O tempo da justiça
A Constituição da República Portuguesa e os instrumentos internacionais de regulação das liberdades, direitos e garantias proclamam um coisa muito simples. Os cidadãos devem ser julgados num prazo razoável. Tal princípio não vigora no Estado Português. Não é princípio orientador da acção de quem nos julga.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Constituição da República Portuguesa e os instrumentos internacionais de regulação das liberdades, direitos e garantias proclamam um coisa muito simples. Os cidadãos devem ser julgados num prazo razoável. Tal princípio não vigora no Estado Português. Não é princípio orientador da acção de quem nos julga.
O Estado faz de conta. Os políticos acham que deles é a política. A Justiça é da Justiça. Oferece a sensação de que é indiferente ao tempo que passa. É lenta e ronceira. Displicente. Não tem nada a ver com a política!!! O que se constata é que os procedimentos se arrastam. Não são um drama humano. Reduzem-se a um amontoado de papéis. O arguido é-o indefinidamente. Ano após ano. Adquire o estatuto de arguido por tempos infindos. Cola-se-lhe. Ignora-se a utilidade e função do Código de Processo Penal. Quando está em causa a defesa de direitos, liberdades e garantias. É como se o Código valesse apenas quando se trata de afirmar e defender os poderes do Estado.
Um autarca de Lisboa, com outros, é julgado pela hipotética prática de um crime grave: corrupção. Dez anos depois, é absolvido com os restantes co-arguidos. Como uso é assediado pela comunicação social à saída do julgamento. Diz pouco, muito pouco. Esboça um pequeno e leve protesto pelo tempo que aguardou. Pela Justiça que não teve.
A situação conduz-nos ao processo penal. Para que serve o processo penal. Para nos condenar? Para nos perseguir? Para nos investigar às ocultas? Para transmudar o segredo de justiça em regra quando é excepção? Ou para procurar a verdade? Sem verdade, o processo penal não faz sentido nenhum. É apenas instrumento do poder. Serve para investigar crimes, é certo. Tem de garantir que não há direitos e garantias do arguido que sejam lesados na sua pendência.
Um processo penal que se deixa pousar durante anos, atropela, só por isso, os direitos de defesa. A democracia e o Estado de Direito. Na tensão entre o direito/dever do Estado de punir (jus puniendi) e os direitos de defesa do arguido, estes devem prevalecer. Em homenagem ao princípio da liberdade que a Constituição e as leis consagram.
A organização judiciária não pode alhear-se destas questões. Lavar as mãos no lavatório de Pilatos. Reservar-se para as dissertações grandiloquentes no Supremo Tribunal de Justiça. Por mais úteis que sejam as mensagens. Os líderes não estão aí para se reservarem e limitarem a discursos profundos. Justiça é a do terreno. A do autarca acusado de receber 7500 euros por um serviço. Não a dos palácios onde os justiciáveis não entram.
A política tem tudo a ver com isto. Não que ultrapasse a separação de poderes. Mas que não esqueça a política de e para a Justiça. Aí estão os tão falados meios que as magistraturas continuam a dizer insuficientes. Só a política os pode fornecer. Os políticos só se lembram da Justiça quando ela lhes bate à porta. Refugiam-se no dito bacoco de que “à Justiça o que é da Justiça, à Política o que é da Política...”
O autarca de Lisboa e restantes são apenas um exemplo. Uma auditoria demonstraria os processos tranquilamente à espera de solução final. De justiça!
O autarca de Lisboa, que carregou dez anos o fardo ignóbil de arguido corrupto, tem todos os motivos para se sentir maltratado pelo seu país. Ser arguido de um crime de corrupção por tanto tempo é de certeza razão de uma desconsideração social pesada.
Procurador-geral adjunto