Em carta dura, Costa critica "displicência" de Passos
O tom não é amigável e o caderno de encargos não é pequeno. Num total de 14 páginas, Costa apresenta a sua agenda para um entendimento político com o PSD e o CDS.
É duro o tom da carta enviada pelo secretário-geral do PS ao presidente do PSD e líder da coligação Portugal à Frente, ainda que cumpra as regras de cortesia de abrir com a saudação nominal do seu interlocutor, bem como a manifestação final de “consideração pessoal”, manuscritas pelo próprio António Costa.
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É duro o tom da carta enviada pelo secretário-geral do PS ao presidente do PSD e líder da coligação Portugal à Frente, ainda que cumpra as regras de cortesia de abrir com a saudação nominal do seu interlocutor, bem como a manifestação final de “consideração pessoal”, manuscritas pelo próprio António Costa.
A missiva de seis páginas enviada a Pedro Passos Coelho, sexta-feira ao fim da tarde, é acompanhada de um documento de oito páginas intitulado Pontos essenciais dos objectivos do PS ausentes da proposta feita pela coligação na segunda-feira para servir de base negocial. Nesse documento, que foi preparado por Mário Centeno, os socialistas respondem ao documento da coligação e enumeram uma série de medidas que integravam o seu programa eleitoral e que consideram as suas condições para uma negociação de um acordo de viabilização do Governo PSD-CDS.
Na carta, a que o PÚBLICO teve acesso, António Costa estranha o facto de Passos Coelho se ter apresentado “displicente, sem nada a propor” na primeira reunião com o PS. E termina a afirmar que, “com total franqueza”, quer “sublinhar cinco conclusões” que retira das reuniões com a coligação. E é nessas conclusões que é evidenciada a distância que ainda há a percorrer para que possa haver um entendimento.
A primeira conclusão de Costa é a de que a coligação “prosseguiu, durante o diálogo com o PS, uma política de falta de transparência e ocultação de informação”, que classifica de “reveladora da sua incapacidade de, de boa-fé, construir uma qualquer plataforma de entendimento”. E concretizando, Costa diz que tal “incapacidade revelou-se particularmente grave na ausência de informação consistente sobre a situação orçamental, sobre a situação do sector financeiro e sobre os fundamentos das projecções económicas para 2016 e 2107”, bem como “sobre os impactos financeiros das medidas de políticas propostas no programa da coligação”.
A segunda conclusão de Costa é que a coligação “revelou-se incapaz de assumir qualquer correcção à política económica prosseguida aos longo dos últimos quatro anos” e mantém “no essencial a estratégia de consolidação das contas públicas através de políticas de empobrecimento do país”.
A terceira conclusão é que a coligação “confirmou a manutenção do objectivo de redução de rendimentos das famílias portuguesas como política para uma ‘poupança’ de 600 milhões de euros/ano (2400 ao longo da legislatura) na área da segurança social”.
A quarta conclusão de Costa é que a coligação mantém “inalteráveis aspectos essenciais do seu programa de enfraquecimento das funções sociais do Estado, que foram explicitamente rejeitados por uma ampla maioria do eleitorado”. Exemplificando com “a abertura à privatização do ensino e a ausência de compromissos claros de alteração da política de ciência”.
A quinta conclusão é que a coligação “não manifestou qualquer disponibilidade para a construção de uma política europeia que, no respeito pelos compromissos europeus de Portugal, se empenhasse em criar condições mais favoráveis para concretizar uma recuperação da economia portuguesa”.
Apesar do tom crítico da carta, Costa nunca fala de vontade de rompimento de conversações da parte dos socialistas. Pelo contrário, faz questão de manifestar a sua estranheza pelo facto de Passos Coelho ter rompido negociações. E afirma a surpresa com “o modo – no mínimo deselegante – como sem esperar sequer pela resposta escrita a que nos comprometemos, o Dr. Passos Coelho pôs ‘ponto final’” aos contactos entre partidos.
António Costa recorda que, na segunda reunião, enumerou uma série de medidas que o PS desejava ver contempladas pela coligação no programa de Governo e no Orçamento do Estado e que foram verbalizadas a Pedro Passos Coelho e a Paulo Portas no segundo encontro de trabalho que decorreu no Rato no dia 13. São precisamente essas medidas sistematizadas por escrito que agora foram enviadas à coligação, na expectativa de que na próxima semana as conversações possam prosseguir.
Explicações em directo
Mas na sexta-feira à noite, na TVI, António Costa deu como acabadas as conversas com a coligação. Não por ele, embora tenha enumerado as razões do seus descontentamento, mas pelo próprio líder do PSD: “A última vez que ouvi falar dessas conversas foi o dr. Passos Coelho a pôr-lhes fim.”
E foi a propósito delas que Costa lançou uma nuvem de fumo. Foi na segunda parte da entrevista, quando o programa já só passava no cabo, que sugeriu que um dos motivos pelos quais a conversa com a coligação azedou foi por causa de “uma má notícia para o país que um dia os portugueses vão saber”. Mais: “Foram sempre deixando cair uma nova surpresa desagradável que um dia vão ser tornadas públicas sobre a real situação financeira do país.”
Sem querer revelar a que factos se estava a referir, sempre respondeu com um “sim” quando o jornalista Pedro Pinto lhe perguntou se eram factos de “grande gravidade económica”. “Infelizmente os portugueses vão ficar a saber”, porque “há um limite” para “o que não se diz”, reafirmou Costa.
A sombra estava lançada e ajudava a explicar a primeira parte da entrevista, em que António Costa se tinha demorado a explicar como estavam a correr bem as negociações à esquerda. Mas também para balizar que tipo de horizonte têm: “Um governo que tenha condições na perspectiva da legislatura”, ou seja, para quatro anos. Para que não haja dúvidas, afirmou: “Não há cá governos de gestão.”
Isto, depois de repetir qual é a posição do PS sobre o actual xadrez político: a coligação ganhou as eleições, tem o direito de formar governo e o PS só não viabiliza o programa de governo, se tiver “uma alternativa de governo estável”. E, quando lhe perguntaram, respondeu sem hesitar: “Neste momento, o PS está, tudo indica, em melhores condições de formar uma maioria governativa do que a coligação PSD-CDS.”