Os filhos do musseque que se juntaram ao filho do regime em Angola

A maioria dos 14 activistas, presos com Luaty Beirão, vive nos bairros da periferia de Luanda. São músicos, engenheiros, professores universitários, trabalhadores por conta própria e estudantes. Não abdicam dos livros nem dos estudos. Estão presos há 126 dias.

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DR

São estudantes universitários, jovens dos musseques de Luanda, músicos e rappers, intelectuais de blogues e sites, que querem fazer ouvir a sua voz muito além da capital angolana. Em 2011, desejaram uma Primavera Árabe que fosse deles. Quiseram chegar, com a sua mensagem, a outros jovens de Angola – representativos da grande maioria da população. Jovens que só conheceram um Presidente no poder e não têm memória do terror, como ainda têm os pais, dos massacres do 27 de Maio de 1977. Também em nome dos mais velhos que, como dizem, sofreram com a guerra sem nunca beneficiarem da paz, falaram alto – no activismo de rua, em manifestações ou vigílias.

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São estudantes universitários, jovens dos musseques de Luanda, músicos e rappers, intelectuais de blogues e sites, que querem fazer ouvir a sua voz muito além da capital angolana. Em 2011, desejaram uma Primavera Árabe que fosse deles. Quiseram chegar, com a sua mensagem, a outros jovens de Angola – representativos da grande maioria da população. Jovens que só conheceram um Presidente no poder e não têm memória do terror, como ainda têm os pais, dos massacres do 27 de Maio de 1977. Também em nome dos mais velhos que, como dizem, sofreram com a guerra sem nunca beneficiarem da paz, falaram alto – no activismo de rua, em manifestações ou vigílias.

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Várias vezes conheceram a prisão, o isolamento, a tortura silenciosa, a vigilância policial na vida do dia-a-dia – não apenas desde 20 de Junho deste ano quando foram presos, juntamente com Luaty Beirão, mas desde 2011 quando, sem medo, gritaram nas ruas: “A revolução será televisada e triunfará.” Adoptaram nomes de luta ou nomes artísticos. Alguns deles têm na música uma arma política.

Nasceram em Luanda, como Luaty Beirão, ou vieram do Bengo, Malanje, Moxico, Uíge, Huambo e Luanda Norte, como os muitos angolanos que convergiram para a capital, durante a guerra ou depois de alcançada a paz em 2002. Os 14 presos e amigos de Luaty pediram-lhe, esta semana, que desista da greve para que não desista da luta. Precisam dele vivo, dizem, como líder moral.

A uni-los têm ideias políticas, livros e escritos que publicam em blogues e sites na Internet, e os estudos universitários que alguns já concluíram – em cursos de Ciências Políticas, Filosofia, Engenharia Informática, Psicologia, Direito ou Economia. A origem modesta da maioria não lhes retira as aspirações que têm para eles e para as novas gerações. Metade da sua vida já foi vivida em paz. 

Os 15 activistas presos estão entre os poucos que resistem e ignoram as ofertas do Governo angolano em troca do silêncio. Estudam, trabalham por conta própria ou ensinam em universidades privadas. De muitos deles dependia o sustento da família.

Vêm de uma condição social modesta, de famílias do musseque. Ao lado deles, Luaty Beirão, a viver num bairro central de Luanda, é o único (neste grupo) de uma família com ligações ao poder do MPLA. O músico, engenheiro e activista prescindiu de empregos e das regalias de que poderia beneficiar por ser filho de João Beirão, um amigo do Presidente, falecido em 2006, a quem José Eduardo dos Santos confiou a presidência da sua fundação (Fesa).

As prisões
Nessa tarde de 20 de Junho, Luaty e 12 outros activistas do grupo foram surpreendidos por agentes da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) na habitual reunião que os juntava aos sábados na livraria Kiazele, no bairro central de Vila Alice – inspirados por obras como o livro de Gene Sharp, Da Ditadura à Democracia: uma abordagem conceptual para a libertação, sobre estratégias de luta contra ditaduras.

