Foi o mufti de Jerusalém que sugeriu a "solução final" a Hitler?

Os historiadores dizem que a origem do Holocausto está dentro da Alemanha e do regime nazi. Onde entra aqui um líder religioso palestiniano?

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O mufti com Hitler em 1941; não se sabe ao certo do que falaram DR

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O contexto 

Historiadores e analistas defendem que Netanyahu fez regressar o mufti de Jerusalém e a tese de que foi ele o grande inspirador do Holocausto, por motivos políticos, num momento de nova tensão entre israelitas e palestinianos, com ataques e retaliações. Uma espiral de violência começou em Jerusalém Ocidental a 1 de Novembro, quando o Governo de Telavive bloqueou o acesso de palestinianos à Cidade Velha onde estão dois lugares sagrados do islão, o Pátio das Mesquitas e a Mesquita de Al-Aqsa.

Os factos

A tese não é nova e circula em Israel desde a criação do Estado Judeu, em 1948. Também não foi a primeira vez que Benjamim Netanyahu se referiu à aliança entre o mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, que foi a mais alta autoridade religiosa e política da Palestina, e a Alemanha nazi. Porém, desta vez, o primeiro-ministro de Israel fez o que nunca fora feito — descreveu ao pormenor a conversa que Husseini e Hitler tiveram em Novembro de 1941, quando se encontraram na Alemanha.

"Inimigo do meu inimigo meu amigo é" — era no que o mufti acreditava e, por isso, procurou Hitler, na ânsia de se livrar de judeus e de britânicos, e de criar, na Palestina livre dos indesejados e dos ocupantes, o desejado Estado.

Haj Amin al-Husseini era membro de uma das mais influentes famílias palestinianas e chegou ao topo da hierarquia religiosa pelas mãos dos britânicos, que o nomearam Grande Mufti (um mufti é um intelectual a quem é reconhecida a superior capacidade de interpretar a lei islâmica) em 1921. Mas também era um político — um violento opositor ao protectorado britânico (Mandato Britânico na Palestina), a que queria pôr fim de qualquer maneira, assim como acabar com o risco de ser criado no território o Lar Nacional Judeu (o embrião de um futuro Estado).

Em 1937, perseguido pelos britânicos pelo seu papel na revolta árabe de 1936-1939, fugiu da Palestina, refugiando-se no Líbano (então protectorado francês), no Iraque, em Itália e finalmente na Alemanha. A sua cooperação com Hitler é inequívoca. Há documentos que provam que ajudou a recrutar muçulmanos bósnios para criar uma unidade regional das SS nas Balcãs. Tal como há provas em como foi a intervenção de Husseini que travou uma troca de judeus (quatro mil crianças e 500 adultos) por 20 mil prisioneiros alemães nas mãos dos britânicos na Palestina. O mufti não queria que judeus começassem a chegar em massa à Palestina.

Netanyahu, explica Sheri Oz no The Times of Israel — num artigo em que explica os motivos de Netanyahu para dizer o que disse e em que sublinha que não está nem provado nem desmentido que o mufti disse aquilo a Hitler  — cresceu a ouvir estas histórias e também a tese de que foi o mufti quem sugeriu a Hitler que queimasse os judeus. O pai, o historiador Benzion Netanyahu, explicava as suas teorias em casa. Em 2012, o jornalista David Bedein escreveu também no Times of Israel que foi aluno do pai Netanyahu e assistiu, nos Estados Unidos, a uma aula em que o historiador explicou a associação do mufti com Hitler, tendo mesmo afirmado que foi assinado um pacto de cooperação para o "assassínio dos judeus" — em troca, os nazis reconheciam um Estado palestiniano. Também não há provas desse pacto.

É consensual entre historiadores de várias correntes, ocidentais e judeus, que o mufti colaborou com o Hitler e que deveria ter-se sentado no banco dos réus em Nuremberga, onde foram julgados os crimes e os criminosos nazis. Em Nuremberga, ouviram-se gravações de discursos do mufti que passaram na rádio. Mas só ficou provado o envolvimento na criação das SS bósnias e o bloqueio à troca de prisioneiros. Nem o julgamento de Adolf Eichmann conseguiu provar mais nada. Foi à volta desta figura que foram sendo baseadas as teorias sobre a grande aliança Husseini-Hitler, com Netanyahu a citar num dos seus livros o motorista de Eichmann, Dieter Wisliceny, que depois da guerra terá relatado conversas — e terá conduzido o mufti ao campo de extermínio de Auschwitz, para uma visita guiado por Eichmann.

O mufti, que fugiu da Alemanha para o Cairo, morreu em 1974 em Beirute, no Líbano. Ao longo da vida, continuou a inspirar a guerra pelo desaparecimento do Estado de Israel e pela criação do Estado Palestiniano - um dos seus familiares e protegidos, Yasser Arafat, iria dar continuidade a essa luta armada através da Organização de Libertação da Palestina (OLP).

Em resumo

Apesar da certeza de Benjamim Netanyahu, a pergunta "quem foi o primeiro a ter a ideia do extermínio dos judeus" continua como estava — sem resposta exacta. Há académicos que defendem que a origem do crime que viria ser conhecido como Holocausto está dentro da Alemanha e do regime nazi.

Certo é que a figura de Haj Amin al-Husseini e a sua ligação com os nazis têm estado ao longo de décadas no debate académico-político. No jornal The Guardian, escreveu Tom Segev, historiador judeu e autor de The Seventh Million: The Israelis and the Holocaust: "Todos os governos de Israel usaram o Holocausto como argumento político. Todos os líderes árabes desde 1948 [quando foi criado o Estado judaico] foram comparados, pelo menos uma vez, a Hitler. Todos os países árabes compararam Israel aos nazis. Os árabes sempre recusaram reconhecer o Holocausto como elemento central da identidade israelita. (...) Envolver o Holocausto mais uma vez só pode piorar as coisas. A última coisa que a actual situação precisa é de um conto de fadas sobre Hitler e um mufti".

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