A Benetton já não é adolescente e quer ser um adulto responsável
Marca italiana vai pagar dois milhões de euros para melhorar a vida das mulheres que trabalham na indústria têxtil.
Onde está a Benetton das campanhas polémicas de Oliviero Toscani, o fotógrafo italiano sem pudor que, nas décadas de 1980 e 1990, mostrou como se morria de SIDA, os barcos de refugiados ou que os corações das diferentes etnias são iguais? Cresceu e amadureceu, responde John Mollanger, director de Produto e de Marketing da United Colors of Benetton (UCB).
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Onde está a Benetton das campanhas polémicas de Oliviero Toscani, o fotógrafo italiano sem pudor que, nas décadas de 1980 e 1990, mostrou como se morria de SIDA, os barcos de refugiados ou que os corações das diferentes etnias são iguais? Cresceu e amadureceu, responde John Mollanger, director de Produto e de Marketing da United Colors of Benetton (UCB).
Em Treviso, Itália, a marca junta cerca de uma centena de jornalistas e bloggers de moda – oriundos de todo o mundo, do México ao Japão, passando pela China e desaguando no continente europeu – para revelar a sua nova colecção, mas, sobretudo para mostrar que mudou ou, pelo menos, que quer mudar, mas sem nunca esquecer a responsabilidade social, diz o responsável.
E essa mudança faz-se através de uma intervenção mais activa no mundo, mais concretamente na defesa dos direitos das mulheres. A UCB lançou na quinta-feira o Programa de Emancipação das Mulheres, para promover e defender os direitos das mulheres em todo o mundo. E isso faz-se com a campanha publicitária da venda do produto (já lá vamos), mas sobretudo através de um projecto para cinco anos com um custo de dois milhões de euros. Objectivo: ajudar as mulheres que trabalham na indústria têxtil, por exemplo, nos países asiáticos, a terem melhores condições de vida.
O projecto vai ser posto em prática através de parcerias público/privadas promovidas com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável de apoio aos direitos humanos e ao desenvolvimento, anuncia Gianluca Pastore, director global de comunicação da marca. “Queremos contribuir para a mudança da sociedade”, declara.
Em termos práticos, a Benetton não pode chegar a uma fábrica no Sudoeste Asiático ou da Turquia, como faz questão de lembrar uma jornalista daquele país que assinala que aí não existem sindicatos que defendam os direitos dos trabalhadores, e dizer que só trabalha com aquela unidade se as condições de trabalho melhorarem. “Somos pequenos perante os gigantes desta indústria”, reconhece Gianluca Pastore. No entanto, a marca tem um acordo com essas empresas onde estão previstas auditorias externas para monitorizar se os direitos dos trabalhadores são respeitados, salienta Mariarosa Cutillo, directora do departamento de responsabilidade social do grupo Benetton.
Mas, em vez de enfrentar os patrões ou os governos daqueles países, a UCB vai colaborar com quem já está próximo dos trabalhadores e, espera, que outras marcas lhe sigam os passos e, num futuro próximo, também contribuam para que as trabalhadoras tenham uma vida melhor e, por consequência, os seus filhos.
A ideia não é de agora – Mollanger faz questão de sublinhar que a “responsabilidade social está no DNA da Benetton” –, mas vem sendo construída desde que a marca começou a colaborar com a agência da ONU para as mulheres (a UNWomen, na sigla inglesa), conta Mariarosa Cutillo, que quer que estas mulheres tenham melhores condições de trabalho para que vivam com dignidade, que não sejam discriminadas e tenham igualdade de oportunidades, que tenham acesso a saúde e educação e que não sofram de violência doméstica.
Basicamente, estes são os cinco objectivos do programa da ONU, reconhece Mariarosa Cutillo, mas que podem ser concretizados, numa primeira fase através da realização de actividades que melhorem a vida das mulheres. A responsável traça o cenário actual: no mundo, há 250 milhões de raparigas que foram obrigadas a casar antes dos 15 anos; segundo números da Organização Internacional do Trabalho, 30% das mulheres trabalha sem contrato ou não é remunerada; 31 milhões de raparigas em idade escolar não vão à escola; e a cada dois minutos morre uma mulher por complicações no parto.
Programas monitorizados
Então onde vão ser aplicados os dois milhões? Em acções de formação para as mulheres e famílias sobre questões como os direitos básicos e a igualdade, ou como aceder ao microcrédito e a outros apoios financeiros. Através de acções de sensibilização para a saúde delas e dos filhos. Mais: com programas específicos para as fábricas onde trabalham, por exemplo, apoiando a criação de um centro de dia ou um infantário para os filhos das trabalhadoras, tal como a própria Benetton tem, diz Gianluca Pastore.
A proposta é que as mulheres que trabalham na indústria têxtil tenham “empregos decentes, devidamente remunerados e em locais de trabalho dignos”, resume Mariarosa Cutillo, acrescentando que a marca pretende intervir nos países com os quais trabalha, mas também noutros. Afinal, as mulheres são a principal força de trabalho na indústria têxtil, reforça Chiara Mio, professora da Universidade Ca’Foscari de Veneza, especialista em responsabilidade social das empresas e escolhida pela marca para presidir ao Comité de Sustentabilidade, que vai pôr o projecto no terreno.
