A incerteza de Passos e a obrigação de Costa
A releitura do discurso de Cavaco tem um objectivo.
Afinal, que poderá fazer Passos Coelho se o seu programa de Governo vier a ser rejeitado no Parlamento, como já prometeram os partidos da oposição? O quadro ainda está muito confuso e há informações contraditórias sobre a vontade real do primeiro-ministro indigitado. Uns dizem que sim, que a sua intenção é ficar à frente de um Governo de combate; outros garantem que não, que tudo o que Passos não quer é “ficar a assar [no Governo] para depois vir limpar o que os outros fizeram”, uma frase que, segundo o jornal i, proferiu na Comissão Política do PSD da passada quinta-feira, já depois de ter ouvido o controverso discurso de Cavaco Silva. Ora, nessa altura, Cavaco foi claríssimo: em seu entendimento, um governo PS apoiado pelo BE e o PCP é mais gravoso para o país do que um Executivo em gestão por tempo indeterminado. Mas, entretanto, há quem proponha uma exegese menos radical e taxativa do discurso presidencial. Talvez em Belém não tivessem sido suficientemente medidos os efeitos perversos da intervenção do Presidente, não só como elemento agregador das indecisões que ainda subsistem nas negociações à esquerda, mas também pelo incómodo provocado em sectores da própria órbita presidencial. O discurso proferido, sábado, por Marcelo Rebelo de Sousa, na Voz do Operário, foi talvez o mais claro, quer ao nível dos princípios e à leitura dos poderes constitucionais do chefe de Estado, quer quanto às críticas políticas - implícitas e explícitas - à alocução feita por Cavaco. Mas outros se distanciaram. O presidente da CIP não apreciou o “tom crispado” porque percebeu logo os custos da instabilidade; Fernando Negrão, o candidato derrotado na eleição para a presidência da Assembleia da República optou por dar uma lição de maturidade democrática ao sublinhar, em entrevista ao DN, que se o Governo minoritário de Passos for chumbado, o PR “deve chamar o líder do segundo maior partido e exigir-lhe, obviamente, que apresente uma coligação consistente”; e até Manuela Ferreira Leite a surgiu no seu comentário semanal, na TVI24, sem teses sobre golpes de estado e a descortinar “sinais” de mudança no PCP.
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Afinal, que poderá fazer Passos Coelho se o seu programa de Governo vier a ser rejeitado no Parlamento, como já prometeram os partidos da oposição? O quadro ainda está muito confuso e há informações contraditórias sobre a vontade real do primeiro-ministro indigitado. Uns dizem que sim, que a sua intenção é ficar à frente de um Governo de combate; outros garantem que não, que tudo o que Passos não quer é “ficar a assar [no Governo] para depois vir limpar o que os outros fizeram”, uma frase que, segundo o jornal i, proferiu na Comissão Política do PSD da passada quinta-feira, já depois de ter ouvido o controverso discurso de Cavaco Silva. Ora, nessa altura, Cavaco foi claríssimo: em seu entendimento, um governo PS apoiado pelo BE e o PCP é mais gravoso para o país do que um Executivo em gestão por tempo indeterminado. Mas, entretanto, há quem proponha uma exegese menos radical e taxativa do discurso presidencial. Talvez em Belém não tivessem sido suficientemente medidos os efeitos perversos da intervenção do Presidente, não só como elemento agregador das indecisões que ainda subsistem nas negociações à esquerda, mas também pelo incómodo provocado em sectores da própria órbita presidencial. O discurso proferido, sábado, por Marcelo Rebelo de Sousa, na Voz do Operário, foi talvez o mais claro, quer ao nível dos princípios e à leitura dos poderes constitucionais do chefe de Estado, quer quanto às críticas políticas - implícitas e explícitas - à alocução feita por Cavaco. Mas outros se distanciaram. O presidente da CIP não apreciou o “tom crispado” porque percebeu logo os custos da instabilidade; Fernando Negrão, o candidato derrotado na eleição para a presidência da Assembleia da República optou por dar uma lição de maturidade democrática ao sublinhar, em entrevista ao DN, que se o Governo minoritário de Passos for chumbado, o PR “deve chamar o líder do segundo maior partido e exigir-lhe, obviamente, que apresente uma coligação consistente”; e até Manuela Ferreira Leite a surgiu no seu comentário semanal, na TVI24, sem teses sobre golpes de estado e a descortinar “sinais” de mudança no PCP.
Por tudo isto o mais natural é mesmo a incomodidade de Passos face a um cenário que o amarra a um governo de gestão por tempo incerto, de mãos atadas e com grande espaço de manobra por parte da oposição, que naturalmente tenderá a unir-se perante uma solução que considera errada do ponto de vista institucional e político. Daí, a releitura do discurso de Cavaco, abrindo portas à indigitação de António Costa para chefiar um Governo à esquerda. Mas para isso é obrigatório que o secretário-geral do PS tenha um acordo para mostrar. Por várias razões. Em primeiro lugar, para não dar ao PR um (justo) pretexto contra a sua nomeação; depois, porque qualquer acordo desta natureza deve ser absolutamente transparente e nunca houve entendimentos deste tipo à esquerda; finalmente, para salvaguardar surpresas futuras. Após as novidades sobre o reembolso da sobretaxa não se sabe o que mais pode estar debaixo do tapete.