Oportunidade para a democracia
Esta é uma oportunidade histórica para levantar o sequestro da unidade de esquerda (sem prejuízo das suas várias identidades).
Com mais evidência desde o pedido de ajuda externa que se foi enraizando, no pensamento dominante, a ideia de uma via única para governar o país. No quadro do pluralismo democrático, face aos ciclos eleitorais, o mais longe que se poderia admitir seria a avaliação de quem se apresentasse com maior credibilidade para realizar o programa unívoco de consolidação orçamental. Nesta perspetiva – a tradicional do arco da governação – as possibilidades alternantes de investidura de um governo terminariam necessariamente no Partido Socialista.
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Com mais evidência desde o pedido de ajuda externa que se foi enraizando, no pensamento dominante, a ideia de uma via única para governar o país. No quadro do pluralismo democrático, face aos ciclos eleitorais, o mais longe que se poderia admitir seria a avaliação de quem se apresentasse com maior credibilidade para realizar o programa unívoco de consolidação orçamental. Nesta perspetiva – a tradicional do arco da governação – as possibilidades alternantes de investidura de um governo terminariam necessariamente no Partido Socialista.
Esta é, em termos lineares, a interpretação da mentalidade conservadora que se obstina em juntar argumentos, desde os razoavelmente racionais aos puramente emotivos, para garantir a sua “lei de bronze” da governabilidade – a qual, bem entendido, se admite contrariada o PS no arco da governação, não desiste de o manter acantonado nos limites de uma política tida por inevitável e insubstituível e que, no essencial, se pode reduzir ao lema “subordina-te aos credores e paga o que deves, custe o que custar e doa a quem doer”.
Por detrás de tal lema está ainda um outro motivo, permanente na mentalidade típica da direita: a crença de que a sociedade é, por natureza, uma composição de desiguais e que o essencial de qualquer orientação política é assegurar as diferenças do estatuto socioeconómico entre os que mais podem e os que menos têm.
É provavelmente por isso que muitos dos aparentemente descontentes com o governo da coligação continuam, nas horas da verdade, a defender a sua perenidade. Uma coisa é protestar pelas sequelas de uma política de austeridade, que de algum modo os afetou, outra é admitir que pode haver uma alternativa para encarar os problemas do país na base de uma transversalidade de medidas apostadas em diminuir não só o sacrifício geral da população, como os níveis de pobreza e de desigualdade que caracterizam, até ao escândalo, a sociedade portuguesa.
Egoísmo e solidariedade, como categorias sociais, são igualmente categorias de orientação política – que se repercutem diretamente na indisponibilidade de uns e no propósito de outros em contribuir para redefinir os critérios de distribuição da riqueza nacional.
Perante tal dualismo, são sofísticos os argumentos de que só se pode dispor da riqueza previamente produzida e que essa aposta é, por isso, anterior em relação a qualquer critério redistributivo. Pela simples razão de que o modo como se mobiliza o conjunto da sociedade tanto para o esforço como para a partilha do crescimento marca, no plano nacional, o tipo de desenvolvimento que se visa prosseguir.
Ora, o que verdadeiramente está a escandalizar o pensamento conservador é ver que o PS, para além do enfrentamento das condições de exercício do poder, revela uma obstinação mais evidente em cada dia que passa e essa é a de abrir caminho para uma política substancialmente diferente da realizada à sombra do situacionismo.
É difícil um caminho diferente? Manifestamente. Porém, uma política responsável não pode ignorar o contexto objetivo – interno e externo – da governação e a margem de manobra permitido pelos compromissos internacionais, e particularmente no quadro europeu, do Estado. Mas uma coisa é tomar um contexto em linha de conta num processo de decisão e outra, bem diferente, é promovê-lo a ponto de partida e de chegada de uma orientação.
Afinal, o que o secretário-geral do PS vem fazendo nos últimos dias é denotar perante o eleitorado ser possível acreditar numa política de restabelecimento do Estado social sem abdicar de uma política de dinamização da economia, do crescimento do rendimento disponível e de rigor na gestão das contas públicas. E é neste ponto preciso que reside a encruzilhada do momento: poder congregar ousadia e realismo, mudança e prudência.
Os que não querem não acreditam, e assim o têm manifestado, desde a primeira hora, no campo conservador, político e doutrinário.
Os que querem, apoiando o PS ou situando-se à esquerda do PS, carecem por enquanto de fazer a prova da capacidade de compromisso. É uma oportunidade histórica para levantar o sequestro da unidade de esquerda (sem prejuízo das suas várias identidades). Uma oportunidade histórica para devolver a esperança a quem vai descrendo de que a democracia é a melhor oportunidade para a sociedade justa.
Deputado do PS