Um dia depois, na cidade de Santa Clara, na província de Cunene, era preso Domingos da Cruz, quando viajava para a Namíbia, enquanto em Luanda, agentes da polícia revistaram a sua casa de onde levaram “tudo o que era papéis com escrita”. Professor e escritor, Domingos da Cruz foi durante muito tempo “vigiado pelas autoridades pelos seus escritos considerados subversivos”. O seu livro Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política de Libertação para Angola é descrito pelo jornalista Rafael Marques como sendo inspirado e adaptado da obra de Gene Sharp.

O académico angolano não faz parte do Movimento Revolucionário mas participou, como orador, nalgumas das reuniões que se realizavam desde Maio pelos presos (e outros que não puderam estar nesse dia). Como este professor – que fez um Mestrado em Ciências Jurídicas sobre Direitos Humanos na Universidade Federal da Paraíba, no Brasil que dias depois da sua detenção apelou à sua libertação – também o académico Nuno Dala, 31 anos, fez estudos no estrangeiro. Tinha sido preso na na livraria Kiazele.

Nuno Dala concluiu um Mestrado em Ciências da Educação pela Universidade de Winnipeg, Canadá, e é investigador e professor da Universidade Católica de Angola. Também dá aulas no Centro de Atendimento e Integração de Crianças Especiais. 

Nesse fim-de-semana de Junho, Domingos da Cruz e os 13 detidos em Luanda foram levados para cadeias fora da capital, onde ficaram semanas em isolamento e sem contacto com a família e advogados, sem saberem de que eram acusados.

Osvaldo Caholo, tenente da Força Aérea e professor auxiliar de História de África na Universidade Técnica de Angola, a mesma onde se licenciou em Relações Internacionais, foi preso uns dias mais tarde. Um mês antes tinha sido distinguido como um dos melhores alunos que frequentou a Universidade Técnica de Angola, contou a mulher Delma Bumba ao site Maka Angola. Era com ela que estava em casa, quando alguém às 7h00 da manhã se fez passar por vizinho, ligou pelo intercomunicador, sob pretexto de que estava um carro vandalizado à porta e pediu para Caholo abrir a porta. Seis elementos das forças de segurança entraram e levaram-no. Voltaram mais tarde para revistar tudo, levar computador, telefones e muitos livros. Entre eles estava Purga em Angola de Dalila e Álvaro Mateus, sobre os massacres do 27 de Maio.

Além do tenente da Força Aérea Osvaldo Caholo, dos dois docentes universitários Domingos da Cruz e Nuno Dala, e do músico e engenheiro Luaty Beirão há, entre os presos, professores, um mecânico, um engenheiro informático, um funcionário público, o jornalista do jornal Folha 8 Sedrick de Carvalho, o estudante e técnico informático Nelson Dibango, de 32 anos, e estudantes, como Benedito Jeremias “Dito Dali” de 26 anos, que está a estudar Relações Internacionais e Inocêncio António de Brito “Drux”, 28 anos, de quem a irmã conta como foi levado de casa com um saco preto na cabeça para não se aperceber para onde ia.

“Um povo em desespero”
José Gomes Hata é professor do 2º ciclo e autor de letras de hip-hop onde descreve “um povo em desespero”, num país onde “alguém morre por ser sincero”. E diz: “somos o indescritível/(…) não adianta falar de leis/aqui é um caso inconveniente/vivemos na desordem/sob a ditadura de um presidente (…)”. Lidera o grupo de hip-hop Terceira Divisão, de que também faz parte Hitler Jessia Chiconda “Samussuku” e que tem um irmão que se chama Mussolini, por escolha do pai, “um gozão”, como é descrito no site de Rafael Marques. Hitler é aluno do 4º ano de Ciências Políticas da Universidade Agostinho Neto. Com 25 anos está entre os mais novos do grupo, como Sedrick de Carvalho, jornalista e finalista do curso de Direito.

