Luan foi à vigília e disse que ia “pedir ao pai para falar com eles”

“Liberdade já!”, gritou-se em Lisboa. “O MPLA, com a prisão dos jovens, tentou cortar pela raiz a mobilização e está a ter o efeito contrário”, afirma Rafael Marques.

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Avenida abaixo, em cima da bicicleta, ao lado da marcha em que se gritava “Liberdade já”, o miúdo fazia perguntas, umas atrás das outras. “Como é que ele consegue ouvir isto na Angola?”, “Por que é que dizem que ele é mau?”, “Por que é que a polícia não vai à Angola e tira eles da prisão?” A mãe respondia como podia. Pouco depois, Luan, cinco vivos anos, olhos muito abertos, rematou: “Hoje vou pedir ao pai para ir falar com eles.”

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Avenida abaixo, em cima da bicicleta, ao lado da marcha em que se gritava “Liberdade já”, o miúdo fazia perguntas, umas atrás das outras. “Como é que ele consegue ouvir isto na Angola?”, “Por que é que dizem que ele é mau?”, “Por que é que a polícia não vai à Angola e tira eles da prisão?” A mãe respondia como podia. Pouco depois, Luan, cinco vivos anos, olhos muito abertos, rematou: “Hoje vou pedir ao pai para ir falar com eles.”

Como Luan e a mãe foram centenas os que esta quarta-feira ao fim da tarde desceram do Largo Jean Monet, em direcção ao Rossio, no centro de Lisboa. Respondiam ao apelo de organizações de solidariedade, incluindo a Amnistia Internacional, para uma concentração seguida de vigília com os 15 activistas angolanos detidos desde Junho em Luanda, acusados de quererem derrubar o Governo. Entre eles Luaty Beirão, em greve de fome desde 21 de Setembro, numa forma radical de luta em que está ser seguido desde o dia 9 de Outubro por outro detido, Nelson Dibango.

Logo no início da concentração, frente ao edifício-sede da representação da Comissão Europeia em Portugal, houve quem pedisse: “Luaty, decide viver. Os heróis são mais importantes vivos.” Mas a palavra forte da iniciativa foi: “Liberdade já!”, grito que, em plena Avenida da Liberdade, se combinou com: “Abaixo a repressão!”, “Abaixo a ditadura”.

À cabeça do desfile, numa faixa da organização Solidariedade Imigrante, lia-se, sob fundo azul: “Não às prisões arbitrárias”. Alguns empunhavam cartazes em que foram impressos os rostos dos detidos. A luta de Luaty levou a que lhe tivesse sido dedicada uma palavra de ordem: “Luaty Beirão, juntos contra a repressão!”. “Somos todos Luaty Beirão”, lia-se também em algumas T-shirts brancas.

A irmã do detido em greve de fome, Serena Mancini, o escritor José Eduardo Agualusa e o humorista Nuno Markl estavam entre os angolanos e portugueses que aderiram à concentração. Símbolos partidários só o do Movimento Alternativa Socialista, que escreveu numa faixa: “Liberdade para os presos políticos! Abaixo o regime angolano!” A adesão veio de diferentes quadrantes políticos: do ex-líder do CDS-PP Ribeiro e Castro à deputada do PS Isabel Moreira e a militantes do Bloco de Esquerda.

“O MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder], com a prisão dos jovens, tentou cortar pela raiz a mobilização e está a ter o efeito contrário”, disse ao PÚBLICO o jornalista e activista Rafael Marques, no entender de quem o Presidente, José Eduardo dos Santos, está a “criar uma situação terrível para si próprio”. “Se não forem libertados, o movimento crescerá e o MPLA será derrotado”, acrescentou o angolano, que em Maio foi condenado a seis meses de prisão com pena suspensa pela publicação do livro Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola, onde são descritos casos de violação de direitos humanos nas Lundas.

“O Luaty sozinho, com a sua greve, conseguiu mobilizar a comunidade cívica internacional. O Luaty conseguiu derrotar a obsessão do Presidente e a tirania do MPLA. Deus esteja do lado do MPLA para que não lhe aconteça nada”, afirmou também Rafael Marques, que apelou à intervenção do Presidente português, Cavaco Silva. “Bastava-lhe um telefonema para o seu homólogo a solicitar informações sobre o estado de saúde deste português”, disse. Luaty Beirão, 33 anos, é luso-angolano.

Maior empenhamento das autoridades de Lisboa é também o que defende Teresa Pina, directora da secção portuguesa da Amnistia, organização que numa semana recolheu quase 28 mil assinaturas a favor dos “prisioneiros de consciência” angolanos. “Portugal enquanto membro do Conselho de Direitos Humanos na ONU não se pode calar.”

Ribeiro e Castro encara o que está a acontecer com os detidos angolanos “com tristeza e preocupação pelo estado de saúde dos jovens”. Foi por isso que pediu “uma decisão rápida que ponha fim a este absurdo” e apelou aos dirigentes angolanos para que “não dêem passos atrás” na evolução do país.

No Rossio, com a noite a cair, começaram a acender-se velas. A pensar em Luanda. Sem discursos agendados, antes de um conjunto de tambores ter dado à vigília nova animação, haveria de gritar-se: “Angola muda, muda, muda!”

Luan terá dito mais tarde ao pai para ir falar com os que mantêm Luaty e os seus companheiros na prisão.

(Foi corrigida a grafia do nome de Luan, anteriormente identificado como Luane)