Campanha de promoção da Deco origina numerosas queixas de sócios

Tablets prometidos em troca da inscrição dos sócios demoram meses a chegar e suscitam críticas. Muitos dos novos sócios desistem após receberem a oferta. Associação diz que o assunto não tem interesse público.

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A grande maioria das queixas prende-se com os atrasos na entrega de tablets prometidos a novos aderentes Nuno Ferreira Santos

A grande maioria das queixas prende-se com os atrasos na entrega dos tablets sem marca prometidos pela Deco aos novos sócios desde Outubro do ano passado. Mas há muitas outras que se dirigem genericamente àquilo que os seus autores designam de “publicidade enganosa” por parte da associação, nesta e noutras campanhas em que são prometidos brindes aos aderentes.

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A grande maioria das queixas prende-se com os atrasos na entrega dos tablets sem marca prometidos pela Deco aos novos sócios desde Outubro do ano passado. Mas há muitas outras que se dirigem genericamente àquilo que os seus autores designam de “publicidade enganosa” por parte da associação, nesta e noutras campanhas em que são prometidos brindes aos aderentes.

A direcção da associação de consumidores reconhece a existência de atrasos na entrega dos tablets, que atribui à “incapacidade do fornecedor dar resposta ao número de pedidos”, muito superior ao esperado, mas recusa-se a responder às perguntas concretas que lhe foram dirigidas pelo PÚBLICO.

Apesar de a Deco se fazer notar há muitos anos por um estilo promocional muitas vezes classificado como agressivo, a campanha que está em curso até 31 de Janeiro deixou muitos consumidores estupefactos. “Um tablet por 2 euros? Não pode ser verdade!” Comentários como este encheram as redes sociais logo que as baterias de marketing da Deco levaram a mensagem a quem anseia por uma pechincha, e também a quem está farto de ser incomodado, por telefone, carta e email, com as campanhas.

A oferta da maior associação de consumidores portugueses aos novos sócios consiste no envio gratuito de quatro das suas revistas, no acesso às restantes vantagens atribuídas aos sócios e, finalmente, conforme se lê no seu site, na entrega de “um presente de boas-vindas: um fantástico tablet”.

Em contrapartida, os interessados tinham inicialmente de pagar apenas dois euros, através de uma autorização de débito directa na sua conta bancária. Este valor correspondia a dois meses de subscrição, preço que subia para 6,75 euros nos dez meses seguintes e — percebia quem lesse a totalidade dos materiais promocionais — para o custo normal da subscrição ao fim de um ano: 13,60 euros mensais.

Entretanto o preço inicial de dois euros por dois meses subiu para cinco euros, sem que a Deco explique o motivo, nem sequer confirme a data em que isso aconteceu, provavelmente no início do Verão. Os “termos e condições da oferta” avisam, contudo, que “qualquer aumento no preço das subscrições será anunciado com antecedência [nas publicações da organização] e, em seguida, aplicado automaticamente”.

De acordo com as “condições gerais” da oferta, os novos subscritores (é assim que a Deco se refere normalmente aos associados) recebem as revistas três semanas depois da recepção do pedido de adesão. Logo a seguir, sem se comprometer claramente com qualquer prazo, a associação diz que, “após o primeiro pagamento”,  recebem o “presente de boas-vindas” com uma garantia de dois anos.

Atraso ou expediente?
Particularmente atractiva para muitos dos alvos da campanha é a cláusula que fixa a possibilidade de cancelamento da subscrição em qualquer momento, sem qualquer explicação e ficando o ex-sócio “com o que já recebeu”, neste caso o tablet e as revistas.

Foi graças a ela que um número indeterminado de candidatos ao tablet se fizeram sócios, desistindo logo após a recepção do “presente”. A acreditar no que muitos escrevem nas redes sociais, o único objectivo que tinham era receber a “máquina”, havendo quem confesse que se voltou a inscrever logo a seguir, para receber outro tablet — facto que as respostas da Deco a algumas reclamações acessíveis no seu site confirmam. Outros houve que inscreveram a família toda com o mesmo fim, cancelando de imediato as inscrições.

A enxurrada de novos sócios explica, segundo a Deco, a ruptura dos stocks de tablets, e os atrasos de meses na entrega dos mesmos. Alguns dos que aderiram à campanha e agora se queixam acusam no entanto a associação de atrasar as entregas como expediente para receber mais dinheiro, uma vez que a partir do segundo mês o valor mensal cobrado é de 6,75 euros.

