EUA deixam de treinar rebeldes sírios e vão apoiar "grupo restrito de líderes"

Casa Branca e Pentágono anunciam mudança profunda num programa de 500 milhões de dólares que revelou ser um fracasso absoluto.

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O secretário da Defesa norte-americano, Ashton Carter, disse que "não estava satisfeito com os resultados iniciais" Jonathan Brady/Reuters

Os responsáveis do Pentágono disseram esta sexta-feira que não se trata de um abandono do programa que estava em vigor, mas sim de uma "reorientação para aumentar a sua eficácia". Seja qual for a volta que as declarações oficiais queiram dar às palavras, a verdade é que já ninguém esconde o embaraço provocado pela implosão do melhor plano que os estrategas militares e políticos norte-americanos conseguiram desenhar para vergar o Estado Islâmico.

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Os responsáveis do Pentágono disseram esta sexta-feira que não se trata de um abandono do programa que estava em vigor, mas sim de uma "reorientação para aumentar a sua eficácia". Seja qual for a volta que as declarações oficiais queiram dar às palavras, a verdade é que já ninguém esconde o embaraço provocado pela implosão do melhor plano que os estrategas militares e políticos norte-americanos conseguiram desenhar para vergar o Estado Islâmico.

"Eu não estava satisfeito com os resultados iniciais. Por isso, idealizámos uma variedade de abordagens diferentes", disse esta sexta-feira o secretário da Defesa dos EUA, Ashton Carter.

A nova estratégia da Casa Branca passa agora por treinar e entregar armas "a um restrito grupo de líderes, para que possam progredir no território controlado pelo ISIL [uma das siglas para identificar o Estado Islâmico] ao longo do tempo", explicou o Pentágono, em comunicado.

Na prática, esses líderes vão receber formação para conseguirem pôr em marcha um ataque com apoio aéreo dos Estados Unidos, e os seus progressos no terreno serão "monitorizados" pela estrutura militar norte-americana – principalmente para garantir que o armamento que lhes será atribuído não acabará nas mãos de milícias ligadas à Al-Qaeda, como aconteceu logo no início do programa lançado no ano passado.

Nessa primeira tentativa para formarem um poderoso exército que fizesse frente aos extremistas do Estado Islâmico, os EUA gastaram 500 milhões de dólares, com o objectivo de treinar 5400 combatentes ainda este ano e um total de 15.000 até 2018.

Mas, em finais de Julho, um primeiro grupo de combatentes treinados pelos EUA foi atacado pela Frente al-Nusra – cinco deles foram mortos e o braço da Al-Qaeda na Síria apoderou-se do equipamento militar norte-americano.

Em meados do mês passado, durante uma audição no Senado, o general Lloyd Austin, responsável pelas Forças Armadas dos EUA no Médio Oriente, Norte de África e Ásia Central, deixou escapar uma resposta que provocou indignação entre os representantes do Partido Republicano. Questionado sobre quantos sírios treinados pelo EUA ao abrigo do programa de 500 milhões de dólares estavam naquele momento a combater no terreno, o general falou num "número pequeno, uns quatro ou cinco".

Ainda assim, Lloyd Austin disse que acreditava no sucesso do programa a longo prazo, apesar de ter reconhecido que seria impossível treinar 5400 combatentes até ao fim do ano: "Tem demorado mais tempo do que se esperava, mas tem de ser feito desta forma, se quisermos resultados positivos e duradouros."

O que a Casa Branca e o Pentágono vieram dizer esta sexta-feira é que, daquela forma, não haverá quaisquer resultados positivos e duradouros, e que é preciso mudar a estratégia.

Para além da recente intervenção militar da Rússia na Síria, que veio obrigar os EUA e os seus aliados a ajustarem a estratégia seguida até agora, as alterações anunciadas esta sexta-feira resultaram também da falta de confiança dos grupos rebeldes moderados nos verdadeiros objectivos de Washington – o programa norte-americano obrigava esses grupos a combaterem o Estado Islâmico, e muitos não percebiam o que queriam os EUA fazer com Bashar al-Assad.

"A oposição síria e os seus apoiantes na região queriam o programa, mas não aceitavam que o Estado Islâmico fosse a prioridade, nem a ambiguidade dos EUA sobre o fim de Assad", disse ao New York Times Andrew J. Tabler, especialista do Washington Institute for Near East Policy. "Tal como na guerra no Iraque, não podemos esperar que as pessoas combatam em nosso nome se não lhes dermos o que elas querem. Mais uma vez, falhámos na política."