Ruído dos navios afecta o desenvolvimento do bacalhau

Estudo publicado revela que a exposição repetitiva ao ruído reduz o crescimento e a capacidade de fuga aos predadores do bacalhau-do-atlântico, o que pode ter consequências para toda a população.

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A sobrevivência do bacalhau-do-atlântico nos primeiros dias de vida pode ser afectada pela exposição ao ruído, demonstra uma investigação publicada na revista científica Proceedings of the Royal Society B. O trabalho realizado por investigadores das universidades de Bristol e de Exeter, no Reino Unido, mostra que o ruído dos navios afecta negativamente o crescimento e os comportamentos das larvas de bacalhau, e que o ruído regular é mais perturbador do que o ruído aleatório.

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A sobrevivência do bacalhau-do-atlântico nos primeiros dias de vida pode ser afectada pela exposição ao ruído, demonstra uma investigação publicada na revista científica Proceedings of the Royal Society B. O trabalho realizado por investigadores das universidades de Bristol e de Exeter, no Reino Unido, mostra que o ruído dos navios afecta negativamente o crescimento e os comportamentos das larvas de bacalhau, e que o ruído regular é mais perturbador do que o ruído aleatório.

O bacalhau-do-atlântico (Gadus morhua) é a espécie de bacalhau consumida em Portugal e é uma das mais importantes espécies de pescado do mundo. Existe no Atlântico Norte e no Árctico e o estado de conservação dos seus stocks é variável: alguns estão em boas condições e é permitida a pesca, mas noutros a pesca é limitada ou mesmo proibida.

A distribuição da espécie no Atlântico Norte sobrepõe-se a uma das zonas de maior tráfego marítimo do mundo. “O bacalhau está potencialmente exposto ao ruído em todas as fases da vida”, salienta ao PÚBLICO Andrew Radford, coordenador do projecto. Professor da Universidade de Bristol, Andrew Radford proferiu no início deste mês uma palestra em Portugal sobre os efeitos do ruído de origem humana, ou antropogénico, sobre peixes e invertebrados marinhos no Congresso da Sociedade Portuguesa de Etologia, em Lisboa.

“Descobrimos que o ruído antropogénico tem o potencial de afectar os estádios iniciais do desenvolvimento de espécies comercialmente importantes”, continua Andrew Radford. Impactos negativos nas fases iniciais do desenvolvimento, que em condições normais já sofrem uma elevada mortalidade, têm consequências para o tamanho e viabilidade de toda a população.

O ruído antropogénico é um importante poluente da actualidade: “O mundo é hoje muito mais barulhento do que alguma vez foi.” Para além disso, são conhecidos os seus efeitos negativos sobre várias espécies. Assim, o conhecimento destes impactos são importantes para decisões de conservação, gestão e políticas de pesca.

No entanto, este tipo de poluição tem a particularidade de não deixar resíduos do som no ambiente depois de removida ou afastada a fonte de ruído, o que é diferente do que se passa com outros tipos de poluição, como por exemplo na poluição química. “Esta característica significa que podemos adoptar estratégias de mitigação, como tornar as nossas actividades mais silenciosas, ou realizá-las em momentos determinados.”

Sons gravados
A investigação na base deste artigo científico, publicado este mês, tinha por objectivo compreender se a sobrevivência das larvas de bacalhau era afectada por diferentes regimes de exposição a som de actividades humanas, uma vez que esta espécie tem uma boa capacidade auditiva.

“Os animais mais jovens são vulneráveis, pois têm uma capacidade reduzida de se afastar da fonte de ruído”, explica-nos. As larvas de bacalhau fazem parte do plâncton, pequenos organismos que não têm a capacidade de contrariar o movimento das águas e que estão na base das cadeia alimentar aquática. A fase larvar ocorre após a eclosão do ovo e dura cerca de três meses. Esta espécie atinge a maturidade sexual entre os dois a quatro anos, conforme a zona geográfica, e pode viver até aos 20 anos.

Os investigadores analisaram os efeitos da exposição das larvas de bacalhau aos ruídos repetitivos de navios durante os primeiros 16 dias de vida. As larvas cresceram em tanques e foram expostas ao som de navios gravado e emitido por altifalantes adaptados ao meio aquático. Foram estudadas larvas que cresceram sob três regimes diferentes de ruído — som de ambiente costeiro, som de ambiente costeiro com passagem regular de navios, e som de ambiente costeiro com passagem irregular de navios — e analisados os efeitos no crescimento, no desenvolvimento da forma corporal e no comportamento das larvas.

As larvas expostas ao ruído apresentavam maior agitação após a eclosão do ovo e tiveram uma redução no crescimento durante os dois primeiros dias. Mas, no fim do estudo tinham recuperado e tinham o mesmo o comprimento do que larvas não expostas ao ruído. “Isto indica que tiveram de fazer um investimento maior para alcançar o mesmo tamanho, o que [também] pode ter consequências negativas na sobrevivência posterior”, explica o investigador.

“O resultado mais surpreendente foi termos descoberto que o ruído regular é potencialmente mais desestabilizador do que o ruído aleatório”, sublinha.

As larvas expostas a ruído repetitivo e regular usavam mais rapidamente as reservas nutritivas do saco vitelino e no fim do estudo eram mais magras. As experiências revelaram ainda que as larvas mais magras eram também as mais facilmente capturadas, indicando que têm uma menor capacidade de escapar aos predadores.

Este tipo de estudos em tanques de laboratório tem as suas vantagens, pois podem-se controlar as condições experimentais, recolher dados mais detalhados e realizar mais facilmente experiências de longo prazo. Mas também tem limitações, e por isso os investigadores da equipa estão agora a desenvolver meios para fazer estudos em condições naturais (no mar, com fontes de som reais e peixes nadando livremente) e confirmar no terreno as conclusões obtidas em laboratório. Como sublinha Andrew Radford, estes estudos em condições naturais são essenciais para a tomada de decisões de conservação e gestão, nomeadamente na regulamentação dos limites de ruído no mar.

Texto editado por Teresa Firmino

Notícia corrigida às 12h01 de 21 de Outubro de 2015: o som foi emitido por altifalantes e não por microfones.