Coliga-te, esquerda, coliga-te
O que o presidente exige é estabilidade. Se ela não for possível à direita, que seja à esquerda.
Embora a frase presidencial “encarreguei o dr. Pedro Passos Coelho de desenvolver diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País” não seja propriamente um primor de elegância e clareza, também não é razão para Cavaco ser tão mal interpretado. Ao contrário do que se disse, não há da sua parte qualquer pressa em dar posse a um novo governo de direita. É o oposto disso: se Cavaco teve pressa de alguma coisa, foi de avisar que não estava com pressa nenhuma.
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Embora a frase presidencial “encarreguei o dr. Pedro Passos Coelho de desenvolver diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País” não seja propriamente um primor de elegância e clareza, também não é razão para Cavaco ser tão mal interpretado. Ao contrário do que se disse, não há da sua parte qualquer pressa em dar posse a um novo governo de direita. É o oposto disso: se Cavaco teve pressa de alguma coisa, foi de avisar que não estava com pressa nenhuma.
Note-se, aliás, que a mais importante comunicação ao país ocorrida na terça-feira não foi a que Cavaco Silva proferiu às oito da noite diante das câmaras de televisão, mas aquela que ele fez publicar duas horas antes no Expresso Diário. Refiro-me a um texto intitulado “Uma solução estável”, escrito pelos conselheiros de Belém José Moura Jacinto e Nuno Sampaio, e que tinha todo o ar de ser um daqueles pratos preparados há várias semanas, que foi só tirar do congelador e pôr no microondas. Ou seja, aquele artigo expressava claramente o pensamento da Presidência da República, alertando-nos para o facto de neste momento 13 estados da União Europeia serem governados por coligações de três ou mais partidos, e aconselhando-nos a esperar sentados pela formação do próximo governo, dada a habitual demora neste tipo de negociações. O artigo refere até o exemplo do actual governo alemão, que só tomou posse “86 dias após o sufrágio”. Traduzindo em cavaquês: “Estejam à-vontade, consensualizem muito, que eu só me vou embora em Janeiro e até lá tenho a agenda livre.”
É por isso que existe uma tão grande diferença entre convidar Passos a constituir governo e convidar Passos a “avaliar as possibilidades de constituir” um governo estável. A segunda expressão não é apenas mais palavrosa; ela quer, realmente, dizer outra coisa – Cavaco não vai ceder quanto à estabilidade do próximo executivo. Ele perdeu a batalha no Verão de 2013. Não está com vontade de perder a guerra no Outono de 2015. E tem poderes para isso: se há boa razão para elegermos o presidente da República em eleições directas, é exactamente para ele ter na sua posse, em momentos sensíveis e politicamente extremados, a legitimidade suficiente para bater o pé aos partidos e, se necessário, fazer valer a sua vontade.
Daí que se dispense alegremente a nervoseira da esquerda, que acha que o presidente da República só lá está para fazer favores ao PSD. É não conhecer Cavaco. Ele tem muitos defeitos, mas um deles não é pensar pela cabeça dos outros. Parece-me, aliás, que a lista de diplomas enviados para o Tribunal Constitucional na anterior legislatura chega e sobra para demonstrar a sua independência. Mesmo se António Costa descobrir (novamente) que o seu coração pende mais para a esquerda do que para a direita, e estiver disposto a dar um chuto em Passos e Portas para mergulhar nos braços de Catarina e Jerónimo, ele estará sempre à vontade para o fazer – não acredito que seja o institucional Cavaco Silva a impedi-lo. O que o presidente exige é estabilidade. Se ela não for possível à direita, que seja à esquerda. Coliga-te, esquerda, coliga-te. Belém não te impede e eu pago para ver.