpetuar estereótipos de género, dizem investigadoras.
Rafael e Martim, ambos com cinco anos acabados de fazer, terão mais hipóteses de um dia optar por uma carreira que implique cuidar de pessoas do que outros meninos da sua idade. É essa a convicção de investigadores em igualdade de género no mercado de trabalho, que consideram que a única maneira de combater os estereótipos é quebrá-los, como fez Luís Ribeiro, educador de infância, quando abriu as portas àqueles dois rapazinhos e a outras crianças, num jardim-de-infância de uma aldeia alentejana. Um passo muito pequeno, ainda assim, já que dos 16.143 docentes do pré-escolar do país, apenas 1% são homens.
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Rafael e Martim, ambos com cinco anos acabados de fazer, terão mais hipóteses de um dia optar por uma carreira que implique cuidar de pessoas do que outros meninos da sua idade. É essa a convicção de investigadores em igualdade de género no mercado de trabalho, que consideram que a única maneira de combater os estereótipos é quebrá-los, como fez Luís Ribeiro, educador de infância, quando abriu as portas àqueles dois rapazinhos e a outras crianças, num jardim-de-infância de uma aldeia alentejana. Um passo muito pequeno, ainda assim, já que dos 16.143 docentes do pré-escolar do país, apenas 1% são homens.
Nisto, Portugal não foge à regra, como frisa Sara Falcão Casaca, socióloga no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, que recentemente participou num evento organizado pela Comissão Europeia sobre este assunto. Com 99% de mulheres na profissão, Portugal está apenas 3,9 pontos percentuais acima da média Europeia. Uma situação que, na perspectiva de Sara Falcão Casaca e de outra investigadora sobre igualdade de género, Cristina Vieira, da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, tem origem “na ideia, muito enraizada, de que ser educador de infância é cuidar e de que cuidar é coisa de mulheres”.
“Dizemos que estamos perante um caso de serial carers: as mulheres é que cuidam dos filhos, dos companheiros, dos pais, dos sogros, dos avós…”, diz Cristina Vieira. E o modelo reproduz-se no sistema de ensino, completa Sara Falcão Casaca.
“A percentagem de homens na classe docente vai crescendo, de ciclo para ciclo, à medida que a tarefa se afasta do ‘cuidar’ e as funções adquirem características mais intelectuais científicas”, sublinha. Em linha, uma vez mais, com o que acontece na União Europeia. Só no ensino superior é que as posições se invertem, com as professoras (44%) a ficarem em minoria.
A questão, consideram ambas as investigadoras, é relevante, pelo que a actual situação contribui para o perpetuar dos estereótipos de género. Nos Guiões de Género e Cidadania, que constam de orientações curriculares validadas pelo Ministério da Educação e Ciência, o tema é abordado na perspectiva da orientação vocacional e em tom de preocupação. “Muitos rapazes e futuros homens evitam domínios para os quais se sentem efectivamente motivados e para os quais possuem competências apenas pelo facto de ‘serem coisas de mulheres’." O género acaba por afectar "aspirações, expectativas e escolhas vocacionais”, pode ler-se no guião para o 3.º ciclo do ensino básico, de que Cristina Vieira é uma das autoras.
No Guião de Género e Cidadania para a Educação Pré-escolar o ponto de vista é outro. Nele, defende-se, precisamente, a importância de “existirem mais educadores de infância do sexo masculino”.
“Enquanto organização social participada, o jardim-de-infância pode e deve proporcionar às crianças, de modo sistemático, uma das suas primeiras experiências de vida democrática” e, “para um trabalho que de facto promova uma maior igualdade de género, é fundamental que o cuidar das crianças pequenas deixe de ser considerado como uma tarefa predominantemente feminina”, pode ler-se no documento.
Desconfiança dos pais?
Terão, os homens, de enfrentar resistências para aceder à profissão de educador de infância? Cristina Vieira acredita que sim e diz ter relatos de educadores que tiveram de lidar com a desconfiança de pais das crianças. Luís Ribeiro e Nuno Freitas, dois dos educadores de infância contactados pelo PÚBLICO, asseguram que nunca tiveram qualquer dificuldade em ser aceites.
Com experiências muito diferentes — o primeiro trabalhou em zonas rurais do Alentejo e o segundo sempre na cidade de Coimbra — dizem ter sido recebidos com toda a naturalidade pelos pais e pelas crianças, quando iniciaram a carreira. E, antes disso, nas escolas superiores de educação em que estudaram, quer pelas colegas (Nuno Freitas era o único homem no curso e Luís Ribeiro fazia parte de um grupo de dois), quer pelos professores. Ambos contam que os amigos se metiam com eles, sim, mas em tom de inveja brincalhona, por terem escolhido cursos quase exclusivamente de mulheres.
As experiências de um e de outro parecem confirmar, também, a apreciação de Sara Falcão Casaca, que no âmbito da investigação que fez sobre questões de género concluiu que, “ao contrário das mulheres, que num ambiente de trabalho masculino encontram um tecto de vidro que as impede de subir na carreira”, os homens são muitas vezes brindados, “pelas próprias colegas, com uma escada rolante para as funções de topo”.
Nem melhores, nem piores
Apesar de manter contacto com crianças, nomeadamente quando é necessário substituir uma educadora, Nuno Freitas, de 37 anos, é agora director do Jardim de Infância dos Serviços Sociais da Universidade de Coimbra; Luís Ribeiro, de 52 anos, esteve muito tempo a exercer funções na Direcção Regional de Educação do Alentejo e, depois, na direcção do agrupamento escolar de que faz parte. Nenhum considera, no entanto, ter tido acesso aos cargos por ser homem. “Não seria justo pensar que assim é. Basta ter em conta que será, no mínimo, invulgar, que um educador de infância seja escolhido para director, através de eleições, pelos seus pares, num agrupamento em que há docentes de todos os níveis de ensino”, comenta Luís Ribeiro.
Num aspecto todos parecem estar de acordo — as investigadoras e os próprios. Não é por pertencerem ao sexo masculino que os educadores de infância oferecem mais, menos ou algo de diferente daquilo que uma mulher, educadora, pode dar.
As mães de dois dos meninos a quem Luís Ribeiro abre as portas do jardim-de-infância de Portel, no Alentejo, todas as manhãs, também não associam a qualidade do educador ao facto de ser homem. “Ele é um belíssimo educador, na forma como espicaça a curiosidade das crianças e aproveita qualquer pretexto para os ensinar. Mas essa é uma coisa que uma mulher, se for boa educadora, também pode fazer”, comenta Carla Gonçalves, mãe de Rafael.
Eunice Charrua, mãe de Martim, considera que o que distingue Luís Ribeiro de outras educadoras que conhece não é o facto de ser homem, mas “a paixão pelo que faz”. “Quando uma criança de cinco anos aparece a querer ouvir ‘O comboio descendente’, de Zeca Afonso, e sabe explicar que a letra é de Fernando Pessoa, é porque o educador é especial, sim, mas pela capacidade de cativar os miúdos, que o adoram, e de os ensinar.” Isso, nota também, “não tem nada a ver com ser homem ou mulher”.