Os dois milhões são para os programas que a UNWomen já leva a cabo, mas também para parcerias com agentes locais, organizações não governamentais e governos. “Pôr o sector privado a puxar pelo público que, muitas vezes, é surdo a estes assuntos”, critica Mariarosa Cutillo. Todos os programas serão monitorizados, assegura Chiara Mo, para garantir que as mulheres estão, de facto, a alcançar uma melhor qualidade de vida.
“Queremos um modelo que seja replicável. Nesta indústria há gigantes 20 a 30 vezes maiores do que a Benetton. Imaginem o que podem fazer?”, lança Gianluca Pastore aos jornalistas. “Queremos usar a [nossa] marca, que é admirada historicamente, e pôr todos a debater, pôr toda a indústria a pensar e a envolver-se”, acrescenta.
Nova colecção, nova marca?
Além do Programa de Emancipação das Mulheres, a Benetton apresentou a nova colecção de malhas. Chama-se “A collection of us”, é um regresso ao passado e à génese da empresa que nasceu perto da mítica cidade de Veneza, em Treviso, de onde saíram as suas primeiras peças: camisolas e casacos de malha.
Na antiga fábrica, entretanto desactivada, encontra-se o arquivo da UCB, onde está a “alma” da empresa, reforça Mollanger. É ali que estão as velhas glórias como os carros de Fórmula 1, os troféus e as fotografias de Michael Schumacher a festejar as vitórias; os cartazes das campanhas desde 1965, a marca celebra 50 anos, passando pelas fotografias polémicas e incómodas de Toscani, e evoluindo para a simples apresentação do produto, com cartazes preenchidos por modelos felizes e com roupa colorida.
É ali que estão os produtos icónicos lançados pela marca, que “são a inspiração para o nosso futuro”, insiste o director de Produto e de Marketing, junto a uma instalação com dezenas de camisolas de malha de antigas colecções. Por detrás dele existem centenas de pastas de arquivo, coloridas, com as campanhas e promoções que a empresa foi fazendo ao longo dos anos, colocadas em estantes de alumínio.
É na porta ao lado, nos estúdios fotográficos, que a nova colecção de malhas está exposta. Os criadores inspiraram-se nos modelos antigos e é possível, apenas olhando para as camisolas, imaginar as avós e as mães envergando aquelas malhas. É uma viagem da década de 1960 até aos dias de hoje, numa colecção que está à venda a partir deste mês. O tema, claro, é o “arquivo”.
Segue-se, noutro estúdio, outra colecção cápsula inspirada no bailado Quebra-nozes para lançar em Dezembro, com malhas suaves e sofisticadas, adequadas à época festiva. Noutra sala, entramos no Carnaval, a ser lançada em Fevereiro, com malhas alegres inspiradas no Carnaval de Veneza e, em Abril, é a vez de ser conhecida uma colecção vocacionada para usar no ginásio e na rua, por quem pratica desporto – é a aposta da Benetton para entrar numa área dominada pelas grandes marcas de desporto, informa Mollanger que antes da Benetton esteve na Asics.
No corredor entre os estúdios, de contra a parede, estão expostos os cartazes que marcarão presença nas ruas e nas montras. Em fundo branco – uma espécie de marca regista das campanhas da UCB – estão mulheres bonitas, quatro caucasianas e uma asiática, de diferentes idades, vestidas com as malhas. A mais velha lutou pela emancipação sexual das mulheres; a mais nova, a adolescente, sofreu de bullying na escola; a de 40 anos luta por manter uma carreira e uma vida pessoal; a asiática por conquistar um lugar no mundo dos homens; a que anda na casa dos 30 fala das relações falhadas.
Cada uma tem uma história para contar, uma mensagem para transmitir. É a emancipação feminina a cinco vozes. A marca está a redefinir a sua estratégia? Mollanger começa por dizer que a génese da marca, o seu DNA, são as malhas. “A Benetton foi construída porque aqui existem pessoas que sabem fazer coisas especiais com as agulhas. Tricotar continua a ser uma paixão.” E que a campanha publicitária surge na continuidade do trabalho feito, mas é inovadora porque “não é uma campanha centrada na responsabilidade social [como eram as de Toscani], nem de produto, mas é tudo junto”. “E isso é uma importante mudança”, declara.
Mas a pergunta é repetida de outra maneira. Como é que se muda de campanhas incómodas, que falam de temas polémicos como a sida, a homossexualidade ou o conflito israelo-palestiniano, para uma campanha sobre mulheres? Por que não os refugiados? Gianluca Pastore vem em socorro de Mollanger para dizer que a marca tem trabalhado de perto com a ONU essa questão. E concorda: “A Benetton foi a primeira a procurar uma reacção, não nos consumidores mas nas pessoas em geral, a pedir às pessoas que se comprometessem, em campanhas onde o produto não era mencionado.” Agora, a marca cresceu, deixou de ser um adolescente que aponta o dedo ao que está mal, mas um adulto que quer intervir, diz Mollanger. “Não queremos só mostrar o problema mas ajudar a solucioná-lo”, acrescenta, e isso passa por destacar as mulheres.
A campanha e a colecção chama-se “A collection of us”, porque quer envolver todos e contribuir para a mudança, não só das mulheres exploradas pela industria têxtil mas das mulheres em geral, chamando a atenção para os problemas com que se confrontam e querendo fazer parte da solução. “Amadurecemos e o mundo amadureceu”, conclui Mollanger. O PÚBLICO viajou a convite da United Colors of Benetton