Bombardeamentos não afectaram máquina de dinheiro do Estado Islâmico
Extremistas vendem petróleo nos territórios que controlam e também aos seus inimigos na Síria e no Iraque. Investigação do Financial Times indica que as receitas ultrapassam os 500 milhões de dólares por ano.
Os bombardeamentos da coligação liderada pelos Estados Unidos no Iraque e na Síria não limitaram a capacidade do Estado Islâmico para se financiar através da extracção de petróleo. Apesar dos 10.600 ataques aéreos lançados desde Agosto do ano passado, os jihadistas continuam a alimentar a sua máquina de guerra com a venda de petróleo a compradores nos territórios que controlam, mas também ao regime de Bashar al-Assad e a outros grupos com quem estão em guerra.
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Os bombardeamentos da coligação liderada pelos Estados Unidos no Iraque e na Síria não limitaram a capacidade do Estado Islâmico para se financiar através da extracção de petróleo. Apesar dos 10.600 ataques aéreos lançados desde Agosto do ano passado, os jihadistas continuam a alimentar a sua máquina de guerra com a venda de petróleo a compradores nos territórios que controlam, mas também ao regime de Bashar al-Assad e a outros grupos com quem estão em guerra.
Uma investigação do jornal Financial Times, publicada esta quinta-feira, revela que os extremistas do autoproclamado Estado Islâmico conseguem produzir o equivalente a entre 34.000 e 40.000 barris de petróleo por dia, vendendo-os a preços que vão dos 20 dólares aos 44 dólares (a cotação actual nos mercados internacionais é ligeiramente superior a 46 dólares) – com esta operação, os jihadistas chegam a embolsar até 1,53 milhões de dólares por dia, ou mais de 500 milhões de dólares por ano.
"Não temos afectado as receitas de petróleo deles tanto quanto esperávamos. Eles conseguem fazer reparações em todos os sítios que bombardeamos", disse ao jornal um elemento dos serviços secretos de um país europeu, citado sob a condição de anonimato.
Um outro responsável, dos serviços secretos norte-americanos, disse que a coligação teve de ajustar os objectivos da campanha de bombardeamentos dos poços de petróleo controlados pelos extremistas: "Há um ano, eu esperava que as finanças deles estivessem estranguladas por esta altura. Mas já fizemos uma reavaliação. Eles ainda estão bem, e ainda têm uma grande quantidade de reservas e de dinheiro."
Após "dezenas de entrevistas a pessoas na Síria e no Iraque envolvidas na máquina de fazer dinheiro do ISIS" (sigla em inglês para Estado Islâmico do Iraque e do Levante), os repórteres do Financial Times concluíram que os jihadistas montaram uma estrutura profissional, equivalente na sua operação a uma companhia petrolífera estatal, e que funciona como um monopólio mantido sob a ameaça de morte.
Ao contrário da rede terrorista Al-Qaeda, que dependia do financiamento externo, a principal fonte de rendimentos do Estado Islâmico é totalmente controlada pelos seus próprios líderes – para além da venda de petróleo, que representa a maior fatia, os jihadistas lucram também com a cobrança de impostos às populações, extorsões e venda de antiguidades.
Mas o monopólio não é mantido apenas através da força – em muitos casos, são os próprios inimigos do Estado Islâmico quem lhes compra gasóleo e gasolina, através de intermediários na Síria e no Iraque.
"É uma situação que nos faz rir e chorar ao mesmo tempo. Mas não temos alternativa, a nossa revolução é uma revolução de gente pobre. Há mais alguém que nos venda combustível?", questionou um comandante rebelde sírio de Alepo, palco de uma batalha sangrenta desde 2012 que envolve as forças de Bashar al-Assad, vários grupos rebeldes e os jihadistas.
A maior parte dos poços controlados pelo Estado Islâmico na Síria situam-se na zona Leste (como Al-Omar, na fronteira com o Iraque), mas o petróleo chega ao outro lado do país, perto da fronteira a Noroeste com a Turquia, controlada pelos rebeldes. "Aqui toda a gente precisa de gasóleo: para a água, para a agricultura, para os hospitais, para os escritórios. Se o fornecimento de gasóleo for cortado, deixa de haver vida", disse ao Financial Times um comerciante que vive perto de Alepo.
Em Al-Omar, há filas de camiões que se estendem por seis quilómetros, e que ali ficam um mês para serem abastecidos. À volta dos poços controlados pelo Estado Islâmico desenvolveu-se uma economia para satisfazer as necessidades dos camionistas – muitos deles ficam por lá à espera e outros regressam a casa várias vezes durante semanas.
Assim que assumem o controlo de um poço de petróleo, os líderes do Estado Islâmico montam imediatamente uma estrutura profissional, escreve o Financial Times – contratam engenheiros e outros especialistas e enviam-nos para essas áreas, para supervisionarem toda a operação.
Quando chegaram à província de Kirkuk, no Iraque, "estavam preparados, tinham pessoas responsáveis pela parte financeira e tinham técnicos para ajustar os processos de abastecimento e armazenamento", disse ao jornal um xeque da cidade de Hawija, na província de Kirkuk. "Trouxeram centenas de camiões de Kirkuk e de Mossul e começaram a extrair o petróleo e a exportá-lo", acrescentou.
O profissionalismo da operação passa por aliciar e contratar especialistas, oferecendo-lhes salários competitivos, como foi o caso de um homem identificado como Rami, que trabalhou no sector petrolífero da Síria antes de se ter tornado um comandante rebelde. Rami disse ao Financial Times que foi contactado por um líder militar do Estado Islâmico no Iraque através da aplicação de mensagens instantâneas WhatsApp: "Ele disse-me que eu podia escolher o cargo e o salário que quisesse."
Apesar de o negócio do petróleo continuar a render milhões ao Estado Islâmico, a expectativa é que esse poço deixe de jorrar mais cedo ou mais tarde, através de uma combinação de factores: os bombardeamentos da coligação liderada pelos Estados Unidos, a intervenção militar da Rússia e a falta de tecnologia para manter as infra-estruturas em pleno funcionamento durante anos.