Marcelo manda recados a Cavaco e recusa dividir os portugueses

Candidato presidencial fez a sessão pública de apresentação da sua candidatura em Lisboa, na Voz do Operário, e disse não querer, depois de exercer o mandato, o estatuto político de ex-Chefe de Estado, preferindo a "moderação e a frugalidade".

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Marcelo Rebelo de Sousa apresentou as ideias da sua candidatura em Lisboa, no salão nobre do emblemático edifício da Voz do Operário Enric Vives-Rubio

Marcelo Rebelo de Sousa não quer voltar atrás 40 anos, aos tempos do PREC, “em que se dividiam os portugueses entre patriotas e não patriotas, bons portugueses e maus portugueses, em democratas e anti-democratas, entre os que tinham o exclusivo de acesso ao poder e aqueles que estavam marginalizados”. E para isso promete uma convergência em que “cabem todos – não há bons nem maus, não há preferidos e preteridos”.

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Marcelo Rebelo de Sousa não quer voltar atrás 40 anos, aos tempos do PREC, “em que se dividiam os portugueses entre patriotas e não patriotas, bons portugueses e maus portugueses, em democratas e anti-democratas, entre os que tinham o exclusivo de acesso ao poder e aqueles que estavam marginalizados”. E para isso promete uma convergência em que “cabem todos – não há bons nem maus, não há preferidos e preteridos”.

Na icónica sala da Voz do Operário, em Lisboa, perante cerca de 300 pessoas, o candidato dedicou boa parte do seu discurso de quase uma hora a falar sobre o que pensa dos poderes presidenciais, no que podia ser visto como uma das suas aulas de direito constitucional. E que podia também ser ouvido, em algumas passagens, em comparação directa com a atitude e discursos do actual Presidente da República.

O próximo Presidente da República (PR), disse Marcelo, vai ter três desafios políticos sérios: “estabilizar a política nacional”, trabalhando todos os dias pela governabilidade, que classificou de tarefa “permanente e constante”; “criar convergências e consensos” onde já existiram antes e acabaram ou onde são agora menores; e “promover a aproximação” entre os cidadãos.

“Esse é o grande desafio: o que nos une é mais importante do que o que nos separa, é um dever de todos trabalhar pela aproximação dos portugueses”, defendeu o antigo líder do PSD, que admitiu no “calor de uma refrega eleitoral” isso pode ser mais difícil. Marcelo recordou então o tempo revolucionário, o tal em que os “excessos” levaram a que “se dividissem os portugueses” em várias classes de pessoas. “Passaram mais de 40 anos e há uma coisa que nós sabemos e que eu sei: nós não queremos voltar a ter esse tipo de divisão entre os portugueses. Somos todos portugueses, cabemos todos na democracia, temos todos a plenitude dos direitos constitucionais, nomeadamente os direitos de participação”, afirmou entre aplausos.

Marcelo elencou os poderes presidenciais descritos na Constituição e avisou que em Portugal o Presidente não tem uma natureza presidencialista nem parlamentarista puro. Por isso, não pode querer substituir-se ao Governo ou mandar nele, mas também não pode ser um Presidente que “lave as mãos” das suas responsabilidades nem do seu manifesto eleitoral, nem “se apague”. “Tem que ser um referencial do Estado, no estrito respeito da Constituição, embora nunca ultrapassando a divisão dos poderes de Estado”, avisou.

O candidato entende que o Presidente tem um “poder de controlo moderado no dia-a-dia e um poder decisivo em tempos mais críticos” – como os actuais. E o seu poder de influência e magistério, normalmente exercido na sombra, será tão maior e eficaz depois das eleições se também o for antes. “Não há nomeação, exoneração ou dissolução anunciadas. A apreciação deve ser feita no momento exacto em que se coloca o problema e não meses ou anos antes. No que depender se mim, tudo farei para tentar não onerar o meu sucessor com problemas evitáveis relativamente ao exercício destes poderes de Estado”, garantiu o candidato.

Sem se referir ao actual impasse político, Marcelo lembrou os casos de outros Presidentes que recusaram soluções de Governo para defender que o Chefe de Estado deve “tudo fazer para obter governos viáveis e duradouros, envolvendo votação do orçamento do Estado” porque “não é bom para um país que sai de uma crise ter de viver seis ou oito meses sem orçamento” – uma clara recusa de governos de gestão.

Criticou directamente Cavaco Silva quando defendeu não ser uma “prioridade” nos “tempos difíceis que se avizinham” rever a Constituição mesmo que para reforçar os poderes presidenciais sobre outros órgãos de soberania. Deixou no ar a possibilidade de fazer apenas um mandato e disse não querer o estatuto político especial dos ex-Presidentes, pretendendo ser o “mais simples possível nos meios que usa, na vida que leva, nas estruturas que o apoiam e na segurança que o rodeia". A campanha seguirá esse mesmo preceito, com estruturas e meios limitados – “num tempo de tanta dificuldade não seria justo nem compreensível que fosse uma campanha de outro modo”. Marcelo prometeu “não fazer uma campanha contra ninguém” e prometeu ser um Presidente “que explique em vez de inflamar, que seja próximo e afectivo em vez de distante e frio”.

Marcelo disse ainda ter escolhido a Voz do Operário para esta sessão em Lisboa - onde não havia caras de dirigentes sociais-democratas, mas esteve, por exemplo, o centrista Telmo Correia – para mostrar que “os lugares simbólicos da pátria são de todos e não apenas de alguns”. O espaço é normalmente usado em comícios por partidos como PCP e Bloco. “Este lugar é um símbolo de luta pela igualdade, justiça social, direitos laborais, participação cívica.” Nas mãos dos participantes andavam as fichas para a recolha das assinaturas para o processo de candidatura.