Morreu o escritor Gamal Al Ghitani, uma voz contra o fanatismo no mundo islâmico
O escritor egípcio tinha 70 anos e há três meses que estava em coma. “Um dia chegaremos a um ponto em que ninguém se atreve a escrever uma única linha”, dizia.
Romancista, jornalista e humanista. Gamal Al Ghitani, admirador e seguidor de Naguib Mahfouz, o primeiro árabe a receber o Nobel da Literatura, em 1988, morreu neste domingo aos 70 anos. Ghitani, um dos nomes mais destacados da literatura egípcia, estava doente há já algum tempo. Em Agosto tinha mesmo entrado em coma, escreve e AFP. Gamal Al Ghitani estava internado num hospital do Cairo.
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Romancista, jornalista e humanista. Gamal Al Ghitani, admirador e seguidor de Naguib Mahfouz, o primeiro árabe a receber o Nobel da Literatura, em 1988, morreu neste domingo aos 70 anos. Ghitani, um dos nomes mais destacados da literatura egípcia, estava doente há já algum tempo. Em Agosto tinha mesmo entrado em coma, escreve e AFP. Gamal Al Ghitani estava internado num hospital do Cairo.
O escritor começou, ainda em rapaz, como desenhador de tapetes, muito longe de imaginar que muitos anos mais tarde se tornaria num respeitado intelectual muçulmano, discípulo assumido de Mahfouz, considerado por muitos como o melhor escritor árabe de sempre. Os dois partilharam não só uma longa amizade como muito trabalho.
Gamal Al Ghitani nasceu a 9 de Maio de 1945 numa família pobre do sul do Egipto. Foi, no entanto, no Cairo – uma cidade sempre presente na sua obra – que fez os seus estudos. Começou como jornalista, actividade que manteve durante muitos anos e já depois de várias obras editadas, destacando-se como repórter de guerra. Cobriu, por exemplo, o conflito israelo-árabe de 1973.
Sempre crítico dos regimes árabes, Gamal Al Ghitani, cuja escrita percorre géneros tão diversos como o diário de viagens, o romance clássico, a novela e o conto, nunca escondeu, nas suas obras, as posições que assumia publicamente noutros fóruns. O escritor chegou a ser preso, no regime de Gamal Abdel Nasser, pelos seus constantes ataques ao poder e pelo seu militantismo (reivindicou o marxismo). Com mais de uma dezena de livros publicados, traduzidos em várias línguas (com particular destaque para o francês, o alemão e o inglês), Ghitani viu mesmo alguns dos seus livros na lista de obras proibidas no Egipto.
Em Portugal, no entanto, a sua obra está pouco representada nas livrarias. O escritor esteve no Algarve, em 2001, na primeira edição da Semana Cultural Egípcia, onde apresentou O Apelo do Poente, editado pela Livros do Brasil, que editou ainda As Narrativas da Instituição.
Muitos viram em O Apelo do Poente, sobre o percurso de Ahmad ibn Abdallah em busca do lugar em que o sol se põe, uma alegoria política. Ghitani nunca o negou, pelo contrário, manteve-se até ao fim uma voz crítica, com particular relevância no trabalho que desenvolveu à frente da revista literária Akhbar Al-Adab, onde deu espaço a novos autores. Escreve a AFP que foi nos anos que esteve como editor-chefe desta publicação, entre 1993 e 2011, que ela se tornou numa das mais prestigiosas do país.
Viveu e trabalhou sempre sem medo, resistindo a todos as pressões, principalmente vindas dos crentes fundamentalistas, contra quem Gamal Al Ghitani se manifestou vezes sem conta. “Um dia chegaremos a um ponto em que ninguém se atreve a escrever uma única linha”, chegou a dizer. “Não podemos permitir que a crítica literária se torne uma tarefa das orações de sexta-feira nas mesquitas”, defendia.
Em 1987 foi condecorado em França com a Ordem das Artes e das Letras e ainda este ano venceu o prémio do Nilo, a mais alta distinção literária entregue pelo governo egípcio.
Em comunicado, o primeiro-ministro Sherif Ismail lamentou a morte do escritor, lembrando o “seu estilo literário único”. Para Ismail, Gamal Al Ghitani ajudou “a reviver as histórias do património árabe”.