Formar idosos para trazerem as vozes de idosos mais excluídos
Método de investigação social foi testado por equipa da Universidade de Manchester em três bairros desta cidade britânica.
Quando ouviu falar naquilo, Bill Williams contorceu-se. “Ai! Vai ser muito difícil”, reagiu o activista, de 58 anos. “É difícil chegar aos mais velhos.” A investigadora Tine Buffel sabia disso. Por essa mesma razão queria testar um novo método: fazer de residentes mais velhos, como ele, co-investigadores.
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Quando ouviu falar naquilo, Bill Williams contorceu-se. “Ai! Vai ser muito difícil”, reagiu o activista, de 58 anos. “É difícil chegar aos mais velhos.” A investigadora Tine Buffel sabia disso. Por essa mesma razão queria testar um novo método: fazer de residentes mais velhos, como ele, co-investigadores.
Tine Buffel estava na Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, a estudar o impacto do ambiente urbano nos idosos e candidatou-se a uma bolsa da Comissão Europeia com Chris Phillipson, professor de Sociologia e Gerontologia Social da Universidade de Manchester. Propunham-se a analisar as oportunidades e os obstáculos que se colocam aos idosos residentes em meio urbano para que a vida deles possa ser melhor.
Manchester, no Reino Unido, afigurou-se-lhes ideal para fazer uma experiência daquelas. “É uma das cidades mais progressistas do mundo na forma de pensar e de lidar com o envelhecimento”, sublinhou Tine Buffel, no Instituto de Investigação Colaborativa sobre Envelhecimento, co-dirigido por Chris Phillipson. Manchester é uma espécie de farol da rede internacional de cidades amigas dos idosos, impulsionada pela Organização Mundial de Saúde. A câmara desenvolveu uma estratégia integrada, que envolve idosos, organizações de idosos, organizações comunitárias, grupos de voluntários, universidades.
O envelhecimento da população é um fenómeno que preocupa a generalidade dos países europeus. Portugal é um dos mais envelhecidos. Pelas previsões do Instituto Nacional de Estatística, em 2050 um terço da população portuguesa terá 65 ou mais anos.
Em países como o Reino Unido – e Portugal –, a maior parte dos idosos mora nas cidades e nos seus subúrbios. A experiência pode ser problemática, sobretudo para quem tem pouca mobilidade e depende de serviços de fácil acesso¸ explica Chris Phillipson. As cidades são pensadas para quem está em idade activa. O desafio, enfatiza, é adaptá-las para que sirvam cidadãos de todas as idades. No seu entender, é preciso descer até à escala do bairro, já que “80% do tempo das pessoas com mais de 70 anos é gasto em casa e na vizinhança”, e torná-lo age-friendly.
Perguntará o leitor: O que é um bairro age-friendly? Tine Buffel define-o assim: “Uma comunidade empenhada num processo de transformação do meio, de melhoria do ambiente físico e social, de modo a que todos possam envelhecer bem, ter oportunidade de alcançar o seu potencial.”
Dentro de uma estratégia de investigação mais abrangente, avançaram com o projecto-piloto: iriam perceber como é que os residentes mais idosos, em particular os mais pobres, percepcionam o seu bairro, como é que o bairro promove ou impede o envelhecimento activo, isto é, a possibilidade de trabalhar, mas também de participar na vida social, cívica, cultural ou religiosa.
Tine Buffel dirigiu-se a pessoas que moram, trabalham ou são voluntárias em grupos comunitários ou em organizações locais de três bairros com diferentes características: Whalley Range, Chorlton, Chorlton Park. “Eu sou nova na cidade”, disse-lhes. “Nós temos esta ideia e temos fundos para a realizar. Gostaríamos de fazer isto com a comunidade. Vocês podem ajudar?”
Elucidou que não queria que as pessoas mais velhas fossem suas consultoras. “Queremos que sejam co-investigadoras. Queremos dar-lhes formação para que possam aceder a pessoas às quais nós, investigadores profissionais, temos muito dificuldade em aceder. Queremos que façam perguntas. Poderiam ajudar a encontrar interessados, de diferentes grupos étnicos, com boa capacidade de falar, de ouvir?”
