Euforia nos mercados

Mais uma semana atípica na bolsa da política. O PS investiu tudo no mercado secundário, comprando as acções especulativas do PCP e do Bloco de Esquerda. Será um capital seguro para António Costa ou é golpe de Estado e bancarrota certa, como histerizam a PàF e os comentadores.

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O meeting mais revolucionário da história do neoliberalismo começou há dias na estátua do touro de bronze de Wall Street, um dos sítios mais encantadores que o dinheiro pode comprar.

Porque ali, debaixo do comprido par de cornos, não faltava dinheiro: os corretores da bolsa de valores, as agências de notação, os bancos de investimento sentiam-se tão ricos e de “cofres cheios” como aquele país europeu com 130 por cento do PIB de dívida pública e défice de 7,2 por cento. De Nova Iorque até à capital desse extraordinário país, Lisboa era uma simples linha recta por cima do Atlântico.

Todos os presentes engoliram, na banquinha do passeio, um hot dog e uma coke para selarem um compromisso de proximidade momentânea (a taxa de juro zero) com os seres humanos do mundo que têm mesmo de trabalhar para viver. Alguns até deixaram gorjeta ao dono da banquinha de cachorros-quentes, mister Frank Assis, descendente de portugueses que um dia foram tentar a sorte na terra das oportunidades. Depois, subiram a um arranha-céus tão alto, mas tão alto, que a sala de reuniões era mais secreta do que uma cave de ladrões.

O presidente da mesa da histórica reunião foi o ex-presidente do banco Lehman Brothers. A acta Bloomberg da reunião descreve, aliás, um voto de aclamação unânime dos participantes — ao banco — pelo empreendedorismo pioneiro na crise mundial, ao ter sido “o primeiro, em Setembro de 2008, a falir abnegadamente pelo futuro cumprimento do nosso plano, finalmente!, em Outubro de 2015”. Na mesa, como vogais, estavam os representantes das empresas de subprime Fanny Mae e Freddie Mac que, ao serviço do mercado de hipotecas, conseguiram o que se pensava impossível, “arruinar a economia e contaminar o mundo inteiro com uma fantástica bolha imobiliária” e “que pagaram a sua independência com uma inesperada e brutal intervenção do Estado federal americano, que inclusive impôs limites aos salários dos gestores”. Os representantes das agência de notação financeira Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch aplaudiram de pé e logo tentaram subir qualquer coisa do lixo para a nota triplo AAA, e descer outras do AAA para lixo, mas a mesa pediu que se refreassem, “com todo o respeito que me merecem três instituições de rating que souberam, como ninguém, inflacionar e atribuir méritos e avaliações estapafúrdias a produtos tóxicos que se estava mesmo a ver no que iam dar, sem prejudicar as indemnizações milionárias aos seus responsáveis, ficando todos nós — e aqui sabemos que nós significa mesmo só nós, os mercados — a ganhar”.

Leu-se então o resto da lista de presenças:

— Bear Sterns, Washington Mutual Inc., P.P. Morgan Chase & Company, Insurer American International Group Inc., Merril Lynch & Co., Goldman Sachs...
— Presente!, gritaram todos, alegres como rapazes no basebol.
— Proponho ainda um voto de pesar ao nosso irmão Barings, banco-herói desta luta, que pereceu em Inglaterra na maior solidão e injustiça. Paz à sua alma!
— Paz à sua alma!

Desataram a berrar como corretores depois de tocar o sino do Dow Jones, ali ao lado.

— Silêncio! Bom, sabemos por que é que estamos aqui. Meus amigos, quem me ajuda? A luta foi dura e longa, mas valeu a pena, não é verdade?
— Sim, termos estado uns tempos a roer ossadas até voltarmos ao bife do lombo.
— Termos admitido a entrada de “mecanismos de freios e contrapesos”, ih, ih.
— Termos visto o aparecimento da supervisão, blá-blá.
— Termos fingido que a crise não chegaria à Europa e rebeubéu, pardais ao ninho.
— A Europa ter fingido que estava tudo bem porque o mercado se auto-regulava, bilu-bilu-bilu.
— Termos aturado a conversa de que existe um “braço monetário contra a economia real”, hello, duh, claro que existe, LOL...
— Termos visto milhões de pobres a pagar a austeridade e outros a comprar por tuta e meia empresas privatizadas à pressa!
— Terem-nos chamado gananciosos, desleixados, criminosos, incompetentes!
— Incompetentes nunca!, guincharam.
— Sim, incompetentes nunca, porque nós sabíamos desde o princípio o que estávamos a fazer. A vitória foi difícil mas é nossa!

Neste momento fez-se silêncio, como numa escola onde entra um tipo armado. O ex-presidente do Lehman Brothers suspirou:

— Fizemos tudo bem. Ele primeiro disse que “não pode substituir-se aos partidos na formação do governo”. E que é fundamental uma “maioria parlamentar estável”. Queridos amigos. Está para breve a conclusão do nosso maravilhoso plano: só para vermos a cara do Presidente da República Portuguesa a dar posse a um governo do PS, Bloco de Esquerda e PCP já valeu a pena termos desencadeado a crise financeira mundial! Aquela cara será impagável.
— Ah, ah, ah, ah!!!
— A cara do Cavaco Silva vai valer ouro!
— Eu dou-lhe um triplo AAA!

Nesse momento entraram duas figuras. Pelos vistos, tinham chave em Wall Street.

— Mas o que é isto, meus senhores?
— Ahhh... Pedro Passos Coelho, Paulo Portas... ahhh...
— Foi para isto que fizemos o esforço da PàF, para sermos traídos pelos mercados?  Arghhhh, grunf, snif...
— Dêem-lhes um copo, rápido. Vá lá Pedro, sorri. Isto é tão, mas tão divertido! Com o PS, estamos sempre bem, não percebes? Paulo, por favor, não saltes dessa janela, eu sei que gostas de clássicos dos anos 30, mas é muito alto.