Concursos médicos: todos perdem mas ninguém muda
Após repetidos alertas dos representantes da classe, mantém-se a insistência em modelos de concursos fechados.
Os concursos de recrutamento para o sector público estão longe de ser um modelo virtuoso. Veja-se o caso dos professores, que anualmente faz as manchetes dos jornais em período de abertura do ano escolar, ou as centenas de concursos feitos à medida na administração pública, apenas para cumprir uma formalidade legal. A questão não está tanto na sua existência – que outra forma poderia assegurar transparência e equidade no acesso a este tipo de funções? –, antes na complexidade, na manipulação e na excessiva burocracia que caracterizam a sua execução.
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Os concursos de recrutamento para o sector público estão longe de ser um modelo virtuoso. Veja-se o caso dos professores, que anualmente faz as manchetes dos jornais em período de abertura do ano escolar, ou as centenas de concursos feitos à medida na administração pública, apenas para cumprir uma formalidade legal. A questão não está tanto na sua existência – que outra forma poderia assegurar transparência e equidade no acesso a este tipo de funções? –, antes na complexidade, na manipulação e na excessiva burocracia que caracterizam a sua execução.
O exemplo dos médicos é paradigmático. Após repetidos alertas dos representantes da classe, mantém-se a insistência em modelos de concursos fechados, restringindo o acesso a profissionais que adquirem a especialidade num período específico. Basicamente, trata-se de um mecanismo que exclui dos concursos muitos médicos que cumpriram há mais tempo a sua especialização e que, pelas mais diversas razões, não estão a exercer no sector público, mas podem ter essa intenção. O formato é pernicioso até do ponto de vista constitucional, uma vez que viola princípios de acesso livre e equitativo às funções públicas.
Mas esta não é a única inconformidade nos concursos médicos. O exemplo recente do recrutamento de jovens médicos de família coloca a nu uma máquina administrativa do Estado pesada e a funcionar a duas ou mais velocidades. O processo é decidido a nível central, mas são as administrações regionais de saúde que têm a responsabilidade de o aplicar. Entre estas, os métodos são iguais, mas umas são mais iguais do que outras. Os prazos existem, mas só no papel. Os médicos, que já estão a exercer e já têm listas de doentes, são forçados a concorrer para outros locais sob pena de ficarem excluídos. E tudo isto resulta num caos, apenas justificável pela via da incompetência.
Em parte, esta é a prova de que existem pequenos estados dentro do Estado, muitas vezes com interesses antagónicos entre si. A factura, no entanto, é muito penalizadora para uma geração de novos profissionais altamente qualificados, sem colocação, sem trabalho e sem alternativa. Ou melhor, com duas alternativas: o sector privado ou a emigração.
Iniquidades como esta, de responsabilidade eminentemente política, contribuem para estrangular a eficácia do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e reproduzem-se negativamente na qualidade dos cuidados. Ninguém ganha. Perdem os médicos, perde a tutela e, sobretudo, perdem os doentes. Posto isto: porquê a resistência em mudar? Porque não abrir, simplesmente, os concursos e colocar os candidatos em igualdade de circunstâncias? Porque não uniformizar os mecanismos, quando a máquina é a mesma? Questões que só os responsáveis poderão responder, mas que não deixam dúvidas: se nada mudar, seremos todos prejudicados.
Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos