Ministério Público baseia acusação na leitura de um livro em sessões de formação
Despacho do Ministério Público refere-se a "factos que evidenciam claramente que os arguidos participavam em reuniões com vista a traçar estratégias e acções conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República".
O despacho da acusação deduzida pelas autoridades de Angola contra os quinze activistas que foram detidos “em flagrante delito” no passado dia 20 de Junho, aponta para a prática, em co-autoria material, do crime de “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O despacho da acusação deduzida pelas autoridades de Angola contra os quinze activistas que foram detidos “em flagrante delito” no passado dia 20 de Junho, aponta para a prática, em co-autoria material, do crime de “actos preparatórios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”.
De acordo com um resumo, publicado no site da Rede Angola, dos 36 pontos enumerados pelo Ministério Público na sua acção contra os quinze arguidos, estes estariam envolvidos numa conspiração para a “destituição do Presidente da República e de outros órgãos de soberania”, que estava a ser planeada há pelo menos três meses. “Os factos descritos evidenciam claramente que os arguidos participaram em reuniões com vista a traçar estratégias e acções, tais como manifestações, greves e desobediência civil generalizada, conducentes à destituição do Governo e do Presidente da República”, considera a acusação.
Os procuradores entendem que as sessões de formação de activistas realizadas na livraria Kiazele, na Vila Alice de Luanda, eram na realidade reuniões para a “mobilizar as massas populares ideais para desacreditar a governação do executivo angolano”. Como se lê no auto, terá sido nesses “encontros de concertação” que amadureceu a ideia de “preparar as acções e estratégias que conduziriam à destituição do poder político em Angola”.
Na sua argumentação, o Ministério Público refere-se à análise e discussão de uma “suposta obra de Domingos da Cruz [um dos arguidos] com o título Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura: Filosofia para a libertação de Angola, uma adaptação do livro de Gene Sharp Da Ditadura à Democracia”. A obra, assinala o despacho, “inspirou as chamadas revoluções nos países da Europa de Leste, países nórdicos, africanos, como a Tunísia, o Burkina Faso, Egipto e Líbia, cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram”.
Na interpretação feita pelas autoridades ao texto adaptado por Domingos da Cruz, o autor “ensina como desencadear acções de raiva, revolta e revolução para o fim da tirania através de manifestações generalizadas, greves e desobediência civil”; a sua intenção ao “importar os ensinamentos de Gene Sharp”, prossegue a acusação, seria criar um descontentamento generalizado da população “com o objectivo de destituir” José Eduardo dos Santos.
O Ministério Público enumera a realização de cinco sessões, com “explicações sobre a metodologia e objectivos a perseguir” e a “preparação de acções para a destituição do Presidente da República ao que seguiria a criação de um governo de transição”. Os activistas foram detidos, “em flagrante delito”, durante a sexta reunião, quando já discutiam acções concretas “começando com greves, manifestações generalizadas, violência e queimando pneus em todas as artérias da cidade de Luanda”.
“Os arguidos planeavam formar um governo de salvação nacional e elaborar uma nova Constituição”, alega a acusação, contrapondo que “o poder político é exercido por quem obtém legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, sendo ilegítimos e criminalmente puníveis a tomada e o exercício do poder político com base em meios violentos ou por outras formas não previstas nem conformes com a Constituição”.
Num outro ponto, o Ministério Público lamenta que “os arguidos, que se autodenominam também de jovens revolucionários e se dizem defensores dos direitos humanos e lutadores pela democracia, não respeitaram (nem respeitam), voluntária e conscientemente, os órgãos de soberania, a Constituição da República de Angola e as leis do país, nomeadamente a lei de reunião e de manifestação”.