A grande maioria das reclamações e protestos tem a ver com a demora dos tablets, sendo que muitas delas assumem erradamente que havia um compromisso de entrega no prazo de três semanas (o qual respeitava apenas às revistas). Muitas outras, porém, visam a alegada fraca qualidade e deficiência de funcionamento dos tablets. Com frequência, os queixosos perguntam então: e agora a quem é que os consumidores se vão queixar da Deco?

Contactada pelo PÚBLICO, a associação recusou-se a prestar qualquer informação concreta sobre temas como o número de pessoas que aderiram à campanha, o número de tablets já entregues, o número de cancelamentos de subscrições por parte dos novos sócios, o número de reclamações recebidas e respondidas, ou o investimento global feito com a campanha.

Em resposta, o novo director de edições da organização, Nuno Fortes (que entrou em funções no mês passado e não faz parte dos órgãos sociais da associação), diz que “a maioria dos dados” solicitados “fazem parte da estratégia de gestão” da Deco. “Embora [esses dados] sejam escrutináveis através dos relatórios que anualmente publicamos, não são partilháveis a priori, quando, no nosso ajuizamento, não está sequer em causa qualquer actuação menos lícita nem um tema de interesse público”, escreve Nuno Fortes.

O Relatório de Actividades e Contas da Deco relativo a 2014 não faz, todavia, qualquer referência à campanha dos tablets, nem a qualquer outra do género. De acordo com esse relatório, a associação teve no ano passado um lucro de 289.931 euros, dos quais 271.597 respeitam a 25% dos lucros da Deco Proteste Editores Lda, a empresa proprietária da Proteste e das outras revistas distribuídas pela organização.

O capital da Deco Proteste Editores é partilhado pela empresa luxemburguesa Euroconsumers SA, que detém 75% das acções, e pela Deco, com 25%. As quotizações pagas pelos cerca de 400 mil sócios da associação somaram três milhões e quarenta mil euros.

No email enviado ao PÚBLICO, Nuno Fortes afirma que os problemas surgidos com a campanha dos tablets têm origem na “incapacidade do fornecedor em dar resposta ao número de pedidos, embora tenha acelerado a produção de novos aparelhos”. A adesão de novos subscritores tem estado acima das “melhores expectativas” da Deco, acrescenta, garantindo que os atrasos de quatro e cinco meses referidos nalgumas reclamações respeitam, “na sua esmagadora maioria”, a “casos excepcionais de novos associados que forneceram contactos errados e/ou insuficientes”.

Em todo o caso, salienta Nuno Fortes, “o número de desistências/cancelamentos é ínfimo e incomparável com a entrada de novos associados”. Para “minorar o impacto negativo” do atraso na entrega dos equipamentos, a associação assegura que tem tido o cuidado de informar “através de comunicação específica todos os novos associados desta demora e do seu fundamento, o que não é sinónimo de que todos estejam disponíveis para compreender o motivo alegado ou que não dêem conta do seu descontentamento publicamente”.

Queixas idênticas noutros países
Tal como em Portugal, também nos outros três países europeus em que existem associações de consumidores ligadas à sociedade Euroconsumers SA surgiram inúmeros protestos relacionados com a campanha dos tablets. Isto porque a OCU (Organización de Consumidores Y Usuarios), de Espanha, a Test Achats belga e a Altroconsumo italiana têm no terreno campanhas idênticas às da Deco, em que são oferecidos os mesmos tablets aos novos sócios.

O conceito é exactamente o mesmo e os materiais promocionais utilzados são muito semelhantes, o mesmo acontecendo com os sites das associações e com as revistas publicadas. As diferenças mais notórias prendem-se com o preço da subscrição e com os prazos de entrega dos aparelhos.

Enquanto que a Deco e a OCU começaram por pedir dois euros para que os novos sócios pudessem receber o “presente” e depois subiram para cinco euros, a Test Achats e a Altroconsumo mantêm-se nos dois euros. Quanto aos prazos, ao contrário da Deco que não indica um prazo limite para a entrega, a OCU garante que ele será entregue no prazo máximo de dois meses, a Test Achats indica três meses e a Altroconsumo seis meses.

No caso espanhol há também uma diferença em relação à Deco. Enquanto esta se limita a lamentar os atrasos na entrega, a OCU tem em lugar de destaque no seu site um pedido de desculpas formal. Nos sites de todas estas organizações há numerosas reclamações semelhantes às que se encontram no site da Deco.