Espuma

E se o acordo se gorar? Seria mais uma ocasião perdida de a esquerda se entender.

Para além da espuma dos dias, António Costa continua a procurar a solução viável de governo que a maioria dos Portugueses dele esperam. Há razões para pensar que ela se revela difícil, dada a exiguidade do tempo e o longo afastamento a que as esquerdas à sua esquerda foram votadas, conhecendo-se as exigências governativas externas de um governo dentro da Europa e do Euro. Mas não impossível, sendo a vontade de não deixar prosseguir a deriva trauliteira o cimento de uma união por tantos combatida e que muitos tentam activamente fazer abortar. As doçuras transitórias de linguagem da coligação, na campanha, quase nos fizeram esquecer que foram eles que aniquilaram emprego, ampliaram desemprego, geraram pobreza, afugentaram investimento, desbancaram a banca, empobreceram o pequeno comércio, quedaram cegos e surdos perante as dificuldades do crédito, afugentaram centenas de milhares de jovens e, pior que tudo, se instalaram no Estado como se fossem donos. Se alguém duvidasse bastaram duas semanas para todos recordarmos como atua a direita política e a direita dos negócios: os despedimentos artificialmente travados até 4 de Outubro surgem agora em catadupa; o crescimento inaceitável da pobreza, entre 2012 e 2013, sobretudo entre os jovens; o buraco por tapar no antigo BES, posto a nu por comprador potencial, mesmo que desdiga do objecto por razões de barganha; o negócio apressado da TAP a mostrar fissuras; a crescente e grosseira perda do pluralismo informativo, com Mendes a ocupar o tempo de Marcelo e a televisão pública a promover suposta informação independente com comentadores, ilustres todos, por estranha coincidência contra governo PS apoiado à esquerda; mais grave ainda, a ocupação do Estado com a criação de novos lugares dirigentes, garantidos por contratos seguros, para acomodar fiéis servidores de quatro anos de gabinete, bem como o afã de novo tachismo, desenvolvido ainda em plena campanha. Onde param as proclamações iniciais do Governo cessante sobre pluralismo e independência da administração? Por que razão os escolhidos pelo Governo, nas listas finais do Doutor Bilhim, são sempre do PSD ou do CDS/PP?

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Para além da espuma dos dias, António Costa continua a procurar a solução viável de governo que a maioria dos Portugueses dele esperam. Há razões para pensar que ela se revela difícil, dada a exiguidade do tempo e o longo afastamento a que as esquerdas à sua esquerda foram votadas, conhecendo-se as exigências governativas externas de um governo dentro da Europa e do Euro. Mas não impossível, sendo a vontade de não deixar prosseguir a deriva trauliteira o cimento de uma união por tantos combatida e que muitos tentam activamente fazer abortar. As doçuras transitórias de linguagem da coligação, na campanha, quase nos fizeram esquecer que foram eles que aniquilaram emprego, ampliaram desemprego, geraram pobreza, afugentaram investimento, desbancaram a banca, empobreceram o pequeno comércio, quedaram cegos e surdos perante as dificuldades do crédito, afugentaram centenas de milhares de jovens e, pior que tudo, se instalaram no Estado como se fossem donos. Se alguém duvidasse bastaram duas semanas para todos recordarmos como atua a direita política e a direita dos negócios: os despedimentos artificialmente travados até 4 de Outubro surgem agora em catadupa; o crescimento inaceitável da pobreza, entre 2012 e 2013, sobretudo entre os jovens; o buraco por tapar no antigo BES, posto a nu por comprador potencial, mesmo que desdiga do objecto por razões de barganha; o negócio apressado da TAP a mostrar fissuras; a crescente e grosseira perda do pluralismo informativo, com Mendes a ocupar o tempo de Marcelo e a televisão pública a promover suposta informação independente com comentadores, ilustres todos, por estranha coincidência contra governo PS apoiado à esquerda; mais grave ainda, a ocupação do Estado com a criação de novos lugares dirigentes, garantidos por contratos seguros, para acomodar fiéis servidores de quatro anos de gabinete, bem como o afã de novo tachismo, desenvolvido ainda em plena campanha. Onde param as proclamações iniciais do Governo cessante sobre pluralismo e independência da administração? Por que razão os escolhidos pelo Governo, nas listas finais do Doutor Bilhim, são sempre do PSD ou do CDS/PP?

A coligação levou duas semanas a internalizar a sua nova capitis deminutio. Só agora se apercebeu de que pode ficar fora do Governo e se nele ficar andará de unhas rentes. A sua conduta, como na história passada, aumenta de violência verbal e de sanha à medida que sente a terra fugir-lhe debaixo dos pés. Alguns exemplos: a repetição ad nauseam do argumento de que, embora minoritária no Parlamento, deve governar por direito divino ou consuetudinário; a pressão visível sobre o Presidente para, em caso de aprovação de voto de rejeição pelo Parlamento, a coligação indigitada possa ficar eternamente em gestão (meio ano é uma eternidade) a governar até que o novo Presidente desembrulhasse a novela; a espera ansiosa por um crack bolsista ou pelo insucesso de emissões de dívida de longo prazo que desacreditasse nos mercados a solução à esquerda; o carinho reverencial com que opiniões minoritárias no PS são tratadas nos espaços ideológicos da direita, p. ex. Brilhante Dias e Francisco de Assis (“tropas de Assis já estão no terreno”) esquecendo que sempre na história do Rato se acolheram as dissidências opinativas e com elas se aprendeu; a amplificação dos escolhos, “negociações à esquerda sem fim à vista”; tudo tão patente na linguagem trauliteira de respeitáveis senadores e senadoras: “golpe de estado eleitoral”, a “golpada”, o “usurpador”, “um País rasgado em dois”, “Costa garante a Cavaco a instabilidade”, ou nessa frase romântica de Portas, “Costa sequestra os votos dos que defendem a democracia”.

Pacientemente, Costa vai desmontando armadilhas argumentativas e insultos comunicacionais, por muito emotivos e inquisidores que os entrevistadores se revelem. Denunciou com frontalidade a jactância vazia da coligação no primeiro encontro e a sonegação prática de informação essencial, a partir de então. Sem romper. Quem anunciou ruptura foi Passos.

Haverá acordo à esquerda? A repetida frase “o PS só não forma Governo se não quiser” deve ser continuada por outra: sem solução estável e duradoura como alternativa, ninguém conte com o PS para derrubar governos. Nenhuma das partes transmitiu descrença. Ambas revelam sinais de esforçado empenho. Temos ainda duas semanas até à eventual queda no Parlamento de um pré-indigitado governo de direita. Convém que os negociadores negoceiem. E se o acordo se gorar? Seria mais uma ocasião perdida de a esquerda se entender. Mas não seria o fim do mundo, apenas o início de uma boa amizade nas esquerdas e de vigilante escrutínio de um Governo que não merece governar.

Professor catedrático reformado