O mais novo dos presos tem 19 anos. Com 15 anos, quando ainda vivia no Huambo, escolheu mudar de nome. No novo registo, acrescentou a Manuel Chivonde Baptista o nome Nito Alves, do líder (com José Van Dunem) do movimento que, dentro do MPLA, contestou o Presidente Agostinho Neto, e foi brutalmente reprimido no 27 de Maio de 1977. E foi pelo nome de Nito Alves que passou a ser conhecido “o rapaz que abalou o regime” quando em 2013 esteve preso dois meses, acusado de “ultraje ao Presidente”, por ter imprimido t-shirts com palavras contra o Presidente José Eduardo dos Santos.

Manuel Nito Alves é acusado de usar um nome falso e ilegal pelo Ministério Público que acrescenta a essa acusação a mesma que profere contra todos os 15 activistas presos desde Junho e as duas activistas, Rosa Conde e Laurinda Gouveia, que aguardam em liberdade o início do julgamento a 16 de Novembro: a acusação de “um crime de actos preparatórios para a prática de rebelião” e “atentado contra o Presidente da República ou outros membros de órgãos de soberania”.

No grupo dos activistas na prisão, o mais velho é Fernando Tomás “Nicola Radical”. Só ele nasceu antes de José Eduardo dos Santos chegar à presidência, em 1979. Tinha um ano. Como ele, um mecânico de 37 anos, muitos dos presos são pais de bebés ou crianças muito pequenas que, por isso, não os podem visitar.

“As crianças nunca foram ver o pai”, disse Sara João Manuel, mulher de Nicola Radical à Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo do Brasil, que ouviu igualmente o desabafo de Juliana Oliveira, mulher de José Gomes Hata “Cheik Hata”: “Ele anda com uma raiva profunda.” E a dizê-lo, quase se comove. “O meu irmão praticamente está a enlouquecer”, acrescenta Lídia Kivuvu sobre o irmão Arante Kivuvu, entre os mais novos, com apenas 20 anos, estudante do 1º ano de Filosofia na Universidade Agostinho Neto.

"Até mesmo reis são destronados!”
Depois das prisões de 20 de Junho, os familiares dos activistas viveram dias de tormento em que não se sabia ao certo se havia mortos entre os desaparecidos – não se sabia se estavam presos, só se sabia que estavam desaparecidos. Agora são eles que sentem os seus passos “vigiados” todos os dias.

Mulheres, mães e irmãs, pais, irmãos e outros familiares dos activistas quiseram pedir a sua libertação nas ruas ou em vigílias frente a igrejas de Luanda, já em Outubro, mas foram cercados pela polícia e forçados a sair. Numa marcha em Agosto, terão sido agredidas e ameaçadas por polícias armados e munidos de cães e bastões. 

“Nós temos medo, mas temos de defender os nossos familiares”, diz Gertrudes Dala, irmã de Nuno Dala, na mesma reportagem. “Eles só querem mudança, melhorar o país, porque estamos a sofrer.” O pai de Nito Alves, Fernando Baptista, acrescenta: “Admiro estes jovens. São pessoas que lutam bem social de todos nós.”

Fernando Tomás “Nicola Radical" é, como descreve Rafael Marques, “um dos activistas da linha da frente” – dos que mais têm sofrido perseguição e tortura, e dos que mais consistentemente persistem, ao longo nos anos, nas palavras e nos actos contra o regime – como também Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingobingo “Albano Liberdade”, 29 anos, ou ainda Mbanza Hamza, 30 anos, que várias vezes foram presos nos últimos anos.

O rapper, pai de dois filhos, estudante universitário e professor do ensino primário, assina os seus textos como Mbanza Hamza, soldado esquecido. “A ignorância (ganância incluída) e a submissão” (…) “estão a levar-nos a uma tragédia irreversível”, escrevia em “Tragédia de um Povo”, texto publicado, em Março de 2012, no site Club K Angola, onde proclamava: “Um rei não precisa de votos. (…).Alguns reis foram destronados quando deixaram de entender a sua missão. (…) Até mesmo reis são destronados!”