Criaram um grupo de trabalho para ajudar a promover o projecto, recrutar potenciais co-investigadores, reflectir sobre os resultados, identificar soluções possíveis. Organizaram 14 grupos de discussão com 127 idosos, membros de grupos comunitários, organizações locais, fornecedores de serviços públicos, proprietários de negócios locais. E formaram 18 co-investigadores, como Bill Williams, que o PÚBLICO foi encontrar no centro comunitário de Whalley Range.
“Sou presidente do centro comunitário”, esclareceu Bill Williams , convidando-nos a sentar em torno de uma mesa da sala de reuniões do velho edifício. “Estou envolvido em actividades comunitárias há mais de 20 anos. Sempre foi difícil ter pessoas mais velhas nas nossas actividades. Eu perguntava-me: Porque ficam em casa? Porque não saem? Porque não estão aqui?”
“Eles eram mesmo bons a encontrara pessoas que sofrem múltiplas formas de exclusão, que vivem em situação de pobreza, de isolamento social, com graves problemas de saúde, com grandes restrições de mobilidade”, conta Tine Buffel. “Como moram lá, sabem – porque conhecem, porque um vizinho lhes contou, porque viram alguém a passear cão – quem está mais vulnerável, quem nem sequer consegue sair.”
Os co-investigadores não foram desarmados para o terreno. “Nós discutimos os tópicos, as perguntas que podiam ser importantes”, salientou ela. “Decidimos que falariam sobre solidão, gestão de rendimento mensal, acesso aos vários serviços, problemas para andar no bairro ou sair dele, do que precisariam para ter uma boa velhice.” Foi-lhes pedido que procurassem ouvir as pessoas mais marginalizadas pela comunidade e que tivessem atenção à diversidade étnica, às assimetrias de poder.
Bill Williams pegou no gravador que Tine Buffel lhe deu e no guião de entrevista e bateu à porta de seis vizinhos mais velhos. “Alguns vivem ali há 50 anos. Contaram-me como era o bairro nessa altura, como foi mudando, quão infelizes estão.” Ficou impressionado. “Pensava que não ia conseguir nada, mas eles deram-me as boas-vindas, disseram-me: ‘Ainda bem que veio. Estou aqui calado.’ Assim que uma pessoa tem mais de 55 anos, os outros pensam que se deve preparar para morrer!”
Entrevistaram 68 idosos. Tine Buffel ficou encantada. “Quisemos encontrar um método de envolver os idosos e de aprofundar a pesquisa e acho que encontrámos um bem-sucedido”, declarou, entusiasmada. “Acho que este é um bom método para fazer ouvir a voz dos mais excluídos, dos menos ouvidos, e de trazer os seus contributos, fazer com que a sua voz seja ouvida.”
Não é rápido, nem barato. “Requer investimento nas relações com idosos, voluntários, organizações locais, decisores políticos, investigadores, mas tem um grande retorno”, assegura. É uma oportunidade de diferentes actores trocarem experiências, aprenderem uns com os outros. O método permite envolver os mais velhos, participar no sentido mais lato, mobilizar as suas competências, o seu saber; reaviva o direito que os cidadãos de todas as idades têm de usar os recursos da cidade; traz ao de cima as várias dimensões de que é feito um ambiente “age-friendly”.
A mudança na transformação ainda não começou, mas a investigadora está convencida de que um grande passo foi dado: “O projecto é sustentável porque as pessoas envolvidas ficaram mais conscientes, tornaram-se activistas age friendly.” Ajuda o facto de a câmara ter decidido transformar Manchester numa “óptima cidade para envelhecer”. “Os nossos estudos enformam as políticas e as políticas enformam os nossos estudos. É uma rede. Muitas organizações estão empenhadas nesta ideia de fazer de Manchester uma cidade amiga dos idosos.”